sábado, 29 de setembro de 2012

Paradoxo de um amor forte


Cinemagraphs Pictures, Images and Photos
de Jamie Beck

Surpreendentemente, a chave para um amor mais forte está no modo como usamos o nosso ódio”.
Jane Goldberg O lado escuro do amor Bertrand

Se há temática que identifica este blogue, é esta – os nossos sentimentos negativos fruto das nossas insatisfações, são próprios da natureza humana, e são inevitáveis. Acredito porém, que a qualidade da ligação ao outro, o crescimento das relações e o bem-estar pessoal, dependerá da capacidade de reconhecer, sentir e detetar, esses mesmos sentimentos e reciclá-los em algo mais saudável e criativo, como seja, por exemplo, pôr o nosso orgulho de lado e dar provas de mudança.
Convém dizer que a repressão pelo silêncio, dos descontentamentos, no seio das famílias e organizações, é uma forma de violência.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012



Há encontros assim. Não são para chorar, são para esquecer.
Brigitte Bardot faz hoje 78 anos.
Confessou em entrevista à  Vogue Hommes que quando era nova achava-se feia e “Custava-me sair, mostrar. Tinha medo de não estar à altura do que esperavam de mim.” –  “a realidade não é mais do que a realidade subjetiva de cada um” (Nicole Jeammet)

A crítica

Barbara Kuger Untitled (It, s a small world but not if you have to clean it) 1990

“Podemos afirmar que a crítica surge:

1 - Quando algo está abaixo do ideal que constitui a unidade de medida e a partir do qual é observado. Não existe intencionalidade de criticar; simplesmente olha-se o mundo a partir dos padrões de qualidade que se possui. É o caso do gourmet ou de qualquer especialista – arte, ciência, etc. - , quando se encontra com um objeto que pertence a seu campo; este é avaliado a partir de suas normas de qualidade, que são elevadas em relação com o resto das pessoas. Por sua vez, de acordo com as propriedades do mataideal, poder-se-á rejeitar intolerantemente ou não aquele que esteja abaixo do ideal, mas esse é anterior ao encontro com o objeto e independente dele.

2 - Quando se tem uma imagem preconcebida de alguém ou de algo que se considera imperfeito. É o caso do preconceito, crença básica que organiza a aproximação do objeto. Como explicamos em outra parte deste livro, são crenças gerais do tipo fazes mal as coisas, não és inteligente, és mau, etc., crenças a partir das quais termina-se por ver os atributos ou ações particulares do objeto. A crença preexiste ao juízo particular que deriva daquela. Não se trata de que o ideal seja desmesuradamente elevado como no caso acima, mas a representação do sujeito faz com que seja classificado abaixo daquele que se consideraria o padrão médio.

2 - Quando existe intencionalidade de agredir o outro ou a si mesmo. Nesse caso, não existe um ideal prévio elevado ou uma crença geral ligada especificamente ao aspeto que se considerará inadequado. O defeito ao qual a crítica dirigir-se-á será procurado, criado nas áreas mais diversas, contando que se diga algo que ofende. O ódio é o que origina e mantém a brecha entre o ideal e a representação do outro ou do sujeito, seja elevando aquele ou diminuindo os méritos dessas. A fonte mais frequente é a frustração narcisista.”

Hugo Bleichmar O Narcisismo Artes Médicas

sábado, 22 de setembro de 2012

Renascimento

Mesa, Coleção Berardo

Há dias falaram-me de um homem, que embora se tivesse sentido rejeitado pelos seus pais em favor das irmãs, transformou-se num pai amoroso para com as suas filhas.
Ao regenerar dentro de si novas formas de amar, evitou que o desamor se perpetuasse pelas gerações da sua família. É desta capacidade de reparação de que fala este texto de Melanie Klein*. É reconfortante saber que, no coração de muitos de nós, o amor, vence:
“…mais precisamente ao nos comportarmos em relação a outra pessoa como um pai ou mãe compreensivos, em fantasia recriamos e experimentamos o amor e a bondade tão desejados de nossos pais. Entretanto, portar-se como pais compreensivos para com outras pessoas pode ser também uma forma de lidar com as frustrações e sentimentos do passado. O ressentimentos que experimentamos contra nossos pais por nos haverem frustrado, aliados aos sentimentos de ódio e vingança por estes despertarem em nós, e ainda os sentimentos de culpa e desespero oriundos desse ódio e dessa vingança pelo fato  de termos danificado os pais que ao mesmo tempo amávamos – tudo isso, em fantasia, podemos desfazer retrospetivamente (retirando alguns motivos de ódio), desempenhando simultaneamente os papeis de pais amorosos e filhos extremosos. “
*in Amor, Ódio e Reparação

