Susie Orbach psicoterapeuta, considerada especialista em anorexia e bulimia, a autora de Fat is a Feminist Issue (1978), O Que Querem as Mulheres (1983, edição portuguesa Sinais de Fogo, 2004), Hunger Strike (1987), A Impossibilidade de Sexo (1999, edição portuguesa Estrela Polar, 2006); Bodies (2009), foi entrevistada por Joana Gorjão Henriques - Jornal Público - em Londres .
Esta entrevista, com o título A angústia pelo corpo perfeito não é só uma questão feminina, foi publicada no Suplemento Pública do passado domingo.
Susie Orbach ficou conhecida por ter tratado a princesa Diana de bulimia. Criou o Women"s Therapy Centre em 1976 em Inglaterra e o Women"s Therapy Centre Institute, em Nova Iorque, vocacionados para a terapia de mulheres.
A jornalista refere que, Susie Orbach conseguiu recentemente que a campanha de um anúncio de maquilhagem que mostrava Julia Roberts com uma pele perfeita, fosse banida no Reino Unido - por ser este tipo de imagens que gera ansiedade por uma perfeição que não existe.
Desse encontro retirei esta frase de Susi Orbach: Os homens não sabem o que significa ser homem, as mulheres não sabem o que significa ser mulher. Estamos todos a tentar perceber, mas não acho que o consigamos usando a cosmética ou indo ao ginásio.
Deixo-vos a parte final da entrevista:
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Sendo assim, onde colocaria a relação corpo-mente?
Não tenho a certeza. Não acho que esteja numa posição para o fazer, mas há muita gente, nas neurociências, que está a tentar reformulá-la. Mas não estou tão interessada em resolver isso, interessa-me mais ver o que se passa. No projecto de investigação de que faço parte, estamos a olhar para a transmissão de corpo para corpo, entre crianças e mães e entre bebés e mães. E, se se olhar para isso apenas da perspectiva do que se passa na relação corpo a corpo, encontramos coisas muito interessantes.
Mas quer dizer que retira a interpretação dessa relação?
Não. É mais: não há um corpo, apenas corpos em relação uns com os outros. Assim como eu defendo que não há uma mente, mas que a mente é o resultado de relações. A sua mente está a ser transformada à medida que eu falo e vice-versa. E quando estou com o meu neto estou a moldá-lo como neto e ele a mim como avó - e estou a moldar também o seu corpo.
Além das indústrias viradas para o corpo - cosmética, dietas, exercício, etc. -, há toda uma indústria virada para a performance intelectual. As duas são diferentes?
Acho que ambas apelam ao mesmo desejo humano, que é o sentir-se bem, com abundância e com capacidade. E as coisas de ambas as indústrias são compradas pelas mesmas pessoas.
Hoje modificar o corpo é fácil. Acha que isto está a desafiar o binómio feminino e masculino? E se sim, de que formas é isso positivo?
Está. Bom, tem de perguntar à geração mais nova... Porque para mim é difícil celebrar a forma como os homens estão a tratar o seu corpo como as mulheres. Que os homens façam dieta, aumentem os peitoriais, estejam obcecados com barrigas lisas, maquilhagem, cremes...Porquê isso? Isso não está bem.
Por que é que não está bem?
Porque estão a fazer o mesmo trabalho no corpo que as mulheres faziam, que é mudarem-se a si próprios em vez de fazer coisas que podem mudar o mundo - quero dizer, isto é tão simplista, mas os problemas da masculinidade e feminilidade hoje são significativos. Os homens não sabem o que significa ser homem, as mulheres não sabem o que significa ser mulher. Estamos todos a tentar perceber isto, mas não acho que o consigamos usando cosmética ou indo ao ginásio. Acho que há muita coisa em causa: há hipermasculinidade e hiperfeminilidade, e há o desafio a isso por pessoas transgénero.
Quais diria que são as maiores ansiedades dos homens e mulheres em relação ao seu género?
Vejo um grupo de pessoas jovens, em terapia, que parece ter tudo no sítio, que tem uma série de coisas que atingiram, mas que sentem um buraco. É qualquer coisa que tem a ver com não saberem bem quem são ou onde se enquadram. A cultura do auto-aperfeiçoamento, da autofabricação deixa algumas pessoas sem a certeza de que as coisas que adquiram se devem, na verdade, a mérito próprio.
