Joana Amaral Dias,
psicóloga, a propósito do lançamento do seu livro Maníacos de Qualidade, no
qual apresenta uma análise psicopatológica de algumas personagens ilustres da nossa
história, literatura e vida artística, já falecidas, foi entrevistada pela
revista Pessoal da Associação Portuguesa de Gestão de Pessoas, na edição de
setembro de 2010 (aqui ).
Dessa entrevista, realizada
por Duarte Albuquerque Carreira, alguns enxertos:
Dos vários personagens que
analisa (no seu livro Maníacos de Qualidade) quais é que gostaria de poder
deitar no seu divã?
JAD: Acho que qualquer um.
Talvez fizesse mais sentido perguntar qual é que não gostaria. E a resposta seria
D. Afonso VI. Como psicopata que era , é alguém ainda hoje muito pouco
permeável a qualquer resposta terapêutica, seja ela farmacológica ou
psicotrópica. Como caso grave que é,
mais profundo seria o empobrecimento da mente e, como tal, menos
interessante. Todos os outros, Antero de Quental, Margarida Jácome Correia,
João César Monteiro, Fernando Pessoa, seriam casos muito interessantes para
trabalhar no meu consultório – com certeza que sim.
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E haverá “Fernandos Pessoas”
a andar por aí?
JAD: Infelizmente não. Não
tenho encontrado pessoas parecidas com Fernando Pessoa, que deixou um dos mais
importantes legados à literatura portuguesa. Com o reverso da medalha de ser
aniquilado toda a sua identidade em
prol disso, de ter aniquilado toda a sua
vida em função da própria obra. Isso, aliás é provavelmente o ponto-chave para
depois compreender o universo mental do poeta. Mas não se tropeça no Fernando
Pessoa por aí.
Acha que é difícil
estabelecer a fronteira entre o louco e o génio em figuras como Fernando
Pessoa, Antero ou mesmo João Cesar Monteiro?
JAD: Não. Há um preconceito
milenar em que as pessoas associam loucura à ideia de genialidade, conforme os
casos. Portanto, há ideia de uma graça divina ou de uma possessão demoníaca.
Mas ainda hoje, embora de uma maneira mais matizada, mais subtil, ficou esse
preconceito que loucura e genialidade andam de mãos dadas. Quando a loucura é
de fato, sempre o oposto da criatividade, é o empobrecimento da mente.
Mas quando analisamos estas figuras não é por vezes difícil fazer a distinção?
JAD: Não é nada difícil. Não
quer dizer que existirem pessoas que tenham uma doença psiquiátrica e eram ao
mesmo tempo geniais, uma coisa implique a outra. A distância entre uma relação
de causa efeito é enorme. Aliás, ao contrário do que muitos meios culturais de
massas, nomeadamente o cinema, fazem pensar, as pessoas que foram génios e,
simultaneamente sofriam de doença psiquiátrica são exceção e não regra. A
loucura é sempre o empobrecimento da mente. A pessoa quanto mais doente do
ponto de vista mental está, menos opções tem de pensar, de sentir, de agir. Há
um afunilamento dessas mesmas possibilidades e não uma abertura. Ora, a
criatividade e a genialidade estão associadas à capacidade de rasgar horizontes
e de descobrir novas possibilidades, abrir janelas e não à ideias de as fechar.
Posso concluir então, que alguma falta de sanidade mental em algumas figuras que analisou contribuiu para o empobrecimento da sua obra e não o seu contrário?
JAD: Dizer isso é muito
especulativo. Os efeitos que um tratamento tem sobre a vida da pessoa são múltiplos.
Se é muito difícil fazer a análise psicopatológica de figuras a esta distância,
daí ter feito uma pesquiza histórica muito intensa para tentar reduzir a margem
de erro, ainda mais complicado se torna supor um tratamento que nunca existiu
e, depois, os efeitos que teria. Contudo, posso dizer que a maior parte das pessoas
que hoje em dia têm possibilidade de fazer psicoterapia e de se tratarem
encontram aí um espaço de liberdade para crescerem emocionalmente, nomeadamente
melhorar, caso sejam artistas, a sua criatividade. Mas não posso deixar de
dizer que, supúnhamos, Antero Quental, tinha acesso a um tratamento e deixava
de escrever, como clínica, entre a obra e a vida, prefiro sempre a vida.
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