segunda-feira, 31 de maio de 2010

Olha que grande coisa!

Expor-se ao perigo enobrece a alma e salva-a do tédio no qual os meus adoradores parecem mergulhados; e é contagioso esse tédio. Qual de entre eles têm a ideia de fazer algo de extraordinário? Esforçam-se por obter a minha mão, olha que grande coisa!”
O Vermelho e o Negro – Stendhall

Mathilde, a menina de La Mole, revela nesta passagem, sede de estímulos intensos, sentimentos de vazio e de estar sozinha. Apesar dos esforços dos seus adoradores, desvaloriza  as habilidades destes em a cativar. Porém, à mercê das atenções, a mais invejada herdeira do bairro de Saint – Germain, jamais poderá admitir a sua dependência em relação a eles. É a personagem narcísica do romance.

sábado, 29 de maio de 2010

Os nossos desejos


Os nossos desejos são, a sedução, a partilha e o reconhecimento. *

Seja na vida real, seja no mundo virtual - todo o sujeito deve ser desejante e doador.
A satisfação com a vida dependerá de um equilíbrio, e do entendimento em acção, do que significam para o outro e para mim.
Concordo com Hugo Bleichmar, em O Narcisismo, quando diz que as pessoas se diferenciam umas das outras, no modo como resolvem esse equilíbrio. O que sugere a existências de vários perfis.

*Serge Tisseron (Psiquiatra e Psicanalista), Les Réseaux Sociaux, Le Monde de le Intelligence nº 15 de Maio, Junho e Julho de 2009 (aqui)

Foto: Igreja de São Domingos - Lisboa


A Ninfa Eco


É costume nos concentrarmos em Narciso e na ânsia deste em se amar a si próprio, seguida da frustração por não o conseguir, e consequente, a morte, e negligenciarmos o papel da Ninfa Eco neste desenlace.
Mas este papel não é desprezível.
A submissão e dependência de Eco em relação a Narciso ao ponto de não ter opinião própria, corresponde à imagem de Narciso, porque Eco, na verdade, nunca existiu como pessoa real. 
Portanto, a Nifa Eco, apresenta-se como um duplo que permite a Narciso satisfazer a ilusão que é totalmente aceite e compreendido. E auto-suficiente.
Mas Eco, pelo facto de limitar-se a repetir o que ouve, “ fazer a vontade” acaba por ser uma desilusão para Narciso levando-o à morte por não lhe proporcionar o conhecimento de si mesmo – atingido na relação com outro - e, à experiência de ser amado apesar de ter, como todos nós, imperfeições. 
Faz lembrar aquelas relações sustentadas pelo domínio e submissão, em que os dois acabam infelizes.
Narciso criou Eco para não passar pelo risco de ter necessidade de alguém e de estabelecer um vínculo, única maneira possível que ele teria, e todos nós temos, de viver uma vida com sentido.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Cérebro e Comportamento

O site The Brain From Top To Botton  (em língua inglesa e francesa), é uma ferramenta interactiva, que permite o estudo de temas relacionados com o cérebro (Emoções, Prazer e dor, Desenvolvimento da mente….).
Cada tema é abordado nas dimensões Social, Psicológica, Celular, Molecular e  Neurológica.
Também podemos escolher o nível de exigência (básico, médio e avançado), de cada uma destas abordagens.
É um pequeno contributo para uma visão ampliada da complexidade do comportamento humano, e do bom que seria, que a mesma, fizesse parte do conhecimento cultural dos educadores.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Ela me faz a corte


“(Julien pensa) Mas não, ou estou louco, ou ela me faz a corte; mais eu me mostro frio e respeitoso para ela, mais ela me procura. Isto poderia ser de propósito, uma afectação, mas vejo os seus olhos animarem-se quando apareço de improviso. As mulheres de Paris saberão fingir a esse ponto? Que importa!”

O Vermelho e o Negro – Stendhall
Tal como Julien, quando nos concentramos unicamente nas nossas necessidades – poder de sedução - e não estamos interessados em conhecer verdadeiramente o outro e a amá-lo, estamos a viver um amor narcísico. Exploramos as suas necessidades, de modo a satisfazer as nossas.
O outro (que não reconhecemos como pessoa), está no lugar do espelho das águas no qual Narciso admirava a sua imagem reflectida.

domingo, 23 de maio de 2010

Nunca terei amor

Mathilde:" Amo, amo, está claro! Com a minha idade, onde poderá uma jovem, bonita, espirituosa encontrar sensações senão no amor? Por mais que faça, nunca terei amor a Croisenois, Caylus e Tutti quanti. São perfeitos, demasiado perfeitos, talvez; enfim aborrecem-me.”

