segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Simon Baron-Cohen

Simon Baron-Cohen é um dos grandes especialistas mundiais em autismo. É entrevistado por Joana Gorjão Henriques do Jornal Publico, cuja entrevista se encontra publicada na edição de ontem. É apresentado como tendo desenvolvido uma nova teoria da crueldade, com base na ideia chave que a falta de empatia está na base da mesma. Colocado deste modo o assunto, não se trata de uma ideia nova, mas estou certa que é um investigador de mérito.
Esta entrevista justifica reanimar o blogue, mesmo em período de férias.

Deixo-vos então, na íntegra, a entrevista com este investigador, com o título "Confrontar a vítima e matá-la implica desligar a empatia”:

O especialista em autismo Simon Baron-Cohen publicou em livro "uma nova teoria da crueldade". Defende que para ser cruel é preciso desligar os níveis de empatia. Uma conversa sobre a crueldade, o psicopata da Noruega, a anoroxia, os lucros e a testosterona. A empatia e a sua ausência explicam muitas coisas nas nossas vidas.

O que distingue um psicopata de outra pessoa qualquer? A resposta está numa palavra: empatia. Ou, na ausência dela, no caso dos psicopatas. Estar no espectro zero negativo de uma banda de empatia que tem seis níveis, segundo Simon Baron-Cohen, significa incapacidade de ler as emoções dos outros e capacidade para ser cruel.
Baron-Cohen é um dos grandes especialistas mundiais em autismo e desenvolveu aquilo a que chama uma nova teoria da crueldade, exposta no livro publicado este ano, Zero Degrees of Empathy. Estar no espectro zero não significa necessariamente ser psicopata, explica, mas ser psicopata significa ter zero graus negativos de empatia.
O seu currículo impressiona. É professor de Developmental Psychopathology na Universidade de Cambridge e director do Autism Research Centre e da clínica CLASS (Cambridge Lifespan Asperger Syndrome Service) na mesma universidade. Escreveu vários livros, entre eles Mindblindness e The Essential Difference: Men, Women and the Extreme Male Brain, onde aborda a polémica questão de diferenças biológicas entre homens e mulheres.
Uma conversa de 30 minutos sobre o cérebro, o bem e o mal, e também, naturalmente, a tragédia da Noruega, em que um homem de 32 anos, Anders Breivik, matou 77 pessoas, 69 deles jovens e a sangue-frio: quem é um psicopata?

Diz no seu livro que a definição de mal já não serve e propõe que se substitua por "zero graus de empatia". Pegando no exemplo de Anders Breivik, em que parte da escala o colocaria e porquê?
Em relação a Anders Breivik acho que ainda não foi feito um diagnóstico completo da sua situação psiquiátrica: se mostra os traços de psicopata, distúrbios de personalidade anti-social ou outra doença psiquiátrica... O facto de ter sido capaz de cometer actos de crueldade, matando pessoas, significa que tinha baixo nível de empatia nesse momento.
Quando alguém magoa alguém, isso quer dizer que o nível de empatia dessa pessoa está abaixo da média - seja temporariamente durante o acto ou permanentemente.

Em termos de crueldade, matar com uma bomba é a mesma coisa que matar, uma a uma, 69 pessoas como ele fez? Qual é a diferença entre estes dois actos de crueldade na escala de empatia?
Não tenho a certeza que exista uma diferença. Podemos imaginar que quando se mata uma pessoa de cada vez envolva ainda menos empatia, porque se está a cometer um acto em relação a várias pessoas e por um período mais prolongado.
Mas a capacidade de fazer um dos dois actos é que os dois implicam baixa empatia. Se se põe uma bomba sabendo que se vai matar várias pessoas, a empatia por esse grupo de pessoas está abaixo da média.

