Isabel Leal é psicóloga clínica. É professora no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (Lisboa). É presença regular em jornais e revistas.
Deu uma entrevista com o título - O orgasmo pode não ser especialmente bom - a Anabela Mota Ribeiro do Jornal Publico, em 2009, da qual retirei esta parte:
Estamos num tempo em que mais facilmente se pratica coito do que se dá um abraço?
Isabel Leal: Gostava tanto de saber responder a isso...
O que está implícito na minha pergunta/provocação, por um lado, é a existência de um novo paradigma e, mais que tudo, a noção de intimidade.
Isabel Leal: Temos a ideia de que as relações sexuais são uma coisa banalizada. Isso é verdade para um grupo de pessoas, e é mais visível do que foi noutras épocas. Mas não penso que a maioria das pessoas seja muito promíscua e que vá para a cama a torto e a direito com toda a gente.
Os relatos de casais adeptos do swing fazem páginas de revistas...
Isabel Leal: As pessoas não têm uma relação com a sexualidade tão sacralizada, culpabilizada e angustiada como noutras épocas. Mas consome-se pornografia de uma forma crescente. Se podem ter uma vida sexual tão diversificada e intensa, por que é que recorrem maciçamente à estimulação ou visualização da pornografia? (Isto sem nenhum preconceito em relação à pornografia.) O mercado que ela cria diz-nos que há ainda uma relação com a sexualidade que não está naturalizada.
Como entender, então, que ela apareça, sobretudo na comunicação social, como uma coisa banalizada?
Isabel Leal: Como se vivêssemos numa total desinibição.
Vivemos em equívocos. Há muitos mundos paralelos. A dimensão da ternura física, que remete para a noção de segurança, afecto, vinculação, é constitutiva do que somos. Precisamos imenso disso. O sexo, o coito, também são precisos. Mas, do ponto de vista desenvolvimental, o abraço vem sempre antes.
Vivemos em equívocos. Há muitos mundos paralelos. A dimensão da ternura física, que remete para a noção de segurança, afecto, vinculação, é constitutiva do que somos. Precisamos imenso disso. O sexo, o coito, também são precisos. Mas, do ponto de vista desenvolvimental, o abraço vem sempre antes.
O sexo é um patamar de comunicação diferente do da ternura.
O sexo pode ser exercício físico, desligado de afectos. Há pessoas que falam do sexo desligado de afectos, há pessoas que falam dos afectos sem sexo. Provavelmente, a maior parte das pessoas andará algures entre uma coisa e outra, e lá vai conseguindo, como pode e sabe, relacionar uma coisa com a outra.
Em encontros episódicos, de sábado à noite, existe espaço para a intimidade? Procura-se a intimidade ou vestígios disso?
Isabel Leal. A sexualidade (em sentido estrito) pode não ter nada que ver com o universo afectivo. O que há de residual da moral judaico-cristã, em países velhos e católicos como o nosso, em que as noções estão esbatidas, mas estão lá, é que a sexualidade deve estar ao serviço dos afectos.
Não são compreensíveis um sem o outro - esse é o discurso oficial.
O que os pais ensinam aos filhos é isso. Há imensas pessoas a dizer: "Não sou capaz de ter uma relação sexual sem gostar do outro." Digo que isto é residual em relação à moral cristã porque é como se o pecado da carne fosse desculpado e legitimado pela pureza do sentimento. Não acho que seja assim. Às vezes o sexo é mesmo exercício físico. Corresponde para muitas pessoas a uma dimensão de luxúria.
Isso é válido para homens e mulheres?
Isabel Leal: Sim. Há o discurso tradicional, que considero verdadeiro, que [diz que] tendencialmente as mulheres, ainda hoje, usam o sexo para chegar ao amor. E vice-versa para os homens. Muitas vezes enganam-se a si próprios nesse processo. Uma mulher precisa de se reconhecer apaixonada para ser capaz de desenvolver uma estratégia de sedução ou aproximação sexual. Encontro imensas pessoas que têm relações ocasionais e que estão sempre à procura do homem e da mulher perfeita - mesmo que o sexo seja do mais instrumental que há.
Está a dizer que nas relações ocasionais continuam a procurar o grande amor? Que dessa vez lhes saia a sorte grande?
Isabel Leal: Pode não fazer sentido, mas acontece. Uma coisa é o sexo, outra coisa é a simbólica do sexo. Homens e mulheres andam em busca do príncipe encantado e cada encontro sexual é simbolicamente uma tentativa de o encontrar. Quem está de fora diz: "Então tu vais todas as semanas com uma pessoa diferente para a cama, como é que estavas à espera que corresse?" Mas, no discurso que as pessoas fazem, percebe-se que havia ali uma espécie de romance. Aqueles cinco minutos em que houve troca de olhares, a tentativa de encaixe, a festa no cabelo, o gesto simpático, a maneira como dormiram... Coisas que para quem está de fora são banalidades, mas que as pessoas valorizam e a que dão importância.
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