sexta-feira, 21 de março de 2014

Síndrome da enfermeira

Lorenzo Bartolini Ninfa dello scorpione 1845 (detalhe)

A síndrome da enfermeira ou  de solicitude compulsiva ou de amar de mais:

“ Um padrão de comportamento de ligação relacionado com a autoconfiança compulsiva (aguentar firme e fazer tudo por si mesma) é o de solicitude compulsiva. Uma pessoa que o manifesta pode envolver-se em relações intimas, mas sempre no papel de dispensar cuidados, nunca de os receber. Com frequência o individuo escolhido é um aleijado que poderá, por algum tempo, agradecer os cuidados que lhe dispensam. Mas no caso da solicitude compulsiva, a pessoa esforça-se também por cuidar de quem não procura nem agradece tal ajuda. A experiencia típica da infância de tais pessoas é terem tido uma mãe que, devido à depressão ou algum impedimento, não pôde cuidar da criança mas, em vez disso, aceitou de bom grado ser cuidada, e talvez tenha exigido também ajuda para cuidar de irmãos mais novos. Assim, desde o começo da infância, a pessoa que se desenvolve desse modo descobre que o único vínculo afetivo de que dispõe é um vínculo em que é sempre ela que deve ser solicitada para com os outros e que a única atenção que poderá receber é a atenção que dá a si mesma (as crianças que cresceram em instituições também se desenvolvem, por vezes, deste modo). Tal como na autoconfiança compulsiva, também neste caso existe muito anseio latente de amor e solicitude, e muita raiva latente para com pais por não lhes terem dado amor e atenção; e, uma vez mais, muita ansiedade e culpa em torno da expressão desses desejos. Winnicott (1965) descreveu indivíduos desse tipo como tendo desenvolvido um “falso eu”…”
John Bowlby Formação e rompimento dos laços afetivos Martins Fontes


Um texto clássico para introduzir um outro, presente na vida de hoje: porque há mulheres que se ligam a homens fragilizados, danificados, a quem se entregam ao amor e à dor, e vivem em função deles? 
Reconhecem por vezes que estão erradas ou que a dádiva é imerecida, até que uma nova vaga pulsional as arremessa e as faz juntar as peças todas, sem grandes razões. O eterno desassossego de subverter os sentimentos, e crer que tudo o que de belo existe, está no segredo dessa união, inacessível à força de um olhar.
Estão ali, porque não se sentem inteiras por si mesmas? Estão ali porque precisam participar numa união mais estreita a fim de puderem sentir a sua própria existência? Estão ali pela “ necessidade de se sentirem mais fortes e de ser super-heróis que vão salvar o... e de se reforçarem narcisicamente” (Didier Lauru)? Estão ali, porque essa relação lhes dá uma sensação de superioridade moral?


Continuar a ler o texto   Pourquoi elles aiment les hommes qui vont mal

(O mesmo fenómeno pode ser vivido por homens)

quarta-feira, 12 de março de 2014

O significado da Serpente

Raphael Adão e Eva

“Essas energias não têm nome, nem rosto, nem laços e foram exteriorizadas como tais a fim de o seu poder ser aliviado. É assim que Adão, no Paraíso Terrestre, dá nome a todos os animais que lhe serão submissos e habitam o jardim- são as forças conscientes que denominámos ao nomeá-las nós próprios – mas haverá a serpente anónima que surgirá dos campos não cultivados, em direção ao Jardim do Paraíso…
Essas forças inconscientes não se instalam somente enquanto fantasmas em local fechado (o que, enfim, seria um mal menor); elas vêm tal como a serpente, infiltrar-se nos jardins cultivados, onde agem e fazem agir. Já dissemos: aquele que não toma consciência da sua realidade psíquica, age-a então forçosamente nos outros; ele utiliza o meio circundante para regular no exterior de si mesmo as suas próprias tenções, no exterior de si, querendo com isso dizer, em detrimento do lugar e da existência dos outros.”
Nicole Jeammet O ódio necessário Editora Estampa


O que diz a ciência sobre a necessidade de se reconhecer o que se está a sentir, no artigo Mindfulness: Is it a fad or a powerful life-changing coping skill? A look at the science, aqui

E também o artigo "This the  personality trait rhat most often predicts successaqui

ENTREVISTA a Michel Onfray


Entrevista realizada por Fronteiras do Pensamento ao filósofo francês Michel Onfray, publicada ontem, com o título "Psicanálise cura tanto quanto homeopatia".
Ler na íntegra, em:
http://fronteiras.com/canalfronteiras/entrevistas/?16%2C193

sábado, 8 de março de 2014

Hiroshima Meu Amor

 Diálogo do filme Hiroshima mon amour: "Já o esqueci. Veja como o esqueci !"

