quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Basta!



Kruger, Barbara Untitled (Be), from the Untitled Portfolio, 1985
“É preciso levar Ana a aceitar que, faça o que fizer, ela será sempre objecto de ódio para Paulo, aceitar que nada pode fazer para modificar esta relação, aceitar a sua impotência. Basta portanto que ela tenha uma imagem suficientemente boa dela própria para que as agressões de Paulo não ponham em causa a sua identidade. Assim, se deixar de ter medo do seu agressor, ela sairá do jogo e talvez possa desarmar a agressão”.
Marie – France Hirigoyen Assédio, Coacção, Violência no Quotidiano Pergaminho

Necessito clarificar o que se entende por ódio e o que se entende por amor. “O ódio é uma força destruidora e desintegradora tendendo para a privação e a morte, e o amor uma força unificadora e harmonizadora, tendendo para a vida e o prazer” (Joan Riviere), mesmo considerando que no amor possa estar presente a agressividade, e do mesmo modo, esta  presente no ódio, pode não ser destrutiva.

Quando se sai de vez, do domínio de uma relação desintegradora?
O texto é interessante pelas pistas: “aceitar que nada pode fazer para modificar esta relação, aceitar a sua impotência"; perceber que essa relação não a define – há um lado bom nela própria, há muito esquecido, mas ávido por renascer, e que, independente do que sente pelo outro, esta relação faz-lhe mal.
Se transferirmos estes sentimentos para os contextos de trabalho, cansados da inércia de nada funcionar como deveria, avizinha-se a vontade de mudança de vida.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Compreender os efeitos da rejeição


Kruger, Barbara Untitled (You are not yourself) 1982
Ser ignorado pelos outros ou posto de parte - quanto é necessário para experimentar a dor e para duvidar do sentido da vida? A resposta rápida: "Não muito", refere Dr. Todd B. Kashdan psicólogo e professor de psicologia na George Mason University, no artigo Understanding Rejection's Psychological Sting (aqui).
Experiencias recentes com um grupo de pessoas num jogo de computador, simples e inútil, demonstram que depois de apenas cinco minutos de não receber a bola, as pessoas sentiram um aumento em desespero, tristeza e hostilidade, e uma diminuição na auto-estima, sentido de controlo e sentido na vida.
Todd B. Kashdan sublinha que é fácil subestimar o poder da inércia do ostracismo da parte de pais, professores, chefes e amigos, e por tal negligenciam as consequências do mesmo em termos de sofrimento psicológico.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Narciso por Marie–France Hirigoyen


Caravaggio, Narciso

Sobre a personagem de Narciso do Mito de Narciso muito se escreve, mas Marie – France Hirigoyen é uma referência para a compreensão do narcisismo e da perversão narcísica, no quotidiano.

Desta autora, deixo-vos um pequeno texto sobre Narciso:
“Um Narciso, no sentido de Narciso de Ovídio*, é alguém que crê encontrar-se ao mirar-se ao espelho. A sua vida consiste em buscar o seu reflexo no olhar dos outros. O outro não existe enquanto individuo mas enquanto espelho. Um Narciso é uma casca de ovo vazia que não tem existência própria; é um “pseudo”, que procura iludir para mascarar o seu vazio. O seu destino é uma tentativa para evitar a morte. É alguém que nunca foi reconhecido como ser humano e que foi obrigado a construir para si um jogo de espelhos para se dar a ilusão de existir. Como um caleidoscópio, por mais do que este jogo de espelhos se repita e se multiplique, este indivíduo contínua construído sobre o vazio”.
* Ovídio* Les Métamorphoses
Marie – France Hirigoyen Assédio, Coação e Violência no Quotidiano Pergaminho

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Lembrando de quando tudo aconteceu

Frida Kahlo Dona Rosita Morillo (detalhe)

Como percepcionamos o tempo? Porque em certos encontros o tempo desliza vivo e veloz, enquanto em outros, os momentos parecem-nos longos e penosos, travados pelo outro, à beira do nosso desejo?

