sábado, 9 de julho de 2016

Vinculação: um amor tranquilo

Imagem do filme "O belo António"

“Este amor tão verdadeiro, tão profundo pode nada ter de erótico. Acontece ao homem amar profundamente uma mulher que lhe é indispensável, mas pela qual não sente qualquer desejo erótico…é capaz de fazer amor com todas as mulheres do mundo exceto com a sua. “
Francesco Alberoni O Erotismo

Com base nas minhas leituras dos clássicos, este laço afetivo com a mulher com quem não se tem relações sexuais, ou melhor dizendo, por quem não se tem desejo erótico, é a vinculação*, entendida por certos autores psicanalistas, Mary Ainsworth e outros, como sendo uma forma de amor em que os parceiros tendem a manter-se próximos um do outro, não por dependência, mas para satisfação de funções de apego, embora desprovidas das emoções da paixão.

A sua característica essencial, nas palavras de um outro autor, J. Bowlby, refere-se à escolha do parceiro. Na vinculação, a escolha não é feita ao acaso. Se a ligação perdura, e tende para a durabilidade, aquele/a parceiro/a é o preferido para satisfazer certas necessidades.
A minha vontade em escrever, neste momento, acerca deste tema, é naturalmente por considerar profícuo entendermos que o amor pode ser considerado um espetro, como um arco iris, que vai do êxtase amoroso até à vinculação tranquila, o que ajuda, penso eu, a compreendermos que se pode estar muito apaixonado por alguém fora do casal legal, mas permanecer-se ligado, e não dependente, do parceiro legitimo.

* A ideia é defendida por Boris Cyrulnik em Sob o signo do afecto

6 comentários:

Margot disse...

O seu texto ajudou-me a pensar melhor sobre estas situações que surgem na clínica. Um amor "completo" seria o que satisfaz esta necessidade de vinculação e ainda acumula a paixão mas muitas vezes isso não se verifica, havendo relações extra conjugais que podem ser vividas com culpabilidade por uns e como traição por outros...

cristina simões disse...

Sim. Pretendi dizer que a vinculação sem as emoções da paixão, não é dependência, é uma forma de amor e não é um estado desprezível, mas, sem dúvida que, na dinâmica conjugal, a maneira de viver esse estado (com culpabilidade...) é que cria o colorido da ligação. Posso imaginar o que será sentir-se ligado à esposa legítima e apaixonado por um novo amor. Um inferno em vida!

Margot disse...

Penso que pode haver, por parte de algumas pessoas, uma dificuldade de se viver a paixão com quem cumpre a função da vinculação...como se não se pudesse acumular as duas funções na relação com uma só pessoa e portanto só fora da relação pode haver esse outro lado. Penso que pode ser por impossibilidade que isso acontece e não por casualidade.

cristina simões disse...

Tenho andado a ler Boris Cyrulnik e na obra que cito, o autor refere que a vinculação é um laço, como o que une mãe ao filho e cuja natureza e funções são distintas do amor. Porém, outra autora que também cito, refere que vinculação é sinónimo de amor. Seja como for, para Boris, faz parte, digamos assim, da evolução das espécies, não ter desejo por quem estamos vinculados, o que nos protege, por exemplo, do incesto. Mas, julgo que à parte disto, há pessoas que por estrutura de personalidade, desejam quem não amam e amam que não desejam( Freud???). Pode ser preconceito meu, mas acho que se funcionam regularmente neste registo, são estruturas fragmentadas ou pouco diferenciadas - os estados, vinculação e desejo não podem estar ligados.

Margot disse...

Penso que é isso que vejo na clinica, estruturas clivadas que não podem viver vinculação e paixão com a mesma pessoa pela imaturidade egoica. Há necessidades básicas por satisfazer, como a da vinculação, há igualmente a necessidade de viver uma sexualidade mas esta não é plena, porque é vivida sem o vinculo.
Obrigada por toda esta reflexão!

cristina simões disse...

Escrever ajuda-me a pensar mas os seus comentários ajudam-me a pensar melhor. Eu é que agradeço.