domingo, 30 de junho de 2013

A intimidade


Rubens Portrait of wife, son and self (detalhe)

“ A intimidade impõe o abandono da couraça que protege o nosso núcleo mais intimo, sede do pudor e da vergonha: quanto mais partilhada mais o outro tem livre acesso às nossas coisas secretas. Mas só a tolerância e uma grande estima de nós próprios nos levam a viver este despirmo-nos como uma oportunidade e não como uma ameaça. Quem pensa que deve esconder as partes de si mesmo que mantém inconfessáveis, inevitavelmente vive a intimidade como um risco”
Willy Pasini Intimidade, O outro lado da afetividade Difusão Cultural
Na ordem do desejo que nos liberta das habituais fronteiras entre o corpo e o espirito. Entre nós e o outro. Partículas de energia, numa dança, ao ritmo de termos sido capazes de nos colocarmos na sua pele sem nos perdermos, e disponíveis para o deixar entrar, sem medo de sermos devorados por ele. Alheados da fórmula que permitiu que o milagre tivesse lugar, não nos contentamos com o conforto do inolvidável encontro. Surge a ideia insana que pode não se repetir, e a urgência de o reviver.
Ideia chave: são necessários dois processos psicológicos para que a intimidade seja possível – a identificação projetiva e introjetiva - empatia e ressonância afetiva.

O outro lado da espiritualidade

Dali Ascension

Muitos pacientes que já passaram por este começo dizem-me: ”Não sou muito religioso. Não vou à igreja. Já não acredito em muita coisa que a igreja e os meus pais me disseram. Não tenho a fé dos meus pais. Acho que não sou muito espiritual.” É muitas vezes um choque para eles quando questiono a realidade do pressuposto de que não são seres espirituais. “Você tem uma religião,” poderei dizer-lhes, “ bastante profunda. Venera a verdade. Acredita que pode evoluir e melhorar: a possibilidade de progresso espiritual. Com a força da sua religião, está disposto a sofrer as dores do desafio e as agonias de desaprender. Assume o risco da terapia, e fá-lo pela sua religião. Não me parece nada realista dizer que é menos espiritual do que os seus pais; pelo contrário, suspeito que a realidade é que evoluiu espiritualmente mais do que os seus pais, que a sua espiritualidade é consideravelmente mais avançada do que a deles, que é insuficiente para que tenham coragem sequer para questionar.
M. Scott Peck O caminho menos percorrido Sinais de fogo
Habitualmente considera-se que este caminho nos afasta da dimensão espiritual. Uma educação com base na submissão, pode ter contribuído para aceitarmos esta crença, sem a questionarmos.
Se nos levar na direção da humildade, chegaremos ao lugar onde habita toda a religiosidade.

sábado, 22 de junho de 2013

Paradoxo da inocência

G L Bernini (detalhe)

“Como a maior parte de nós foi dotado de uma sensação de horror quase instintiva perante a exorbitância do mal, quando reconhecemos a sua presença, a nossa própria personalidade é afinada pela consciência da sua existência. A nossa consciência do mal é um sinal para nos purificarmos. Foi o mal que, por exemplo, levou Cristo à cruz, permitindo-nos vê-lo à distância. O nosso envolvimento pessoal na luta contra o mal no mundo, é uma das formas como evoluímos.”
M. Scott Peck O Caminho menos percorrido Sinais de fogo.
É uma armadilha não querer ver o mal, o julgar que, se todos mantivéssemos dentro dos nossos corações a inocência, o mundo seria melhor.
Porque o mal é real. Está nas pessoas e “instituições que reagem com ódio na presença da bondade e destroem o Bem na medida em que puderem”, através das suas atitudes e políticas injustas.

