sábado, 31 de maio de 2014

Os chatos

Winogrand foto

“Quando Graham se mostrava enfadonho era agressivo – tratava-se de uma forma de controlar, e de excluir, os outros: uma forma de ser visto, mas de não ver. Servia também, outro objetivo. Especialmente no contexto da sua psicanálise, protegia-o de ter de viver no presente, de ter de reconhecer o que estava a acontecer na sala.”
                                                              Stephen Grosz A vida em exame. Temas e debates
Transferindo para a vida real, motivações semelhantes podem justificar os comportamentos das pessoas a quem chamamos chatas. Mas devo acrescentar que, embora a atribuição desta característica possa ser subjetiva - cada um de nós lá sabe que tipo de pessoas costuma classificar na categoria -, é possível que as pessoas chatas ou enfadonhas apresentem como que uma fachada perante a qual, conscientemente ou não, escondem o que realmente sentem ou experimentam, naquele momento. Por este mecanismo, tornam-se opacas, pretendem dizer apenas aquilo que dizem, e não se importam de ser elas a falar sós ou que o outro fale só. Falta-lhes coragem para um verdadeiro encontro. Num próximo, voltam ao mesmo, num faz de conta a que chamam relação, o que muito aumenta a nossa prudência para com elas e o nosso enfado.
Miguel Esteves Cardoso escreveu na sua cronica de 10. Jan.14: “Hoje estou convencido que os chatos sabem que são chatos e que estão a chatear. E que têm prazer em chatear. É uma espécie de vingança ou de comédia. Para eles não são eles que chateiam: somos nós que pensamos que eles nos chateiam.”

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Marguerite Duras sobre Lacan

A escritora Marguerite Duras sobre o psicanalista Lacan:

“Eu estava deslumbrada por ele. E aquela frase dele: Ela não deve saber que escreve porque escreve. Porque se perderia. E seria uma catástrofe. Essa frase tornou-se para mim, como uma espécie de identidade de princípio, de direito a dizer totalmente ignorado pelas mulheres."

In Escrever Editora Difel

sábado, 17 de maio de 2014

O lado negro da inteligência emocional

George la Tour A adivinha

“Neal Ascherson (1983) relata que Klaus Barbie, o chefe da Gestapo de Lyon que torturou Jean Moulin até à morte, disse, uma vez, numa entrevista: Quando interroguei o Jean Moulin, senti que ele era eu próprio.

Arno Gruen A Traição do eu

O relato é usado pelo autor, para comprovar como é possível possuir a capacidade de reconhecer a humanidade do outro e mesmo assim ser cruel até o matar.
Se nos confunde, o certo é que  o chefe da Gestapo evidenciava uma componente da inteligência emocional – identificou emoções em si e em Jean Moulin. Não sabemos se poderia ser considerado emocionalmente inteligente, pela posse de um conjunto de outras capacidades, tais como: compreender as causas das emoções e as suas consequências para o pensamento e comportamento; rotular emoções com vocabulário sofisticado; expressar emoções de forma socialmente apropriada; e regular as emoções de forma eficaz.
Podemos sintetizar que a inteligência emocional dá-nos competências sócio emocionais de que tanto se fala na modernidade, só que as mesmas podem ser utilizadas para o mal - o lado negro da inteligência emocional-, para a manipulação do outro. Esta é uma ideia que tendemos a rejeitar, por estarmos submersos pela valorização daquelas capacidades adaptativas que sustentam variadíssimos projetos sociais e educacionais. 
Se julgamos que não podem coabitar na mesma pessoa as qualidades citadas ao serviço do mal, pensemos nos líderes carismáticos e nos seus desgovernos, ou nos grandes burlões que iludem magistralmente as pessoas. O que lhes falta, de fato, não é a inteligência emocional, é esta ser entroncada com a moral, com os valores positivos, apoiados na capacidade de doer no próprio, quando inflige sofrimento a outro. A inteligência emocional não é mais importante que a moral.
Ao simplificar, bastaria a educação moral e o auto-conhecimento, em nós, para deixarmos o mundo melhor.

Aos os interessados no tema, vale a pena investigar se tudo depende de se considerar a inteligência emocional como dimensão interpessoal ou como traço de caráter.


Ler: "Emotional intelligence is important, but the unbridled enthusiasm has obscured a dark side." de Adam Grant, aqui.


Vale também a pena ler "Does IQ Beat EQ? Wrong question" de Jushua Freedmanaqui.

Analisando a importância da empatia sob outra perspetiva, no site  Fronteiras do Pensamento leia o artigo Colocar-se no lugar de bilhões de estranhos? O problema da empatia como solução para a humanidade”, do qual transcrevo: 

"Ainda, Bloom ( o psicólogo canadense Paul Bloom) argumenta ser impossível desenvolver empatia por sete bilhões de estranhos no planeta, refutando a ideia de que precisamos ver a humanidade como uma família. Para ele, o que devemos fazer é ensinar o valor universal da vida, seguindo a linha de Steven Pinker, que defende que faculdades mentais mais complexas - como razão e justiça - são mais eficazes como um guia para o futuro. (…) Onde a empatia realmente importa é nos nossos relacionamentos pessoais.(...) Empatia apenas nos trai quando a levamos como um guia moral."



Para uma ciência neuronal orientada psicanaliticamente

“Não é fácil lidar cientificamente com sentimentos” 
Sigmund Freud, O mal-estar na civilização


Para uma melhor compreensão da evolução da investigação da psiquiatria psicanalítica, o artigo de Eric R. Kandel, Um novo referencial intelectual para a psiquiatria (aqui) - Suplemento da Revista Digital AdVerbum 3 (1) Jan a Jul 2008: pp. 86-106.