domingo, 28 de setembro de 2014

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Feitio ou defeito

Ricardo da Cruz Filipe A Onda 1983 CAM


(Importante saber distinguir) “…estado – sentimentos transitórios, pensamentos e ações, de traços – características douradoras da personalidade.”
Helena Marujo Educar para o otimismo

Poderá parecer ser um assunto muito técnico, só para especialistas, árido, mas encerra um conteúdo interessante.
Para se tornar mais manejável, comecemos por considerar que as pessoas psicologicamente saudáveis, podem manifestar uma vez por outra, em determinadas situações, atitudes que não lhes são habituais. Esses momentos, são estados que envolvem sentimentos transitórios, pensamentos e ações, e que podem até contribuir para que se apresentem aos olhos dos outros, surpreendentemente interessantes, despertar uma paixão, como se dessem corpo a desejos de viver que parecem acertados e de possibilidades ilimitadas.
Com o conhecimento do outro, poderá acontecer que vamo-nos apercebendo que estes estados não são um detalhe, vêm com um “pacote” - constituem padrões característicos de percepcionar o mundo, de estabelecer relações com as pessoas e situações. São traços de personalidade. 
Acabamos compreendendo também, que se ligam a outros traços (ex: a pessoa não é só vaidosa, é também autocentrada…),e que todos eles a definem. Constituem a sua personalidade que contribui para se tornar uma pessoa apetecível, ou não. 
Podemos também descobrir, que não se trata só de uma pessoa difícil, mas que possui um distúrbio de personalidade (“Os traços de personalidade existem num contínuo” John Oldham, sendo o distúrbio o ponto extremo do contínuo).
Este exercício é essencial - o conseguir identificar no outro, se a sua atitude é passageira (estado), ou uma característica douradora da sua personalidade (traço), e até que ponto afeta positivamente ou negativamente a vida e a relação com as outras pessoas. Como exemplo, nos casos de violência doméstica, poderá ajudar a clarificar a verdade da mensagem: “O agressor dá a entender que ter sido violento, não é problema dele (não é traço de personalidade), é porque bebe (estado transitório, fruto do momento, da situação ou...provocado pelo outro).”  
Citando, ainda John Oldham , a depressão (estado que acontece em um momento difícil da vida) pode não nos definir, mas a personalidade, define-nos. Ou seja, o estado depressivo, apesar de poder se arrastar por muito tempo, pode ser passageiro, mas traços de personalidade que tiram prazer com o sofrimento, ou que de certa forma,  alimentam a depressão,  ajudam a que esta se instale.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Os transtornos de personalidade - Flávio Gikovate


O que antes se chamava de personalidade psicopática, agora é chamado de distúrbio de personalidade do tipo antissocial - o "cluster B" de cor azul, na imagem abaixo colocada.

Canal de Flávio Gikovate no Youtube: https://www.youtube.com/


Em texto:

"Hoje vou falar sobre um tema um pouco mais complexo que são os distúrbios de personalidade. Estes distúrbios, segundo as classificações internacionais de doença – a nova tabela americana que se chama DSM5 que é a ultima classificação de diagnóstico de doenças dos Estados Unidos da América - , manteve o mesmo padrão: existem 3 grupos de grandes distúrbios de personalidade. 
Um grupo, que é basicamente o 1º,  são os distúrbios na linhagem paranoide, que são pessoas  com ideias de perseguição que sempre estão tendo ideias persecutórias em tudo, e são pessoas que não têm nenhuma outra falha a não ser essa, que é de codificar o mundo sempre de um jeito ameaçador, persecutório. São distúrbios que não vamos falar hoje. 
O 2º grupo, termina com anti-social - os psicopatas de antigamente. Este é que nós vamos tratar na nossa conversa de hoje. 
O 3º grupo envolve aqueles de ansiedade muito forte que têm condutas de evitação - evitar situações. O mais caraterístico deste (3º grupo) grupo, são os transtornos obsessivo-compulsivo, assunto também muito interessante e complexo mas que fica para uma outra vez, para falarmos sobre isso.  
Hoje eu queria era, então, tratar deste 2º grupo que são os antigos psicopatas. Este grupo corresponde a um conjunto de patologias,  não é uma só e não sei se a palavra certa é patologia, algum distúrbio de personalidade,  são na verdade alterações de personalidade e todas elas têm como característica principal (deste 2º grupo): alguma falha na reflexão moral, alguma falha na capacidade de se colocar no lugar das outras pessoas. Eles são uma sequencia gradual,  que vai desde o egoísmo que as pessoas socialmente consideram aceitável, a pessoas que se preocupam mais consigo, pouco empáticas em relação ao sofrimento dos outros, até ao mais grave modelo que seria o anti-social. 