Mas não ver as pessoas que se vai matar quando se põe uma bomba não é diferente de olhar as vítimas quando se está a matá-las?
Intuitivamente, concordo. Confrontar a vítima e matá-la implica desligar a empatia e ainda uma maior "redução" dela: pode-se ver os olhos, imaginar a pessoa. Tem-se muito mais informação, que é o que normalmente gera empatia. Mas não sei se temos algum meio científico para provar que uma forma de matar envolve mais ou menos empatia que outra.
No meu livro defendo que qualquer acto que implique matar pressupõe níveis de empatia abaixo da média. Seria bom se conseguíssemos cientificamente fazer a distinção entre estes dois actos, mas na prática não sei se será possível.

Descreve a empatia como algo que pode ligar-se e desligar-se - fazemos uma espécie de suspensão de empatia...
... a ideia de ligar e desligar significa que, para algumas pessoas, pode-se em determinado momento desligar e depois voltar a ligar. Mas para outras pessoas pode durar toda a vida - factores genéticos ou experiências fizeram com que a sua empatia nunca atingisse um nível alto. Neste caso não é desligar ou ligar, mas mais um processo ou desenvolvimento.

O que está exactamente ligado à empatia, apenas emoções?
Empatia não é apenas mais uma palavra para emoções. Porque podemos ter muitas emoções que não têm relação com empatia. Empatia é uma resposta emocional às emoções de outra pessoa. É uma emoção muito específica. Por exemplo, se receber um presente de anos óptimo pode sentir a emoção de felicidade ou de surpresa - e isso é apenas uma reacção emocional a uma situação. Empatia é muito mais específico: tem a ver com a experiência de uma emoção gerada pelo estado emocional de outra pessoa.

No momento em que se está a cometer um acto de crueldade, o que é que se passa exactamente no cérebro?
É bastante complexo: há pelo menos 10 regiões no cérebro que desempenham um papel na empatia. Estas regiões do cérebro estão todas ligadas e por isso falo de um circuito de empatia no cérebro. Cada região desempenha papéis diferentes. Algumas podem envolver uma resposta emocional a uma emoção de alguém, mas outras podem envolver inibição e a capacidade de ganhar perspectiva e pensar no futuro - portanto é bastante complexo. Quando falamos de empatia parece um único processo, mas tem muitas componentes.

No seu livro, dá o exemplo de Paul, um psicopata, e de como a sua ausência de remorso o deixou a si curioso. Não sentir remorso faz parte da personalidade do psicopata e está ligada a baixos níveis de empatia?
Parte do diagnóstico de um psicopata é a ausência de remorso: fazer algo que magoa a outra pessoa e não se preocupar com isso. E psicopatas têm resultados mais baixos nos testes de empatia. Quando se olha para o cérebro de um psicopata, ele mostra menos actividade em partes do circuito da empatia. Isso está ligado à função cerebral. Também se pode ver um desenvolvimento atípico em partes do cérebro em que a empatia está envolvida. Temos que ir do nível do comportamento, como observar ausência de remorso, ao nível do cérebro e tentar fazer inferências de um nível para o outro.

Não ter medo da punição é outra das características do psicopata, diz. Isso deve-se a uma sensação de poder ou os psicopatas têm uma relação diferente com o medo em geral?
É difícil distinguir os dois e generalizar. Mas há dados que nos indicam que alguns psicopatas têm falta de ansiedade em relação ao medo da punição. Alguns psicopatas não têm respeito pelas figuras de autoridade. Não sei se será um ou outro. As componentes específicas que levam a baixos níveis de empatia é algo complexo: o resultado é baixa empatia mas os caminhos que vão dar a esse ponto podem ser múltiplos.

E os sádicos, pessoas que têm prazer em magoar os outros, têm empatia?
De acordo com a definição de sádico, que magoa sabendo que causa dor, e o faz para seu próprio prazer, significa que não tem uma componente de empatia. Alguns dizem que os sádicos têm que ter empatia porque sabem que o outro está a sofrer. Para mim é mais ou menos como um psicopata, que muitas vezes sabe o que se está a passar com a vítima - isso é chamado componente cognitiva da empatia, e o que falta é a componente afectiva da empatia, que é o preocupar-se com o que o outro está a sentir.

