Texto sobre as duas dimensões da vida psíquica do homem: a busca do prazer e a luta pela adaptação à realidade, embora esta dicotomia não faça sentido, porque os nossos impulsos, desejos íntimos, não devem ser reprimidos ou sublimados com vista à integração e aceitação social. O desejável, será a sua coexistência harmoniosa em nós, e para o bem de todos. É exemplo modernamente citado, o executivo que dispõe de tempo para uma outra atividade bem distinta.
Para quem não se permite a coabitação dos diferentes territórios da personalidade, a vida pode ser bem infeliz, apesar de produtiva, como foi para Tolstoi:
" (…) minha afirmação é simplesmente de que a presença de desarmonia e conflito entre os dois territórios da personalidade pode não sufocar a produtividade de um indivíduo dotado; que essa desarmonia talvez possa servir de estímulo para respostas criativas - ainda que a disputa entre os dois territórios permaneça sem solução por toda uma (infeliz) vida.
A vida de Tolstoi foi uma luta sem fim entre o Homem Culpado trabalhador que buscava o prazer e o Homem Trágico criativo que buscava a auto-expressão. Finalmente o Homem Tágico predominou durante períodos suficientemente longos para que ele criasse novelas que, como todas as grandes obras de literatura, revitalizam todos aqueles que se deixam atingir por elas. As profundas reverberações dos nossos selves nucleares, à medida que participamos da obra dos grandes romancistas ou dramaturgos, intensificam nossas reacções ao mundo e com isso fazem crescer a nossa autoconsciência. As obras dos grandes romancistas e dramaturgos conferem-nos a capacidade de experimentar mais plenamente nossa existência, de participar mais profundamente do ciclo eterno de vida e morte. Mas também havia outro Tolstoi que pode ser claramente percebido a partir dos dados biográficos e de alguns dos seus escritos (menores). Esse é não somente o Tolstoi jogador, bebedor e galanteador, mas também ao contrário, o homem Tolstoi cheio de aversão às mulheres, carregado de culpas, com a necessidade de expiar, de mortificar a carne. Quando predominava o Tolstoi criador, o imenso talento de escritor era aproveitado na tarefa de lançar um vasto projecto que havia sido elaborado pelo seu vulcânico self criativo. A maior parte do panorama não-moralista do mundo contido em Guerra e Paz é certamente a manifestação máxima do Tolstoi Trágico, profundamente sintonizado com o drama da existência humana, apesar do fato de mesmo essa obra-prima conter algumas passagem e alguns capítulos que são verdadeiros sermões – manifestação do Homem Culpado. “
Heinz Kohut Self e narcisismo Zahar Editores
Imagem retirada da Wikipédia
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