sábado, 30 de abril de 2011

Não é só o Dexter que pode ter um código!



“Assim, por exemplo, um pai que na chegada do filho do colégio e ao ver as qualificações do filho repara e põe ênfase nas poucas matérias em que aquele não alcançou o grau máximo, está transmitindo ao filho uma regra segundo a qual a observação concentra-se no que falta para alcançar a perfeição. Mais ainda, se sua atitude é a frustração aberta ou encoberta, com rejeição do filho, brinda-o como código para uma futura identificação que, se não é o máximo, então não vale nada.”
Hugo Bleichemar O Narcisismo Artes Médicas

É por demais conhecido, através das terapias cognitivas, que os nossos pensamentos determinam a relação que temos connosco e com a realidade. Mas nunca é demais estarmos alerta para esses esquemas mentais que nos podem criar infelicidade.
Como no exemplo acima, o modo como o pai aborda as qualificações escolares, pode ser interiorizado pela criança como uma regra para a vida: não valer nada se não for o máximo, caso contrário, arrisca-se a perder o amor do outro, ou perder algo essencial. O que começou por um comentário do pai, pode-se converter numa característica de identidade: "eu tenho de ser o máximo, senão não valo nada".

Cada um de nós, vai assim adquirindo, através das nossas experiencias pessoais,  um número finito (não infinito) de regras. Por exemplo, há famílias em que se toma por referencia o mérito ou os defeitos dos outros, e os comentários que se fazem encaixam nestes códigos. Mas não são só pensamentos ou frases. E, é esta a verdadeira questão, regem a nossa identidade - enunciação identificatória - que está presente na relação do indivíduo consigo próprio e com os outros.
O exemplo seguinte, pode ser ilustrativo. Uma pessoa diz para outra: “Por que não me compras-te o livro que te pedi”. Esta pergunta, encaixa numa regra que o individuo possui: “ Tu  és mau, ou irresponsável, ou injusto”, que é uma característica de personalidade que  interiorizou.
A pergunta poderá assim, ser sentida como um ataque pessoal e suscitar uma reacção desproporcionada. Para quem usa este código, o diálogo que começou com um livro, termina num discurso sobre se sentir incapaz como pessoa. Para chegar aqui, este indivíduo ao ouvir a pergunta, situa a mensagem no campo do amor-próprio, desqualifica-se, e a partir de um dado (esqueceu a compra do livro), atribui uma identidade: sou mau, irresponsável ou injusto. Ou quem sabe, poderá até pensar: qualquer coisa que faço mostra a minha incapacidade.
Não é só o Dexter que pode ter um código (fatal)!

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Não sou eu...é o outro

de David Parkins

Aqui está uma explicação do mecanismo de defesa projecção que é utilizado quando o indivíduo não consegue suportar as suas frustrações…e descarrega-as em cima de outra pessoa. Porque assim, se torna mais fácil ver no outro as coisas más, do que em si próprio.
Sim Sr. Ward, foi libertador lê-lo: “põe a sua merda nas outras pessoas”, porque é disso que se trata.

Ivan Ward é director de educação no Museu Freud, e descreve assim a projecção:
…as partes agressivas, ávidas, sujas e perseguidas que o si-próprio não quer ter como suas são projectadas nas outras pessoas….Em termos coloquiais, diríamos que a mulher em causa “põe a sua merda nas outras pessoas”. Juízo que os psicanalistas assumem num sentido quase literal.
Ivan Ward Fobia Almedina

domingo, 24 de abril de 2011

Medo de ser abandonada

Do filme Os Pássaros (The Birds) de Hitchcock.

Melanie e Annie, a professora local e ex-namorada de Mitch, discutem a pessoa da mãe deste último, Lydia:

ANNIE: sabe uma coisa? A atitude dela quase me fez enlouquecer. Eu não podia pura e simplesmente compreender. Quando voltei para São Francisco, passei dias a tentar imaginar o que poderia ter feito para lhe desagradar.

MELANIE: E o que era?
ANNIE: Nada! Ou então o simples facto de eu existir.
Qual é então a resposta? Que ela é uma mulher ciumenta, certo? Uma mãe desesperadamente possessiva. (abana a cabeça.) Mas não. Apesar de todo o respeito devido ao Édipo, não penso que seja esse o caso.