Além do psicopata, o grau zero de empatia inclui outro tipo de pessoas, autistas e anorécticos. Quais são as diferenças?
No livro falo de zero positivo e zero negativo, que inclui distúrbios de personalidade - os psicopatas, narcisistas, borderline personality. São descritos como zero negativo: têm baixa empatia e podem magoar as outras pessoas. É negativo para os outros mas também para os próprios, porque frequentemente isso gera depressão.
Depois há os zero positivo, como os autistas, que, apesar de terem menos empatia do que a maioria, não têm intenção de magoar - não há provas de que os autistas magoem os outros mais do que a população em geral o faz. No caso do autista, traduz-se numa vontade de evitar outras pessoas e torna difícil ter relações. Chamo-lhe zero positivo porque, apesar de as pessoas com autismo terem dificuldade com empatia, muitas vezes processam informação de uma forma diferente: têm atenção extra aos detalhes e isso leva-os a sistematizar a um nível elevado - e sistematizar é ser capaz de entender sistemas, o que pode ser muito positivo para o próprio e para a sociedade. Pessoas com autismo tendem a ser muito boas a Matemática ou Música por causa dessa sua capacidade de sistematizar.
Quanto à anorexia, que discuto a propósito de outras doenças que possam estar ligadas a níveis baixos de empatia, tem sido olhada deste prisma porque as pessoas com anorexia só estão focadas no seu próprio peso e na sua forma e não estão a pensar no impacto do seu comportamento e do que comem.

Há alguma situação em que falta de empatia é desejável?
Pode ser uma vantagem. Alguém que está na direcção de uma empresa e tem que se focar nos lucros, se tiver demasiada empatia isso pode afectar as decisões. Para um negócio ser bem sucedido, às vezes é preciso despedir pessoas...Pode-se imaginar que há situações em que falta de empatia traz mais benefícios, especialmente situações em que está em causa lucro. Outras situações são aquelas em que temos que nos focar num objectivo.

Com zero graus negativos de empatia temos psicopatas - há um equivalente no outro extremo positivo?
Os cientistas sabem muito pouco sobre o outro lado da escala, têm estudado mais a falta de empatia, usando imagens do cérebro, olhando para a genética e para os factores ambientais. A resposta curta é que ainda não sabemos muito sobre o assunto, precisamos de mais pesquisa.

Diz que no caso dos distúrbios de personalidade anti-social há diferenças de género: como as explica?
Isso é verdade também para a empatia, onde as mulheres tendem a ter valores mais altos e desde a infância. A explicação é em termos de experiências sociais mas também biológicos. Estamos a olhar para a biologia, em particular a testosterona, porque os rapazes produzem-na mais. E conduzimos uma pesquisa em que se mostra uma relação entre a produção de testosterona e empatia - mas isso explica apenas parte da questão. As diferenças surgem de uma interacção entre biologia e cultura: no passado tínhamos tendência a ver as coisas preto ou branco, cultura ou biologia. Hoje aceita-se que o comportamento se explica por uma interacção entre os dois.

Sugere que aprender a empatia devia fazer parte dos currículos escolares. Como é que se ensina?
Muitas pessoas já o ensinam, embora não lhe chamem isso - ensinam a ter capacidades sociais, ou de cidadania, para garantir responsabilidade social. Os métodos usados são diferentes: às vezes são muito explícitos e ensinam a reconhecer expressões faciais, outros usam teatro... Há diferentes métodos que podem ser usados para ensinar ou estimular a empatia. Aprender a ouvir os pontos de vista dos outros, ter em conta as diferentes perspectivas é uma ferramenta muito importante de negociação e compromisso.

Ainda há alguma coisa particular nos psicopatas que o intrigue?
É importante conhecer os psicopatas, por serem um extremo e pelo que nos podem ensinar sobre nós. Uma das questões sobre os psicopatas é se existem componentes genéticas no seu comportamento e, se sim, se esses genes ligados a um comportamento extremo também existem no resto da população. Mas há muitas questões ainda por saber.

Sobre o mesmo autor, o vídeo e o artigo Do women have better empathy than men?

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