“Retomaríamos aqui, ainda que de outra forma, o mito de
Narciso. A tragédia que o mito de Narciso descreve não diz respeito apenas à
incapacidade de amar, ou ao amor voltado para si mesmo e que exclui o outro,
mas também nos remete para a impossibilidade de alguns sujeitos terem uma vida própria,
na medida em submergem no desejo ou na dificuldade de quem cuidou deles nos
momentos iniciais, É que a mãe de Narciso, por temer que a beleza dele pudesse
ofender os deuses ignora e interdita nele o que ele tem de mais particular: a
sua beleza. Narciso, por sua vez, submetendo-se ao temor materno, fica cego em
relação à sua própria beleza, desconhecendo o que há de mais singular em si
próprio”.
Carlos Amaral Dias O obscuro fio do desejo Fim de século
A mãe de Narciso ao não reconhecer e aceitar o que o seu filho tinha de
particular - a sua beleza -, e por temor dessa diferença, interpela sobre o
futuro, Tirésias, que simboliza a autoridade do perito, o especialista, o poder
masculino.
É a metáfora da obsessão pela normalidade, de uma mãe frágil, insegura do
seu papel, estendendo estas dificuldades ao filho, que se manifesta, por
isso, incapaz de trilhar a sua identidade única e singular.
O meu tributo a Carlos Amaral Dias, com quem se aprende sempre, penetrante, o que só acontece com os grandes autores.
Pintura de Jorge Rodriguez Gerada
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