Vermelho e o Negro, Stendhall

Croisenois, Caylus e todos os outros, embora perfeitos, não estão ao nível do ideal que Mathilde aspira para si. Na verdade, pensa que não vale a pena amar,  nem ter medo de ser rejeitada, porque considera-se até bem melhor do que a imagem ideal do homem que seria capaz de a amar. Mas, estimula os admiradores, que são mantidos pela necessidade de ser aprovada e gratificada, sem estabelecer contudo, relações de intimidade. Sofre de sentimentos de vazio.
Mathilde é a personagem narcísica do romance.

sábado, 22 de maio de 2010

A Sociedade Invisível

A Sociedade Invisível
Daniel Innerarity
Edição/reimpressão: 2009
Páginas: 236
Editor: Editorial Teorema

O livro A Sociedade Invisível, do filósofo Daniel Innerarity, apresenta orientações filosóficas para compreendermos as recentes sociedades que são não polarizadas ideologicamente, têm fronteiras menos definidas e interacções sociais que se expressam para além do visível, como seja, o acesso a uma realidade virtual.

A proposta do filósofo Daniel Innerarity é pensar a sociedade, em vez de ser palco de conflitos de poder e de propriedade, a considerar um enorme combate pela atenção, sendo o terrorismo um exemplo paradigmático. Justifica-se uma Sociologia da vaidade – a investigação sobre a necessidade de cada um se dar a conhecer, como refere.
O papel da filosofia seria uma forma de espionagem nestes cenários complexos, ao considerar que, para “compreender a realidade social é preciso aceitar que os dados e os factos não valem praticamente nada; os conflitos sociais são guerras hermenêuticas, disputas de interpretação”.

Daniel Innerarity nasceu em Bilbau, em 1959 é Doutor em Filosofia e Professor da Historia da Filosofia na Universidade de Zaragosa.
O seu livro A Sociedade Invisível, publicado pela Teorema recebeu o Prémio Espasa Ensaio 2004; o Prémio de Ensaio Miguel de Unamuno; o Prémio Nacional de Literatura (Ensaio).


quinta-feira, 20 de maio de 2010

Eco e Narciso


Eco, a Ninfa dos bosques, um dia vê Narciso e apaixona-se instantaneamente por ele. Eco, como o seu nome indica, limitava-se a repetir as ultimas palavras que ouvia. Um dia, Narciso perde-se nos bosques e chama pelos seus amigos “Vinde a mim”. Eco, ao ouvi-lo repete ”A mim”. Narciso volta-se e foge Prefiro morrer a deixar que me tocasses”. Conta-se que Eco morreu lentamente, devido à humilhação.
Nesta ultima afirmação de Narciso, está uma defesa narcísica: o negativismo, pelo qual Narciso afirma que é ele quem manda, que é ele quem não se submete ao desejo do outro. Julgo possível também atribuir, esta atitude, ao sadismo, presente muitas vezes, nestas personagens – dão pouco para estimular a dependência. Contudo, Eco submete-se, enquanto Narciso rejeita-a. São os dois, personalidades narcísicas, embora à partida pareçam distintas.

Interesso-me por este tema do narcisismo. Costumo ler, um livro ou outro – tenho os meus favoritos - mas em Narcisismo de Jeremy Holmes, pela primeira vez, deparei com uma definição deste transtorno apresentado em dois modelos clássicos: negligentes e hipervigilantes, com base em Glenn Gabbardo. A compreensão destes dois modelos de indivíduos narcísicos, é importante para compreendermos a relação entre Narciso e Eco.
Os indivíduos narcísicos negligentes, são descritos como exibicionistas, que alimentam ideias de grandeza, de aparência agradável, representado no mito, por Narciso. Os hipervigilantes são tímidos, inibidos e centrados em si próprios, autodepreciativos, representados por Eco.

Na história deste amor (narcísico)*:

Narciso é intocável; Eco alimenta eternamente o desejo de estar nos seus braços.

Narciso só pensa em si próprio e é de um egoísmo implacável; Eco só pensa nele, e a sua auto-estima permanece frágil até à morte.

Narciso não se identifica com os outros, só se ouve a si; Eco não tem opinião própria.