Julga-se que se sabe. E, afinal, não se sabe nada. Nunca.
Esperava-te com uma paciência sem limites, calma. Devora-me. Deforma-me à tua imagem, a fim de que nenhum outro, depois de ti, compreenda a razão de tanto desejo.
Vamos ficar sós, meu amor.
A noite acabará.
O dia não voltará a romper para ninguém.
Jamais. Nunca mais. Por fim.
Matas-me.
Fazes-me bem.
Hiroshima Meu Amor, Marguerite Duras


Hiroshima mon amour, filme francês dirigido por Alain Renais com argumento de Marguerite Duras, que passou na sexta – feira na RTP2, é analisado na perspetiva do luto, por Leon Grinberg*, com base na teoria psicanalítica. 
Do longo, minucioso e fundamentado texto, ficam aqui breves enxertos que só uma leitura integrar do mesmo, permitiria a plena compreensão do pensamento do autor:

“Em Hiroxima, Meu Amor o mundo apresenta-se com os aspetos mais sombrios e horrorosos. E não é acaso uma expressão de culpa persecutória, masochista, o que a humanidade sente pelo grave atentado que fez contra uma parte de si própria… e pelo que pode continuar a fazer? Mas é justo reconhecer que a obra atrai também o espetador porque contém, por sua vez, um conteúdo depressivo com uma intenção reparadora.
Neste sentido, a primeira conquista alcança-se a partir do título: “Hiroxima” sinónimo do destruído, devastado e que representa o objeto interno e uma parte do Eu aniquilados, é ao mesmo tempo objeto de amor: “meu amor”:”

Sobre o Luto
“Não é necessário discriminar qual dos lutos é mais importante ou mais significativo (o da mulher ou o do japonês). De forma latente representam um só luto, mas com expressões diferentes.”

Sobre a escolha amorosa
“O que levou esta mulher a realizar esta escolha de objeto amoroso? Porque escolher precisamente alguém que simboliza o inimigo, o perseguidor na sua própria cidade? (…) “Noutro plano, a escola do inimigo, como símbolo, ainda que por detrás se encontre a do objeto amado, constitui uma escolha masochista que implica, ainda, uma procura de castigo e autoagressão, como efetivamente acontece.”
  
Sobre a ambivalência
"As flutuações entre diferentes encontros e separações mostram o trabalho interno no que respeita à aceitação ou à rejeição do objeto interno e das partes do Eu. (..) A ambivalência face ao objeto e a uma parte do Eu é expressa pelas duas atitudes opostas:1) ela ama o alemão, 2) o guerreiro que disparou contra ele e o matou: são os dois aspetos contidos nela mesma. É esta ambivalência que ela espera receber do objeto e evidencia-se nas palavras que dirige ao japonês durante a relação amorosa Tu me tues, tu me fais du bien."

Sobre a reparação
"A seguir intercala-se a sequência  em que ela se veste de enfermeira, pois é atriz, e atua na rodagem de um filme sobre a paz.  Ou seja, o papel que deve encarnar representa já, simbolicamente, uma atividade reparadora. Mas  trata-se ainda de uma ficção, de uma reparação maníaca."

Sobre o luto do japonês
Há uma particular insistência do japonês para a convencer a ficar mais tempo com ele. Necessita dela para utilizar como depósito do trabalho de luto que a ele lhe custa tanto realizar. Por isso, depois de várias despedidas, procura-a e segue-a pelas ruas”

Sobre a separação do casal
“ Finalmente (ela) entra (no quarto do hotel) e vai lavar a cara, como querendo lavar a culpa de tudo o que acaba de reativar-se e atualizar-se no seu interior. Olha-se ao espelho e surge um monólogo interior, ainda que dirigido ao alemão; é nesse instante que começa a sua separação dele e do que ele representava, quando já lhe pode falar como fala com um objeto situado fora de si mesmo; este é um aspeto importante no trabalho de luto, que consiste em poder desligar-se do objeto, sobretudo na medida em que o objeto e as partes do Eu contidas nele se sentem perseguidores.
Torna a encontrar-se com o japonês, o qual lhe repete que fique, mas ela está decidida a partir, porque agora pode esquecer. (…) Pela primeira vez (o japonês) intromete-se com uma velha mulher japonesa, que representa o seu objeto original e primitivo: a mãe e os seus próprios aspetos depositados nela, entre os dois, na sala de espera da estação, e pela primeira vez fala em japonês. Corresponde à verdadeira colocação do objeto primitivo, que tinha projetado na francesa.
Na cena final na casa da mulher é-nos dada a chave que confirma do que foi: 1) uma tentativa projetiva de colocar o luto no outro; 2) de tomar o outro como símbolo do objeto e das partes destruídas do Eu, e da cidade atacada; e)  de colocar fora o introjetado.”

* Culpa e Depressão Climepsi



quinta-feira, 6 de março de 2014

Luc Ferry - A sabedoria do amor


LUC FERRY: "Nós sabemos que somos seres limitados, sabemos que vamos morrer e que aqueles que amamos também podem morrer de uma hora para a outra. E surge a questão de saber que tipo de relação devemos ter com aqueles que amamos e que podem morrer de um dia para o outro."
Filósofo e ex-ministro da Educação da França, Luc Ferry defende que existem três maneiras de lidarmos com o fato de que aqueles que amamos podem morrer repentinamente: a "cristã" – vamos nos reencontrar após a morte, a "budista" – não devemos nos apegar, e o que Ferry denomina "a sabedoria do amor".
Um vídeo Fronteiras do Pensamento.

Conferência traduzida em algumas línguas.