As pessoas que o olham de frente, apercebem-se da escuridão que o mal nas suas diversas expressões, pode trazer às suas vidas e à das outras pessoas, e acabam por, ao ter consciência da sua presença, distinguir o certo do errado e assim celebrar a luz, que é o amor, alcançável e perfeito nas suas imperfeições.
Confissão de indiferença e resignação, é a sombra, que é também escuridão, e não previne uma merecida existência, por se colocar à mercê do mal.
Parece que é a lição aprendida pela voz das ruas, no Brasil e em outros países, através da apresentação, em paz, de propostas políticas concretas.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Show time


Eugenio de Blaas

“A sociedade baseia-se na confiança e nós costumamos prestar mais atenção ao que os outros dizem do que o seu comportamento não verbal – gestos das mãos, movimentos faciais, sorrisos, contato pelo olhar. Porém, quando o falante é atraente e tem um desempenho não verbal realmente impressionante, o efeito pode ser o contrário, assistimos ao espetáculo e damos pouca atenção ao que é dito”
Robert D. Hare Sem consciência O mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós Artmed
Interessante e perturbador.
Deveríamos dar atenção ao que o outro diz, mas sobretudo ao modo como encadeia as palavras e as associações que faz, e não tanto aos gestos, entoações  e  demais manifestações não-verbais. É exemplo de associação desconexa, na sua manifestação extrema: “O mais insuportável é saber que matei a pessoa que mais amava — a pessoa que mais amo.” (comentário  real de um caso de violência contra a namorada).
Para o bem e para o mal, esta competência é antinatural, ou seja, sermos críticos com a pessoa por quem estamos interessados. 
O que acontece é não detetarmos de imediato, com rigor, a natureza das mensagens, que nos pudesse ajudar a alumiar um pouco mais de perto, no outro, a verdade do sentimento humano.
Recentemente prestei mais atenção a este aspeto da comunicação, ao ouvir uma adolescente falar dos dois rapazes com quem estava a sair.
Sobre um dos rapazes, que só enfado lhe causava, era extramente crítica acerca do que ele dizia, cruel até. De nada valia mostrar interesse pelas coisas da vida dela – como vai a escola? Eram exatamente os assuntos terrenos que ela queria esquecer.
O outro rapaz levava-a para a leveza das nuvens onde se deu por perdida. Nem passados três dias, o tempo que durou o namoro, o efeito hipnótico passou, e o parelho mental mostrou-se eficiente para analisar este tipo de discurso que teve com ele:
Ela: “Gostas de mim?”
Ele: “Estás triste? Eu deveria morrer só por te pôr triste”
Hábil. O quanto uma abstração pode ser útil para pular fora!

domingo, 9 de junho de 2013

Tara Brach – Compaixão



 
"The warmth of compassion"




Tara Brach é psicoterapeuta, budista. Pratica e orienta grupos de meditação.  Aceder em  http://imcw.org/
Sobre  o seu mais recente livro True Refuse, a entrevista:
E o artigo no Washington Post,  aqui 


O diabo, possessões demoníacas e exorcismos


 
Artigo de Anselmo Borges* ao Diário de Notícias de 8.6.13, com o título O diabo, possessões demoníacas e exorcismos:
 