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Lobo com pele de cordeiro # 2

George Lambert Portait of a Lady (detalhe) 1916

As estatísticas deste blog revelam um interesse em saber mais sobre as personagens conhecidas por “lobos com pele de cordeiro” – psicopatas passivos  (sem moral e sem sensibilidade) -, para com certeza as pessoas se precaverem, já que pelo recurso a este disfarce conseguem esconder (durante algum tempo), as suas verdadeiras intenções.
Aqui está um enxerto de um texto de um autor que muito admiro, e que acrescenta a um outro já colocado neste blog, duas características destas personagens: a (pseudo) submissão aos poderosos e a capacidade de adaptação (podemos imaginar os estragos que causam nas famílias e nas organizações):
“A diferenciação clínica, proposta por Henderson (Henderson, 1939; Henderson e Gillespie, 1969), entre psicopatas agressivos e passivos tem, a meu ver, um imenso valor clínico. O tipo passivo é muito menos perigoso, pelo que pode abrir uma alguma brecha para a intervenção psicoterapêutica, por mais que a sua eficácia seja questionada. (...) O psicopata passivo aprendeu a lidar com os poderosos através de uma pseudosubmissão, levando a melhor sobre eles, explorando-os de forma passiva-parasita, o que, apesar de tudo, demonstra a capacidade para controlar no imediato a raiva e a fúria e transformá-las numa agressão em câmara lenta, tal como a do “lobo em pele de cordeiro”. Estes doentes podem negar a sua agressividade, e a divisão do mundo em lobos e cordeiros é complementada pela função adaptativa que tem o lobo disfarçado de cordeiro.”
Otto Kernberg Agressividade Narcisismo e Auto-Destrutividade na Relação Psicoterapeutica Climepsi



quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Paradoxo do autoconhecimento

Almada Negreiros Nu

Embora o sujeito narcísico pense apenas em si próprio, nunca poderá por ironia realmente conhecer-se, uma vez que não pode tomar uma posição exterior a si e ver-se como “realmente é”.
Jeremy Holmes Narcisismo Almedina
No mito de Narciso na versão de Ovídio, o próprio (Narciso) por ser extraordinariamente belo, causava nas vozes invejosas, a interrogação como um ser tão belo poderia continuar a viver. Tirésias que tinha sido ferido de cegueira por Juno, mas que o compensou com o dom da profecia, respondeu enigmaticamente: Narciso pode viver muito tempo, “a menos que aprenda a conhecer-se a si próprio.”
É este o paradoxo – centrar-se em  si próprio e negar a importância dos outros, não leva ao autoconhecimento, mas à alienação de quem somos. O conhecimento de si próprio, das nossas forças e fraquezas, e da beleza e finitude da vida, só são possíveis se “baixarmos a guarda” e dermos ao outro uma oportunidade. Porque é ele o real, que completa e confirma as nossas intenções, e no fundo, quem somos e até onde podemos ir.

sábado, 15 de setembro de 2012

Manifestação contra a austeridade


“É a convicção de que os nossos próprios esforços não têm qualquer influência sobre o mundo.” Bruno Bettelheim  A Fortaleza Vazia*
Ou que não leva em conta os nossos sentimentos. Não resignadas com  esta situação, não aceitam que não haja nada onde se possam agarrar, e com receio de atingir um estado de desamparo, o maior medo da humanidade,  que podemos associar à pobreza ou a qualquer outra condição de exclusão, as pessoas manifestam-se hoje  contra a austeridade, ou seja, contra as medidas politicas que quem participa, considera ineficientes, injustas e erradas Escolho esta frase de uma obra clássica do autismo infantil, para ilustrar este dia.
As pessoas entendem que os seus esforços não são levados em conta pelo governo. Por isso se manifestam, porque medida após medida, chegaram à convicção que não estão no interior das preocupações de quem decide e de quem de certo modo dependem. Sem sinais que os seus sacrifícios e necessidades são reconhecidos pelo estado, sem sinais que o outro (o governo) está connosco neste caminho, receia-se perder a esperança. E isso não pode ser sequer considerado. Seria a rutura. O vazio. 
*Uma obra clássica sobre o autismo infantil, cuja teoria marcou gerações e que as pessoas em geral incorporaram como se o seu autor identificasse como causa desta perturbação, mães frias e indiferentes aos seus filhos. Embora o posterior avanço das pesquisas  não suportem esta explicação, é consensual que condições de vida muito adversas, podem causar rutura no equilíbrio emocional.  
 Imagem retirada de precariosinflexiveis.org