MELANIE: É o quê, então?
ANNIE: A Lydia gostava de mim, está a perceber? Isso era o mais estranho de tudo. Mas a verdade é que, agora que deixei de ser uma ameaça para ela, passamos a ser duas boas amigas.

MELANIE: Então por que é que ela se oponha?
ANNIE: Porque tinha medo.

MELAINIE: De que você lhe levasse o Mitch?
ANNIE: Não, não penso que fosse isso. Ela não tem medo de perder o filho, percebe? Só tem medo de ser abandonada.
Ivan Ward Fobia Almedina


Nós humanos somos assim, temos medo de sermos abandonados pelas pessoas que amamos. Expressamo-lo de diversas formas e as mais destrutivas são aquelas que, pelo medo da perda, agredimos quem amamos e arriscamo-nos de facto a sermos abandonados.




sexta-feira, 22 de abril de 2011

Uma orgulhosa mãe


Imperador Guilherme II


“Em suas Novas conferências Introdutórias, Freud censurou o escritor Emil Ludwig – ainda que sem mencionar o nome. Em uma das novelas biográficas (1926) que constituíam sua especialidade, Ludwing interpretou a personalidade do Imperador Guilherme II de conformidade com as teorias de Alfred Adler. Ele atribui a presteza com que o Hohenzoller se sentiu ofendido e partiu para a guerra como reacções a um sentimento de inferioridade dos órgãos. O Imperador nascera com um braço atrofiado. O membro defeituoso tornou-se uma ferida que ficou sensível através de toda a sua vida e resultou na formação do carácter que, segundo Ludwig, foi um dos importantes factores que levaram à eclosão da Primeira Guerra Mundial.
Não é isso! Disse Freud. Não foi a lesão congénita em si que resultou na sensibilidade do Imperador Guilherme às feridas narcísicas, mas sim a rejeição que sofrera por parte da sua orgulhosa mãe, que não conseguiu aceitar a criança imperfeita.”
Heinz Kohut, Self e Narcisismo, Zahar Editores


Emil Ludwig não gostou desta critica que Freud lhe fez, e mais tarde, num acesso de fúria narcísica, na bibliografia que escreveu sobre o pai da psicanálise, infringiu-lhe um ataque vulgar - “mesmo os que se opunham à psicanálise e a Freud consideraram um embaraço a vulgaridade do ataque de Ludwig e dele se descartaram”. (Kohut).



quarta-feira, 20 de abril de 2011

Por que será que só queremos perseguir aquelas que fogem?”


“Por que será que só queremos perseguir aquelas que fogem?” interroga-se o Visconde de Valmont no filme Ligações Perigosas.

“É a mesma relação que ocorre entre o caçador e a sua presa, na qual essa é um objecto da actividade narcisista, surgindo o prazer pelo facto de que na actividade da caça pode se representar como astuto e hábil”
Hugo Bleichmar, O Narcisismo, Artes Médicas

Para o Visconde de Valmont, a excitação de perseguir uma dama que não se deixa facilmente conquistar, arrebata-o do vazio dos dias e satisfaz o seu amor-próprio. A sua ideia de poder sobre o outro. E assim, como todos os D. Juans, o Visconde apaixona-se perdidamente por uma e outra, sem nunca se deixar possuir.
É um artifício de sobrevivência que permite  prolongar a esperança de encontrar a satisfação na próxima actividade de caça. Na verdade, é um amor por ele próprio. Se a dama se entrega, deixa de interessar.
Perseguir aquela que foge, também lhe permite situar a causa do desprazer em algo externo, fora da consciência - a dama afinal, era uma desilusão - conclui.
Não tendo acesso à real causa da sua insatisfação, o Visconde de Valmont parece não compreender o vazio que sente após satisfeita a conquista.
Urge começar tudo de novo: perseguir uma outra que foge.


domingo, 17 de abril de 2011

Estratégias da inveja

J. Bret, Glaciar de Rosenlaui (detalhe)

A inveja – a avidez em possuir o que o outro tem de desejável - que é uma forma de ódio a essa pessoa, tem as suas estratégias em se fazer revelar. Mas sendo um sentimento não admitido, manifesta-se de um modo disfarçado.
As estratégias da inveja são:

- A idealização: não confundir com o reconhecimento das qualidades do outro ou da qualidade da sua obra, mas sim com a recusa em admitir o mau ou o “menos bom”. É a tendência a criar um mundo perfeito. A idealização pode ser uma defesa efectiva contra a inveja, pois coloca fora da esfera da competição para que a pessoa não precise invejar o outro ou os bens que ele possui.