"O Papa Francisco terá alegadamente realizado um exorcismo num mexicano. O porta-voz do Vaticano apressou-se a desmentir. Mas o célebre exorcista Gabriele Amorth, a caminho dos 90 anos e que diz já ter feito mais de 70 mil exorcismos, não duvida de que "o Papa fez mesmo um exorcismo". Por mim, confesso que estou plenamente convencido de que Francisco não o fez: apenas tentou ajudar aquela pessoa doente, impondo-lhe as mãos e rezando.
Diabo é, etimologicamente, o contrário de símbolo: enquanto diabállo, em grego, significa desunir, enganar, symboléo quer dizer encontrar-se com, reunir. O simbólico une; o diabólico desune.
O diabo é uma figura com muitos nomes, embora o seu sentido não seja exactamente idêntico: satã, demónio, satanás, belzebu, lúcifer, mafarrico, maligno... Aqui, serão usados indistintamente.
Seja como for, o decisivo é que o diabo aparece no contexto do sofrimento, da maldade, enfim, do mal. Como se explica tanto mal e sofrimento no mundo? Uma vez que Deus não pode ser a causa do mal, pois é infinitamente bom, supõe-se que o diabo poderia ser uma boa explicação. Ele tentou e tenta o ser humano, que cai na tentação e provoca o mal. Mas já o filósofo Kant colocou na boca de um catequizando iroquês esta pergunta: Por que é que Deus não acabou com o diabo? E sobretudo: quem é que tentou os anjos, para que, de bons, se transformassem em anjos caídos e maus, demónios?
Para explicar o mal, contrapor o diabo a Deus, como se fosse uma espécie de anti-Deus, no quadro de um dualismo maniqueu, não passa de uma explicação aparente e, sobretudo, é uma contradição.
Se é certo que Jesus, nos Evangelhos, aparece expulsando demónios, isso deve ser compreendido no contexto das crenças da altura. Hoje, sabemos que se tratava de doenças do foro psiquiátrico ou de pessoas com ataques epilépticos ou sofrendo de histeria. De qualquer forma, Jesus anunciou Deus e não satanás, e, felizmente, o diabo não faz parte do Credo cristão. O núcleo da mensagem de Jesus foi o Reino de Deus, e o Reino de Deus consiste na salvação total e plena do ser humano. Neste contexto, o diabo pode aparecer apenas como um símbolo personificado de todo o mal que ainda aflige o homem, mas a que Deus há-de pôr termo, segundo a promessa de Jesus. O diabo é a expressão personificada do que não é o Reino de Deus. Precisamente para realçar mais e melhor o que constitui o centro da mensagem de Jesus enquanto notícia boa e felicitante: o futuro do Reino de Deus.
O diabo não pode, pois, ser apresentado como uma espécie de concorrente de Deus. E não tem sentido continuar a pensar e a pregar que ele se mete nas pessoas, para tomar conta delas através das possessões diabólicas. Não há possessos demoníacos. Apenas há doenças e doentes de muitas espécies e com múltiplas origens e com imenso sofrimento, a que é preciso pôr fim, na medida do possível e, pelo menos, aliviar. Os rituais de exorcismos não têm justificação.
Se Jesus não pregou satanás, mas Deus, então a fé do cristão dirige-se a Deus e não ao diabo, o que inclui na prática a urgência de expulsar da vida pessoal e pública tudo o que é demoníaco e diabólico.
Já em 1969, Herbert Haag, um dos maiores exegetas do século XX, que conheci bem, se despedia da crença na existência pessoal do diabo, na obra Abschied vom Teufel (Adeus ao diabo). H. Bietenhard também escreveu: "A pregação cristã não deve especular sobre a origem e a essência ou o ser de Satanás - a Bíblia também não o faz: as pregações sobre o diabo e sobre o inferno, quando não fomentam a necessidade de emoções de pessoas pseudopiedosas e a excitação dos seus nervos, só servem para difundir a insegurança, a angústia e o medo. Essas pregações, em vez de libertar, colocam fardos aos ombros das pessoas."
Como diz o teólogo José M. Castillo, a Igreja, em vez da preocupação com o número de exorcistas para os demónios inexistentes, deve preocupar-se com os outros demónios, os que na realidade existem, que andam por aí à solta e são responsáveis por imensos sofrimentos de milhões de pessoas."
*Currículo de Anselmo Borges
Padre da Sociedade Missionária Portuguesa. Estudou Teologia (Universidade Gregoriana, Roma), Ciências Sociais (École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris) e Filosofia (Universidade de Coimbra). Lecionou Filosofia e Teologia na Universidade Católica Portuguesa e no Seminário Maior de Maputo, Moçambique. É docente de Filosofia (Antropologia Filosófica, Filosofia da Religião, Ética, Mulheres e Religiões) na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Algumas das suas publicações: Marx ou Cristo?; Janela do (In)visível; Religião: Opressão ou Libertação?; Morte e Esperança; Corpo e Transcendência; Deus no século XXI e o futuro do cristianismo (coord.); Janela do (In)finito; Deus e o sentido da existência; Religião e Diálogo Inter-Religioso (esta última editada em 2010 pela Imprensa da Universidade de Coimbra). É colunista do “Diário de Notícias” sobre temas de religião.
 