Cena do filme All the king, s Men (O caminho do poder) em breve no canal AXN Portugal, com o fabuloso Sean Penn





sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Invejar a bondade

Parks Ingrid Bergman at Stromboli

“Talvez sejamos incapazes de tolerar o fato de não sermos os melhores. Por isso, embora a bondade seja alvo de um ataque, talvez este não decorra apenas de um brutal desejo de ferir, mas também de um outro motivo: destruir alguma coisa ou alguém cuja bondade experimentamos em termos que nos fazem sentir maus. A inveja comporta sempre uma comparação – invejamos aquilo que nos faz falta.”
Kate Barrows Inveja Almedina
A pessoa bondosa é um exemplo que é possível superar, com coragem, o combate diário que todos nós travamos contra o nosso lado mau, mas que nem sempre, ou nem todos nós, conseguimos.

A riqueza interna

Dali
“…a sensação de riqueza interna que tem origem na capacidade para sentir gratidão e apreciar os outros…”.
Otto Kernberg Agressividade Narcisismo e Auto- destrutividade na Relação Psicoterapêutica Climepsi
Algo de bom dentro de nós, que sentimos como vivo no interior do nosso espirito. É a sensação de riqueza interna. Procuramo-la na alegria das pequenas coisas simples que acreditamos que encerram a perfeição. Não se pode pedir mais.
Por sermos ainda capazes de nos surpreender, esperamos alcançar harmonia e paz. Dizem-nos que há ferramentas (palavra horrível quando os assuntos são humanos), que nos ajudarão a alcançar a dimensão espiritual, tais como a meditação e a oração, proporcionando um melhor relacionamento connosco e com os outros. Mas nesta viagem  que é a vida, não parece ser possível sentir riqueza interna sem a atitude de gratidão e de apreço pelas outras pessoas, das suas coisas boas, que valorizamos e que a partir desse momento guardamos dentro de nós, como nossas.
Somos inábeis a reconhecê-las perante o outro, muitas das vezes, e também poderemos não saber recebê -las. E quando isto nos acontece, é inevitável pensarmos que arriscamos a possibilidade de renascimento da saúde psíquica e espiritual.
A gratidão é a cura para o nosso narcisismo, e ajuda a superar sentimentos negativos, tais como a inveja (a maligna).

domingo, 9 de setembro de 2012

Taras e manias sexuais

José Marafona

"A avaliação diagnóstica de doentes com perversões sexuais
    Em todos os casos, é importante, em primeiro lugar, avaliar toda a vida sexual do doente, as suas fantasias, os seus devaneios, as suas fantasias masturbatórias, assim como as fantasias que estão relacionadas com as interações sexuais atuais.  As preferências sexuais do doente, a sua continuidade ou descontinuidade, e todo o espectro das suas respostas sexuais necessitam de ser avaliadas. Em segundo lugar, os aspetos básicos da sua identidade sexual central do doente, a escolha do objeto dominante, a identidade do papel de género e a identidade do desejo sexual devem ser avaliados, uma vez que estes quatro parâmetros definem em conjunto, a identidade sexual do doente (O. Kernberg 1985). Em terceiro, é importante avaliar a ligação existente entre as capacidades que o doente tem para amar e para sentir ternura e a sua vida sexual: Tem capacidade para se apaixonar? Tem capacidade para integrar o amor e o erotismo, estarão eles dissociados quase sempre ou sempre um do outro? Existem inibições sexuais, e se sim,  qual é o seu tipo e qual a sua gravidade? Em quarto, qual é a constelação da personalidade dominante? A presença ou ausência do narcisismo maligno, a qualidade das relações de objeto, a presença de características antissociais e o grau em que a expressão da agressividade é patológica e egossintónica são importantes indicadores que necessitam de resposta.
   E em quinto, estamos interessados em avaliar os casais, quando os conflitos maritais ou de casal são um aspeto essencial dos sintomas apresentados pelo doente.
Se um doente está contente com a sua perversão, uma vez que esta lhe permite uma ilha segura de êxtase num contexto razoavelmente gratificante e eficaz de amor e de trabalho, não há motivo para que o analista o obrigue, ainda que implicitamente, a adotar um padrão sexual diferente.”
Otto Kernberg Agressividade, Narcisismo e Auto-Destrutividade na Relação Psicoterapêutica Climepsi