E como é que isso se traduz na feminilidade e masculinidade?
Porque a feminilidade se tornou numa projecção que significa que se tem o corpo perfeito, o trabalho perfeito, o isto e aquilo perfeito e liga-se porque feminilidade é uma carapaça, é performance e não uma experiência interior de se ser feminina. E acho que isso é verdade para a masculinidade: parece que tenho o trabalho perfeito, o carro perfeito, isto perfeito, mas não me sinto um homem suficientemente crescido.
E como é que os homens e as mulheres estão a responder às mudanças do outro?
Não tenho uma amostra suficientemente significativa. Das pessoas novas que conheço, algumas têm preocupações em relação ao seu género, outras não. Não acho que possa dizer alguma coisa agora.
Vê alguns sinais de que os papéis feminino e masculino estão a mudar?
De uma forma progressiva?
Estou a usar a palavra mudança de forma neutra.
Sinto que as mulheres hoje acham que têm de fazer tudo. Muitas das que têm crianças têm acesso a uma ligação emocional forte, mas ainda vejo muitas mulheres desiludidas com as suas relações. Não tenho a certeza de conseguir ter dados suficientes para dar uma resposta.
E o que quer dizer exactamente com "as mulheres acham que têm de fazer tudo"?
Muitas mulheres caíram na história, às vezes contada pelas mães que não tiveram acesso ao que elas têm, de que têm de se fazer ao mundo, produzir, ter o grande trabalho, o grande salário, estar bonitas, ter o namorado e filhos perfeitos... Isso é para mim a inversão do que é o feminismo. O feminismo lutou por: podemos ter tudo, mas não tudo ao mesmo tempo. Fizemos uma crítica do trabalho das 6h às 22h, não queríamos que os homens trabalhassem assim, porque raio as mulheres devem fazê-lo?
Fala também do sexo e das ansiedades que provoca nos homens - acha que nesse aspecto o sexo ainda é para os homens o que a gordura é para as mulheres?
Acho que é uma comparação justa.
Manifesta-se da mesma maneira?
Sim, podemos ver os homens que têm medo da intimidade e do sexo numa versão anoréctica, com a relutância e medo, e numa versão compulsiva, que oblitera, com a pornografia - pornografia não é propriamente sexo, é outra coisa.
Tratou a princesa Diana. É importante que as figuras públicas falem e partilhem os seus problemas?
É importante, mas não suficiente. Trabalhamos com a ministra para a Igualdade e temos uma campanha para aumentar a segurança em relação ao corpo, e tivemos uma deputada que conseguiu que um anúncio com a Julia Roberts fosse banido. Porque é tão transformado digitalmente que não tem qualquer relação com o que este produto poderia fazer pela pele. Estas coisas são importantes. E é importante ter campanhas na escola para tornar os miúdos literatos em media, estamos a trabalhar com o Governo e com um grupo para trabalhar com as escolas.
A comida está directamente ligada ao nosso corpo. Temos uma relação tão forte com ela: há pessoas que reagem fortemente a coisas de que não gostam, outras não comem ou comem imenso quando estão ansiosas...
O que há na comida que gera esta relação, às vezes tão turbulenta?
Tem a ver com o nível mais básico. É a primeira expressão de amor, de cuidado e alimentação, quer se tenha ou não sido amamentado, quer o tenhamos imaginado ou acontecido realmente. Por isso a forma como nos experienciamos a nós próprios ao nível mais básico é qualquer coisa que está relacionada com a fome e com o facto de essa fome ter sido mais ou menos satisfeita. Se aquilo que associamos é ansiedade ou agitação, isso vai determinar a relação que temos com a nossa dimensão física, incluindo aquilo que comemos. Basta observar as mães a alimentar os seus filhos. Veja-se os miúdos de um ano: como é que a mãe lhe dá a comida, enfia-lhe pela boca, deixa a criança explorar, fala com ela enquanto lhe dá comida, o que faz? Justamente ali vê-se algo que se torna mais complexo e elaborado. Um bebé que chora porque se sente triste e a quem é dado de comer vai ficar confuso porque pensa: "Não me é permitido digerir a minha tristeza, tenho de comer..."