Diálogo do filme Hiroshima mon amour: "Já o esqueci. Veja como o esqueci !"
Julga-se que se sabe. E, afinal, não se sabe nada. Nunca.
Esperava-te com uma paciência sem limites, calma. Devora-me. Deforma-me à tua imagem, a fim de que nenhum outro, depois de ti, compreenda a razão de tanto desejo.
Vamos ficar sós, meu amor.
A noite acabará.
O dia não voltará a romper para ninguém.
Jamais. Nunca mais. Por fim.
Matas-me.
Fazes-me bem.
Hiroshima Meu Amor, Marguerite Duras
Hiroshima mon amour, filme francês dirigido por Alain Renais com argumento de Marguerite Duras, que
passou na sexta – feira na RTP2, é analisado na perspetiva do luto, por Leon
Grinberg*, com base na teoria psicanalítica.
Do longo, minucioso e fundamentado texto, ficam aqui breves enxertos que só uma leitura integrar do mesmo, permitiria a plena
compreensão do pensamento do autor:
“Em Hiroxima, Meu Amor o
mundo apresenta-se com os aspetos mais sombrios e horrorosos. E não é acaso uma
expressão de culpa persecutória, masochista, o que a humanidade sente pelo
grave atentado que fez contra uma parte de si própria… e pelo que pode
continuar a fazer? Mas é justo reconhecer que a obra atrai também o espetador
porque contém, por sua vez, um conteúdo depressivo com uma intenção reparadora.
Neste sentido, a primeira
conquista alcança-se a partir do título: “Hiroxima” sinónimo do destruído,
devastado e que representa o objeto interno e uma parte do Eu aniquilados, é ao
mesmo tempo objeto de amor: “meu amor”:”
Sobre o Luto
“Não é necessário
discriminar qual dos lutos é mais importante ou mais significativo (o da mulher
ou o do japonês). De forma latente representam um só luto, mas com expressões
diferentes.”
Sobre a escolha amorosa
“O que levou esta mulher a
realizar esta escolha de objeto amoroso? Porque escolher precisamente alguém
que simboliza o inimigo, o perseguidor na sua própria cidade? (…) “Noutro
plano, a escola do inimigo, como símbolo, ainda que por detrás se encontre a do
objeto amado, constitui uma escolha masochista que implica, ainda, uma procura
de castigo e autoagressão, como efetivamente acontece.”
Sobre
a ambivalência
"As flutuações entre diferentes encontros e separações mostram o trabalho interno no que respeita à aceitação ou à rejeição do objeto interno e das partes do Eu. (..) A ambivalência face ao
objeto e a uma parte do Eu é expressa pelas duas atitudes opostas:1) ela ama o
alemão, 2) o guerreiro que disparou contra ele e o matou: são os dois aspetos
contidos nela mesma. É esta ambivalência que ela espera receber do objeto e
evidencia-se nas palavras que dirige ao japonês durante a relação amorosa Tu
me tues, tu me fais du bien."
Sobre a reparação
"A seguir intercala-se a sequência em que ela se veste de enfermeira, pois é atriz, e atua na rodagem de um filme sobre a paz. Ou seja, o papel que deve encarnar representa já, simbolicamente, uma atividade reparadora. Mas trata-se ainda de uma ficção, de uma reparação maníaca."
Sobre a reparação
"A seguir intercala-se a sequência em que ela se veste de enfermeira, pois é atriz, e atua na rodagem de um filme sobre a paz. Ou seja, o papel que deve encarnar representa já, simbolicamente, uma atividade reparadora. Mas trata-se ainda de uma ficção, de uma reparação maníaca."
Sobre o luto do japonês
“Há uma particular
insistência do japonês para a convencer a ficar mais tempo com ele. Necessita
dela para utilizar como depósito do trabalho de luto que a ele lhe custa tanto
realizar. Por isso, depois de várias despedidas, procura-a e segue-a pelas ruas”
Sobre a separação do casal
“ Finalmente (ela) entra (no
quarto do hotel) e vai lavar a cara, como querendo lavar a culpa de tudo o que
acaba de reativar-se e atualizar-se no seu interior. Olha-se ao espelho e surge
um monólogo interior, ainda que dirigido ao alemão; é nesse instante que começa
a sua separação dele e do que ele representava, quando já lhe pode falar como
fala com um objeto situado fora de si mesmo; este é um aspeto importante no
trabalho de luto, que consiste em poder desligar-se do objeto, sobretudo na
medida em que o objeto e as partes do Eu contidas nele se sentem perseguidores.
Torna a encontrar-se com o
japonês, o qual lhe repete que fique, mas ela está decidida a partir, porque
agora pode esquecer. (…) Pela primeira vez (o japonês) intromete-se com uma
velha mulher japonesa, que representa o seu objeto original e primitivo: a mãe
e os seus próprios aspetos depositados nela, entre os dois, na sala de espera
da estação, e pela primeira vez fala em japonês. Corresponde à verdadeira
colocação do objeto primitivo, que tinha projetado na francesa.
Na cena final na casa da
mulher é-nos dada a chave que confirma do que foi: 1) uma tentativa projetiva
de colocar o luto no outro; 2) de tomar o outro como símbolo do objeto e das
partes destruídas do Eu, e da cidade atacada; e) de colocar fora o introjetado.”
* Culpa e Depressão Climepsi
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