 
 

terça-feira, 4 de junho de 2013

Sem consciência - AS MÁSCARAS


Remedios Varos

" A parte oculta deste iceberg pode ser encontrada praticamente em qualquer parte, no trabalho, em casa, nas diversas profissões, no exército, nas artes, na indústria do entretenimento, nos meios de comunicação, na academia e no mundo do colarinho branco. Diariamente, milhões de homens, mulheres e crianças passam por momentos de terror, ansiedade, dor e humilhação nas mãos dos psicopatas existentes em suas vidas.
É trágico como essas vítimas, com frequência, não conseguem fazer os outros entenderem o que elas estão passando. Os psicopatas são especialistas na arte de provocar uma boa impressão de acordo com a sua conveniência e costumam pintar as vítimas como verdadeiros vilões. Uma mulher, terceira esposa de um professor de 40 anos de idade, disse-me recentemente: “Durante cinco anos, ele me traiu, me apavorou, falsificou cheques da minha conta bancária. Mas todo o mundo, inclusive meu médico, meu advogado e meus amigos, colocavam a culpa em mim. Ele conseguiu convencer a todos de que era um homem bom e honesto e de que eu estava ficando louca. Fez isso tão bem que eu mesma cheguei a acreditar. Mesmo depois que ele limpou a minha conta no banco e fugiu com uma aluna de 17 anos de idade, muita gente não conseguia acreditar; alguns queriam saber o que eu tinha feito para que ele agisse de modo tão estranho.
Robert D. Hare Sem consciência. O mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós Artmed

Um traço do psicopata: para umas pessoas "é uma coisa uns e outra para outros ", ou seja, representam personagens conforme lhes convém. E quando essas pessoas falam acerca desse individuo (psicopata), não parece que estão a falar da mesma pessoa. Em consequencia, se eventualmente se queixam dele, são facilmente desaxreditadas.
Embora pareça que não há escapatória possível a estas experiências indiscritíveis e humilhantes, sendo verdade que algumas estão para além do controle das vítimas, o psicólogo Robert D. Hare, deixa no seu livro, alguns conselhos apresentados aqui de modo muito sucinto: Procurar aconselhamento profissional; Não se culpar, nem pelas suas atitudes nem pelas atitudes do outro, que impôs as regras; Não se sentir sozinha, se tiver coragem de indagar, descobrirá um ninho de ratos nas palavras do psicólogo, ou seja, outras vítimas do mesmo individuo, que passaram ou passam por situações semelhantes, de abuso emocional, despojadas de seus bens, e da estima por elas próprias que é a maior riqueza que podem ter.

E por último, a melhor defesa:

"Conheça-se a si próprio. Os psicopatas são hábeis em detetar e em explorar cruelmente os pontos fracos da outra pessoa; conseguem descobrir os botões que devem apertar. A melhor defesa é entender os pontos fracos e ser extremamente cauteloso com qualquer um que concentre a atenção em si próprio. Julgue essas pessoas de um modo mais crítico do que você faria com outras menos interessadas em suas vulnerabilidades ou menos atentas a elas."

E não esquecer que os move, o desprezo e a dissimulação (ocultadas pela sedução...)
As palavras do Dr Robert Hare: http://www.youtube.com/watch?v=t4d4euAOq7s.

domingo, 2 de junho de 2013


Porto Moniz, Piscinas Naturais - foto tirada possivelmente nos anos 50

“O desejo de visitar lugares de infância responde à fantasia inconsciente de verificar que não houve alterações, e ao mesmo tempo que corresponde ao desejo de recuperar esse passado.”
León Grinberg Culpa e Depressão Climepsi

Não sei se será o desejo de recuperar o passado. É a necessidade legítima de estabilidade, na nossa identidade pessoal e na identidade dos lugares, em particular da terra que amamos.