Em suma, tanto Eco como Narciso escolheram uma pessoa incapaz de satisfazer um único desejo ou necessidade do outro - não conseguem dar nem receber amor - não são capazes de uma verdadeira troca emocional. Por estas razões, vivem um amor narcísico, porque nenhum dos dois é capaz de conhecer ou amar o outro.
Penso que Eco foi a ultima namorada de Narciso, visto este ter morrido nas águas do lago enquanto admirava a sua imagem. Caso contrário, teria partido em busca de outra Ninfa, mais perfeita, que confirmasse (espelhasse) o quanto ele tem valor (e o quanto ela não interessa – é simplesmente tolerada).

*Narsicismo de Jeremy Holmes, Almedina

domingo, 16 de maio de 2010

A mãe de Narciso (1)


Foi o sexólogo Havelock Ellis, quem no final do séc. 19, ligou o mito de Narciso a uma dificuldade psicológica, ao associar o prazer de Narciso pela sua imagem reflectida nas águas do lago, à homossexualidade – uma pessoa amar outra, do mesmo sexo. Desde 1990, a homossexualidade, tida até aqui como uma perversão sexual, deixou de ser considerada (pela OMS) uma peturbação mental.

Recorrendo ao mito de Narciso, tenta-se explicar desta dificuldade psicológica - narcisismo patológico - que em traços gerais é uma patologia do amor-próprio e se traduz na “recusa de ver o mundo a não ser do ponto de vista do próprio, com o potencial desprezo pelos sentimentos dos outros que isso acarreta”. *
Na origem desta disfunção da personalidade, está a negligência ou abusos parentais (que pode também incluir a sobreprotecção), ou seja, os mecanismos de  controlo omnipotente,  intrusão e manipulação.
Ora Narciso, nasceu da violação da sua mãe Liriope por Céfiso, deus fluvial, segundo a versão de Ovídio. Também nunca conheceu o pai. São dois acontecimentos determinantes para a problemática de Narciso.

Liriope, uma mãe em sofrimento, não esteve, possivelmente, disponível para o seu filho. A capacidade de amar, pode-se traduzir na capacidade de empatia – colocar-se no lugar do filho; espelhamento – a capacidade da mãe, por exemplo, ao tomar a criança nos braços, espelhar quem o bebé é, ou seja, uma pequena criatura, única e especial a precisar de protecção; receptividadeLiriope, como qualquer mãe, deveria ter sido acessível, reconhecer os gestos do seu bebé e ter dado uma resposta adequada, o que permite adquirir a convicção, que os nossos próprios esforços têm influência sobre os outros.
Ao sentir-se amado, Narciso poderia adquirir confiança no mundo e as bases do amor-próprio. Não sendo isto que aconteceu, na total dependência desta mãe, distinguir-se dela, opondo-se ao seu desejo, e adquirir autonomia, não foram tarefas bem sucedidas para Narciso. Assim, Liriope, ao não revelar sintonia com o filho, teve como consequências, em termos de desenvolvimento, Narciso rejeitar o outro, e o sentimento de bastar-se a si próprio, revelado na admiração pelo seu  reflexo nas águas. Paradoxalmente, o sujeito narcísico preso à sua imagem, a pensar apenas em si próprio, não tem acesso ao auto-conhecimento, que só se obtém na relação com o outro.

*Narcisismo, Jeremy Holmes, Editora Almedina





quinta-feira, 13 de maio de 2010

Allain de Botton


Aqui está um tema que gosto muito:  trabalho.
Não gostei do outro livro do filósofo Allain de BottonEnsaios de Amor”.
Ainda não li este, publicado este ano “ Alegrias e tristezas do trabalho” da Dom Quixote, mas já li a entrevista que deu à publicação  Philosophie Magazine, nº 39, de Maio de 2010 -  “Le travail nuit-il à la santé? -  destinada ao tema do trabalho.


Filosofia para crianças


É uma das memórias da freguesia de Benfica, Lisboa, onde vivi alguns anos - o Externato Grão Vasco e a experiência de Introdução de Filosofia para Crianças.
Na época em que muitos defendem a necessidade de aprender a filosofar desde muito cedo, na vida, aqui fica o testemunho do Externato Grão Vasco que foi pioneiro neste tipo de experiências pedagógicas. Contudo, na dúvida se ainda constava da oferta educativa, consultei o site do Externato (aqui), e confirma-se: Introdução de Filosofia para Crianças, leccionada por Professores que tiveram um curso especial ministrado pela Sociedade Portuguesa de Filosofia.