- A desvalorização do outro: funciona também como um modo disfarçado de invejar – se o outro não vale nada eu não o posso invejar (mas invejo).

- A desvalorização de si mesmo: quem utiliza este mecanismo desvaloriza as suas próprias qualidades. A inveja experimentada relativamente àqueles que estão na sua origem, isto é os pais, é negada.

- A activação da inveja nos outros: invertendo a situação intolerável para si mesmo, isto é fazer-se invejar (por posses, status, poder….).

- A repressão dos sentimentos de amor e a intensificação do ódio. Se “não se pode ver alguém” pode-se, odiando esse alguém, ignorar a própria inveja.

- O estabelecimento de laços de cumplicidade: para se viver através do outro, numa confusão de quem é quem.

A inveja foi ultrapassada nas pessoas genuinamente generosas,  que reconhecem e deslumbram-se pelas qualidades e feitos dos outros. Um desafio para as personalidades narcísicas.

Elaborado com base em: Nicole Jeammet, O ódio necessário, Editorial Estampa.


quinta-feira, 14 de abril de 2011

Dirty Mistress - O que leva a que a ciumenta destine toda a sua raiva numa rival

Jack Vettriano, The Set up

“A maldade e a destrutividade passam a ser vistas no rival; ele é condenado, e contra ele pode ser dirigido o ódio sem implicar o sentimento de culpa”.
Melaine Klein e Joan Riviere, Amor Ódio e Reparação, Imago Editora

O que leva a que a ciumenta destine toda a sua raiva numa rival (real ou fantasiada), e poupe a pessoa que ama? O mesmo para o ciumento.
A torturante amargura do ciúme faz-nos odiar quem amamos. Sentimo-nos preocupadas e culpadas que a nossa agressividade possa destruir o outro e a relação. 
“Transferir” a maldade e destrutividade para uma rival, é uma maneira de atenuar esta tortura, e pouparmos do nosso ódio, a pessoa que amamos.
 Ao condenarmos uma amante, podemos assim descarregar todos esses sentimentos nela. Sem culpas, por isso.
 Este mecanismo projecção, permite ao odiar a outra, não lidar também com a dúvida sobre nós próprias, que talvez não sejamos dignas de sermos amadas.



quarta-feira, 13 de abril de 2011


“A grande questão…para a qual ainda não consegui resposta, apesar dos meus 30 anos de investigação sobre a mente feminina, é: O que quer uma mulher?"  Freud


Mulher com papagaio (detalhe), Gustave Courbet

segunda-feira, 11 de abril de 2011

'Amo-te Teresa!' ...mas a Teresa nunca entende

O psicólogo Eduardo Sá, dá uma entrevista sob o título A primeira função de um pai é ser mãe, ao Ensino Privado. Eis um pequeno extracto:

Pergunta: O pai, por exemplo na Branca de Neve ou na Cinderela, adora a filha, mas é enganado pela nova mulher, que consegue sempre dar-lhe a volta. Os homens são assim tão manipuláveis?

Eduardo Sá: Os homens são, regra geral, excelentes pessoas. Mas levam a vida toda a fazer de filhos mais velhos das mulheres e, como os slogans na política, depois de se repetir, muitas vezes, que mal se ajeitam a estrelar um ovo, quando se trata de mudar uma fralda é o que se sabe. O mundo sempre jogou à italiana: as mulheres foram dando o meio campo ao pai e, regra geral, iam ganhando os campeonatos em contra-ataque. Para cúmulo, os homens foram ensinados a não chorar e a supor que aguentar os sentimentos seria um sinal de virilidade. Por isso mesmo hoje, quando se trata de dizerem 'Amo-te Teresa!', a Teresa nunca entende. Sofrem de iliteracia emocional. Sentem mas fintam as palavras. E o resultado é que, embora tenham coração e lágrimas, são... uns meninos.