O negrito é meu

sábado, 8 de setembro de 2012

O falso espelho

René Magritte O falso espelho 1928

“De fato, esse amor colocado no centro da relação não passa muitas vezes de um amor narcísico: eu amo esta pessoa porque amo a imagem que ele/ela me transmite de mim mesmo: O que significa que, se o outro passar por uma fase difícil (depressão, desemprego…), vai deixar de me projetar uma imagem gratificante de mim mesmo, e eu vou procurar outra pessoa que possa projetar uma imagem mais valorizada de mim e que me permita continuar no meu pedestal”.
Marie – France Hirigoyen As novas solidões – Na era da comunicação estamos todos mais sós Caleidoscópio

A fragilidade dos laços humanos em certas relações íntimas, de amizade ou sociais, ou a precariedade relacional – servirmo-nos de outros porque julgamos que não temos coisas boas em quantidade suficiente para nos sentirmos inteiros.
Por vezes representa um contrato subentendido, de ambas as partes, porque estas ganham com isso. Em outras situações, a vítima descobre que na realidade, o vínculo não era o que julgava - a pessoa dela não foi sequer reconhecida -  sendo a relação, “cada um por si”. Nestes casos, fica o sentimento amargo de ter sido usada.
Porém, só quando se rompe o vínculo, a vítima chega ao entendimento integral da situação. Se é verdade que vemos o que queremos ver, só agora compreende que o outro a observou atentamente e fê-la acreditar que tinham afinidades. Desta observação, foi possível  ao "fingidor" transmitir-lhe uma imagem falsa de si mesmo ao criar este falso espelho no qual a vitima se refletia, que  seduzida, gratificava o amor próprio do "fingidor".  Trata-se assim, de um falso espelho para ambas as partes, mas uma delas poderá não estar interessada na autenticidade da ligação, ou também poderá não ter competência para a criar, com honestidade. 
Então, depois daquela fase inicial da relação em que a intenção era seduzir a vítima, ou convencer-se a si próprio que " (a união) desta vez era para valer", já não se disfarça, e revela-se o verdadeiro eu.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Entrevista - "Quanto menos se sofrer melhor" #3


Entrevista de Paula Torres de Carvalho a António Coimbra de Matos, publicada no Jornal Publico a 30 de maio de 2000, com o título Quanto menos se sofrer melhor.

Publica-se a 3ª e ultima parte desta entrevista. As anteriores já se encontram neste blogue.

...
Público – Dedicou toda a sua vida à psicanálise que continua a ser contestada como ciência…
ACM – O mal – estar que sempre houve em relação à psicanálise é que alguns analistas são mais ideólogos do que investigadores. E portanto aplicam as teorias já feitas. Mas há muitos outros psicanalistas para quem o que importa é a relação entre as pessoas e as teorias vêm depois. As teorias procuram dar uma compreensão mais global, específica e são sempre refutáveis e transitórias.

Publico – Mas a psicanálise é ou não é uma ciência?
ACM – É uma ciência mas há muita gente que a pratica como não – ciência. Como todas as ciências, observa os fatos e depois procura compreendê-los.

Publico – Mas em ciência confirmam-se ou infirmam-se hipóteses. Isso é possível em psicanálise?
ACM – Com certeza. As interpretações que fazemos em relação aos pacientes são sempre hipóteses. As respostas são objeto de estudo…

Publico – Na psicanálise seleciona- se uma amostra, testa-se…?
ACM – Não, mas a ciência não é só isso. Isso é a ciência dos grandes números…A diferença é que trabalhamos com sistemas mais complexos e portanto as variáveis são maiores e o número de fatores em jogo é muito maior. Acontece o mesmo em meteorologia, por exemplo, que lida com um sistema muito complexo, o que torna as previsões muito difíceis. Em psicanalise, as previsões a longo prazo, são mais difíceis mas não exequíveis…

Publico – Como comenta a evolução interna da psicanálise?
ACM – É feita daquilo que se vai verificando nos pacientes, do que se vai investigando e da abertura em relação a outros ramos do conhecimento.

