Foi o sexólogo Havelock Ellis, quem no final do séc. 19, ligou o mito de Narciso a uma dificuldade psicológica, ao associar o prazer de Narciso pela sua imagem reflectida nas águas do lago, à homossexualidade – uma pessoa amar outra, do mesmo sexo. Desde 1990, a homossexualidade, tida até aqui como uma perversão sexual, deixou de ser considerada (pela OMS) uma peturbação mental.
Recorrendo ao mito de Narciso, tenta-se explicar desta dificuldade psicológica - narcisismo patológico - que em traços gerais é uma patologia do amor-próprio e se traduz na “recusa de ver o mundo a não ser do ponto de vista do próprio, com o potencial desprezo pelos sentimentos dos outros que isso acarreta”. *
Na origem desta disfunção da personalidade, está a negligência ou abusos parentais (que pode também incluir a sobreprotecção), ou seja, os mecanismos de controlo omnipotente, intrusão e manipulação.
Ora Narciso, nasceu da violação da sua mãe Liriope por Céfiso, deus fluvial, segundo a versão de Ovídio. Também nunca conheceu o pai. São dois acontecimentos determinantes para a problemática de Narciso.
Liriope, uma mãe em sofrimento, não esteve, possivelmente, disponível para o seu filho. A capacidade de amar, pode-se traduzir na capacidade de empatia – colocar-se no lugar do filho; espelhamento – a capacidade da mãe, por exemplo, ao tomar a criança nos braços, espelhar quem o bebé é, ou seja, uma pequena criatura, única e especial a precisar de protecção; receptividade – Liriope, como qualquer mãe, deveria ter sido acessível, reconhecer os gestos do seu bebé e ter dado uma resposta adequada, o que permite adquirir a convicção, que os nossos próprios esforços têm influência sobre os outros.
Ao sentir-se amado, Narciso poderia adquirir confiança no mundo e as bases do amor-próprio. Não sendo isto que aconteceu, na total dependência desta mãe, distinguir-se dela, opondo-se ao seu desejo, e adquirir autonomia, não foram tarefas bem sucedidas para Narciso. Assim, Liriope, ao não revelar sintonia com o filho, teve como consequências, em termos de desenvolvimento, Narciso rejeitar o outro, e o sentimento de bastar-se a si próprio, revelado na admiração pelo seu reflexo nas águas. Paradoxalmente, o sujeito narcísico preso à sua imagem, a pensar apenas em si próprio, não tem acesso ao auto-conhecimento, que só se obtém na relação com o outro.
*Narcisismo, Jeremy Holmes, Editora Almedina