Entrevista na integra, aqui.

domingo, 10 de abril de 2011

Não nos gostamos de ver ao espelho?

Há muito tempo que tenho poucas dúvidas de que somos um país pouco desenvolvido, com problemas sérios de crescimento e que esse subdesenvolvimento se manifesta um pouco por todo o lado, numa forma especialmente estreita de pobreza de pensamento e de acção, que depois impregna tudo, da cultura à política, da economia ao quotidiano. Não nos gostamos de ver ao espelho? Pelo contrário, gostamos imenso, só que o espelho é o da nossa imaginação.
José Pacheco Pereira, Historiador e deputado do PSD, Vergonha, Jornal Publico de 9 de Abril de 2011

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Não ter voz

“ ..mas aí onde a perversidade se instala é justamente quando essa verdade é denunciada sem que se possam colocar dúvidas, dado que o outro não nos deixa margem de manobra, recusando-nos um espaço e um outro tempo, os da reparação entre ele e nós”.
Nicole Jeammet, O Ódio Necessário, Editorial Estampa

Há violências que só se fazem com recurso a verdades. Palavras que correspondem a verdades. Mas reveladas pelo outro, não deixam de ser crueldades porque não nos levaram em consideração ou seja, quem as praticou não revelou capacidade de se colocar no nosso lugar.
Se nos parecer difícil identificarmos este tipo de situações, pensemos por exemplo, nos casos em que um diagnóstico médico é comunicado, despojado de compaixão pelo paciente.
A perversidade instala-se quando, dita ou apresentada a verdade, não nos é facultado espaço nem tempo para repor a esperança ou reparar os ressentimentos e frustrações do passado.
Este trabalho de reparação é fundamental nos relacionamentos humanos. Não se faz nos casos em que deliberadamente não se respeita a palavra do outro, o seu lugar e o seu desejo.
A agressão surge pela impossibilidade de termos voz, de transformarmos em bons os danos que causamos, ou que de algum modo julgamos que causamos. Da necessidade não satisfeita de sermos compreendidos e vistos como dignos de valor.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Fernando Pessoa sobre Freud

Fernando Pessoa: “Freud é um homem de génio, criador de um critério psicológico original e atraente…” mas lamenta que  “…esse critério se tenha tornado nele uma franca paranóia de tipo interpretativo.”

Celeste Malpique Fernando em Pessoa Fenda

Fernando Pessoa refere-se à teoria da sexualidade de Freud.
Buganvilia de uma rua do Funchal.


Instantes - Um poema de José Ribeiro Marto na voz de José-António Moreira ( Sons da Escrita )
José Ribeiro Marto é autor do blogue Vá Andando.

sábado, 2 de abril de 2011

A amante

Jack Vettriano, Ship of Dreams


É o caso de “recolher muitos ovos em cestas diferentes”; diminui o perigo de frustração e insucesso, e o risco da voracidade ou da crueldade de cada um vir a desgastar ou a destruir a coisa boa a que se tem apreço ou a pessoa amada …”.
Melanie Klein e Joan Riviere, Amor Ódio e Reparação, Imago Editora

O que podem ter em comum aquelas pessoas que têm uma vida social intensa, e as pessoas que conservam uma amante ou um amante durante tempos e tempos, sem vontade de definir a situação?
Estes dois tipos de pessoas, as populares e as infiéis, se podemos assim as chamar, têm em comum inúmeras estratégias relacionais que permitem manter a fantasia que podem ter tudo o que desejam, sem que, ao desagradar, destruam quem têm apreço ou quem amam.
Ao não se entregarem a ninguém totalmente, salvaguardam ainda, a necessidade de perante si próprias, se julgarem boas pessoas, porque, ao colocarem os ovos em cestas diferentes, os estragos serão menores para si e para os outros.
Com este funcionamento, também tiram o benefício de, se alguma pessoa lhes faltar, poderem procurar consolo em outra.
Poderá esta explicação, contribuir para justificar a utilidade de um amante ou de uma amante, na vida de um homem ou de uma mulher.