António Damásio director do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da University of Iowa, assina um artigo publicado na revista Scientific American, nº 40, Brasil, com o título “Lembrando de quando tudo aconteceu”, cuja temática é a construção do tempo mental.
No artigo pode-se ler como definição de tempo mental: "...diz respeito à maneira como experimentamos a passagem do tempo e como organizamos nossa cronologia."
Várias estruturas cerebrais entre elas o hipocampo, o cérebro anterior basal e o lobo temporal, contribuem para a percepção do “tempo mental”, mas parece que este é “...determinado pela atenção que dispensamos aos eventos e às emoções que sentimos quando eles ocorrem”, desconhecendo-se por enquanto outros mecanismos que o influenciam.
Assim,” …a experiência de duração do tempo …se baseia em factores tão diversos quanto o  conteúdo dos eventos que estejam percebidos, as reacções emocionais que esses eventos despertam, a maneira como as imagens são apresentadas a nós, assim como as inferências conscientes e inconscientes que as acompanham”.
É também curiosa outra explicação de António Damásio: “O conteúdo emocional do material pode também fazer com que o transcurso do tempo se desacelere. Quando estamos incomodados ou preocupados, frequentemente sentimos o tempo passar mais devagar, porque nos concentramos nas imagens negativas associadas à nossa ansiedade”.

sábado, 10 de setembro de 2011

Para que haja amor, é preciso que haja ódio algures

Peter Blake, Tuesday, 1961

Para poder idealizar um novo objecto de amor e manter a relação amorosa, um perverso tem necessidade de projectar tudo o que é mau sobre o parceiro precedente tornado bode expiatório. Tudo que é obstáculo a uma nova relação amorosa deve ser destruído como objecto incómodo. Assim, para que haja amor, é preciso que haja ódio algures. A nova relação amorosa constrói-se sobre o ódio ao parceiro precedente. Aquando das separações, este processo não é raro, mas o mais frequente é o ódio esfumar-se pouco a pouco, ao mesmo tempo que se esfuma a idealização do novo parceiro.”
Marie- France Hirigoyen Assédio Coação e Violência no Quotidiano Pergaminho

No percorrer as nossas experiências de vida, esta narrativa não nos parece de imediato familiar. É enigmática. Mas certamente já nos cruzamos com aqueles casais cujo ditado popular identifica como “A 1ªmulher (ou marido) é trapo a 2ªmulher (ou marido) é guardanapo”. Ter sido trapo, tem o significado de ter sido mal amada, ou até mal tratada.
Nas personalidades perversas, aquando da separação, ou com um novo amor, é com surpresa que as vemos amorosamente tolerantes para com a nova relação. Ao projectar sobre o parceiro anterior tudo de ruim, salvam o novo amor dos sentimentos de frustração que este lhes causa e que não conseguem tolerar a não ser através do maltrato ao parceiro anterior. Sendo esta a sua função, o que quer que este faça não costuma contribuir para melhorar a situação, a não ser esperar que “se esfume a idealização do novo parceiro”, e naturalmente, cuidar de si.
Acredito que "fazer-se de bonzinho" só com algumas pessoas, quer na vida amorosa, quer na vida social e profissional, é uma necessidade do perverso - faz-me lembrar aquela frase "até os psicopatas precisam de amor". É como se precisasse de se convencer que é capaz. de se fazer amar. Só que esta relação, não é igualitária, estabelecesse com base nas suas condições, mais tarde ou mais cedo, só ele a controla, só ele tem direitos.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Nós sempre teremos Paris!




Rick Blaine (Humphrey Bogart) a IIlsa Laszlo (Ingrid Bergman): Nós sempre teremos Paris! 
Filme Casablanca

“Quando o individuo está seguro de si e o investimento do objecto é genital, o objecto por muito que se ame é substituível.”
Coimbra de Matos Mais Amor Menos Doença Climepsi Editores

No filme Casablanca, Ilsa Lund Laszlo foge para a América com o marido e deixa o seu amante Rick Blaine para trás. Recusa-se contudo,  a partir. Não sabe como sobreviverá sem ele.
Tal como no filme, ou numa situação de luto ou separação, bem conseguidas, o respeito pela realidade prevalecerá sobre o laço afectivo.
Mas espera-a um processo lento em que a presença errante de recordações serve para enganar o desespero, e conservar o vínculo. É preciso acreditar que, onde quer ele esteja, com quem quer que esteja, ele pensa nela mesmo que seja num momento difuso e fugaz.
Pedaço por pedaço, parte por parte, a imagem dele solta-se, enfim, e ela encontra-se livre, inteira e desembaraçada para amar outra pessoa.
O outro por muito que se ame, é substituível.