Isto é um degradé (graduação) que vai tendo todos os matizes de agravamento. O "egoísta" pode ser "egoistinha"(egoísta pequeno), pode ser "egoísta médio", pode ser um "egoístão" (egoísta grande) que só cuida de si mesmo, não liga a mínima para ninguém e para nada. Não tem sentimento de culpa. Este grupo todo, não tem sentimento de culpa, mas às vezes reage dentro de certos limites, por medo, por medo de castigo e punições. São pouco empáticos. Não têm muita capacidade de  sentir compaixão, mas neste grupo inicial têm alguma empatia, mas isto vai tornando-se mais severo na distância deste ponto de equilíbrio, intermediário, quando se distanciam os personagens. Estes grupos (de pessoas) têm outras caraterísticas. Alguns têm de facto uma capacidade de falar bem de si mesmo, muito sociáveis, muito extrovertidos, bons no marketing pessoal. Têm uma fala e uma visão muito positiva de si mesmos, são os chamados histriónicos. Outro grupo (de pessoas) acha que são melhores do que os outros. Têm uma visão de si achando que são “bacana mesmo” (fantásticos). E, naturalmente, todos eles têm egoísmo,  são pouco empáticos e acreditam que são melhores que os outros, é o chamado de narcisismo patológico. É patológico porque na realidade quase todo o mundo, pode até falar bem de si etc, mas no fundo sabe que tem lá os seus complexos de inferioridade. Essas pessoas parecem que não têm complexos de inferioridade, o que é muito grave porque um pequeno complexo de inferioridade leva a gente  a ter um pouco de humildade, e a achar que a gente precisa progredir. E essas pessoas que se acham o máximo, não têm porque evoluir. Então, são pessoas muito mais difíceis de conviver, de mudar de opinião, de se preocupar com o direito dos outros e de se tratarem. A empatia vai sempre diminuindo, com cada vez menos capacidade de ser interessar pelos outros. 
Depois, existe um outro grupo (de pessoas, dentro deste 2º grupo), que se chama de borderline. É um grupo peculiar, em que algumas caraterísticas estão presentes. Uma delas é idealizar demais certas pessoas que se transformam em ídolos, para depois arranjar um jeito de desqualificar esses ídolos e derrubar eles, e achar que são horríveis, lamentáveis. Primeiro idealiza, depois derruba completamente essa pessoa. Primeiro "enche a bola" do interlocutor, que pode ser namorada, um patrão, um subalterno, “avacalha”(abusa, escarnece) com ele, derruba a auto-estima dele. São pessoas que têm oscilações do humor, não raramente são meio depressivas, têm tendência ao suicídio, tentativas de suicídio, mais do que efetivos suicídios, às vezes acabam morrendo, mas por engano, de chamar a atenção através do suicídio. São pessoas que têm uma agressividade, uma impulsividade muito grande. Parecem incapazes de serem contrariadas, aliás como toda a sequência dos egoístas, lidam mal  com o processo de contrariedade. Todos são meio estouvados (pensam pouco nas consequências e nas obrigações), mas estes aqui podem ser mais estouvados e têm essa caraterística  de "encher a bola dos outros" e depois derrubar a auto-estima deles. São pessoas que são...nesses momentos, bastante cruéis. Às vezes aparecem traços persecutórios ou de conspiração, achando que um grupo de gente está falando mal contra eles. Borderline é uma fronteira entre a neurose - um grupo de distúrbios em que o individuo está consciente da situação e um quadro psicótico em que o individuo não tem mais a noção exata do  que ele mesmo está fazendo. Esta confusão às vezes aparece neste grupo. A empatia por vezes é razoável, outras horas o individuo tem muito pouca capacidade  de sentir,  de se preocupar  com as outras pessoas, podendo ser muito cruel, especialmente quando acaba a idealização do outro. Finalmente, o mais radical deste grupo, em que a empatia vai decrescendo, é aquele grupo com empatia zero, que é aquele grupo dos anti-sociais. Pessoas que não têm nenhuma sensibilidade para com o outro, nenhuma culpa, e além de não terem nenhuma culpa com a dor do outro ou compaixão, também não têm medo.(...)

Tratar esta gente toda é muito difícil. Depende de muita sorte do ponto de vista do terapeuta, da empatia. Os anti-sociais são quase impossíveis de tratar. Esses são realmente os delinquentes. Os outros, dependem muito do tipo de empatia que se estabelece entre o paciente e  terapeuta, da paciência, da persistência. Muitas vezes é preciso tomar medicação, ou tranquilizantes, ou anti-psicóticos ou anti depressivos. É um manejo difícil de trabalhar. Demora anos, e existem alguns casos, que sim, há uma evolução favorável, melhoras. Mas são trabalhosos, sempre. Muitas vezes as pessoas perguntam por estes assuntos usando a palavra "psicopata". Psicopata é um termo genérico, que envolve um pouco de tudo isto que eu falei. São pessoas que, às vezes, pelo fato de serem muito simpáticos, são o parceiro sentimental de muita gente. E quando há este tipo de história, realmente não é raro os casamentos acabarem, se dissolverem, porque não é difícil a partir de certo momento, o parceiro perder a paciência e não conseguir mais tolerar certo tipo de arbitrariedades que essas pessoas, por força de uma empatia muito baixa ou mesmo inexistente, conseguem provocar nos seus interlocutores.
 Flávio Gikovate "os transtornos da personalidade."

As perturbações de personalidade no programa da RTP Play "Fora da Caixa", com a psicóloga Isabel Leal e o médico psiquiatra Vitor Amorim Rodrigues:
http://www.rtp.pt/play/p1727/e201315/fora-da-caixa