Publico – Freud está ultrapassado?
ACM – Nalgumas coisas está, noutras não. Mas essa pergunta para mim não faz sentido. É a mesma coisa de perguntar se Newton está ultrapassado. Claro que estão, um e outro; o desenvolvimento não para.

Publico – Muitos psicanalistas continuam a considerar Freud uma referência intocável. Isso já não faz sentido?
ACM _ Para mim não, mas faz para alguns. Que encaram a psicanálise de uma forma ideológica, religiosa…

Publico – Há quem considere a psicanálise como uma espécie de Igreja…
ACM – Em relação a alguns psicanalistas, é verdade. Mas esses, os que continuam a repetir Freud, são cada vez menos.

Publico – Isso contraria a evolução dos tempos. A psicanálise tem de acompanhar a mudança…
ACM – E não só da mudança dos tempos, mas da ciência e da própria psicanálise.

Publico – Como se situa a psicanálise face ao avanço das neurociências e da medicina?
ACM – Já há uma sociedade e grupos de psicanalistas e outros investigadores ligados às neurociências. Tem mesmo o nome de neuropsicanálise. E isso faz todo o sentido e é absolutamente necessário.

Publico – Portanto acha que deve existir uma certa abertura da psicanálise a outros conhecimentos e uma coexistência pluridisciplinar…
ACM – Sim; e transdisciplinar – contatar com os outros e procurar linguagens que possam ser comuns. Porém, insisto: há muita psicanálise que é do tipo religioso, ideológico. Atualmente as sociedades psicanalíticas são muito mais abertas, os psicanalistas investigam muito mais e contactam com as outras ciências, mas há ainda um grande numero de psicanalistas muito fechados.

Publico – A sociedade Portuguesa de Psicanálise é uma instituição fechada?
ACM – É das mais abertas.

Publico – Em comparação com as outras sociedades europeias?
ACM – Sim, embora hoje todas estejam mais abertas…A sociedade alemã é das mais abertas e as americanas são bastante abertas.

Publico – Qual foi a experiencia que mais o marcou como psicanalista?
ACM – Há casos em que o sucesso foi maior. Por exemplo, o de uma analisanda, psicóloga, que veio para análise comigo para ser psicanalista e durante a análise começou a descobrir que, afinal, não se interessava tanto pela psicologia nem pela psicanálise. Hoje é escritora. Isto mostra que as pessoas estão muitas vezes enganadas ao escolher um percurso.
Outro caso que me marcou bastante foi de uma pessoa que me procurou aos 50 anos por razões obsessivas; depois começou a verificar-se que era um homem que não tinha tido adolescência. È um qualificado investigador, mas passou os anos da adolescência a discutir filosofia zen… Tinha tido uma vida social muito limitada. Este homem fez uma mudança de 180 graus; hoje está totalmente diferente, escreve livros, faz gravura, continua a ser professor. Nunca pensei que um homem com 50 anos desse tamanha volta na sua vida.

Publico – Um caso de insucesso…
ACM – Um paciente que se consultou comigo durante cerca de dois anos. Era um homem muito sádico, muito agressivo, muito violento. Eu comecei a não suportar a agressividade daquele homem, não me senti bem e disse-lhe que era melhor ele procurar outra pessoa. E ele procurou outra pessoa com quem teve um sucesso razoável. Houve também o caso de um homem que fez uma psicoterapia analítica. Era um velho esquizofrénico que tinha estado internado vários anos. Quando veio ter comigo não fazia nada, mas depois retomou a profissão, casou-se …só que teve o azar da mulher morrer no parto tal como o bebé. Apesar disso aguentou tudo. Comecei a vê-lo mais espaçadamente; tinha melhorado bastante mas depois acabou por se suicidar durante um período depressivo.

Publico – Ficou com sentimentos de culpa?
ACM – Fica-se sempre. Sempre com a ideia que não se fez o suficiente. Penso que o meu erro foi tê-lo largado cedo demais.

FIM