segunda-feira, 26 de novembro de 2012

ENTREVISTA a Joana Amaral Dias


Joana Amaral Dias, psicóloga, a propósito do lançamento do seu livro Maníacos de Qualidade, no qual apresenta uma análise psicopatológica de algumas personagens ilustres da nossa história, literatura e vida artística, já falecidas, foi entrevistada pela revista Pessoal da Associação Portuguesa de Gestão de Pessoas, na edição de setembro de 2010 (aqui ).
Dessa entrevista, realizada por Duarte Albuquerque Carreira, alguns enxertos:

 
Dos vários personagens que analisa (no seu livro Maníacos de Qualidade) quais é que gostaria de poder deitar no seu divã?
JAD: Acho que qualquer um. Talvez fizesse mais sentido perguntar qual é que não gostaria. E a resposta seria D. Afonso VI. Como psicopata que era , é alguém ainda hoje muito pouco permeável a qualquer resposta terapêutica, seja ela farmacológica ou psicotrópica. Como caso grave que é,  mais profundo seria o empobrecimento da mente e, como tal, menos interessante. Todos os outros, Antero de Quental, Margarida Jácome Correia, João César Monteiro, Fernando Pessoa, seriam casos muito interessantes para trabalhar no meu consultório – com certeza que sim.
E haverá “Fernandos Pessoas” a andar por aí?
JAD: Infelizmente não. Não tenho encontrado pessoas parecidas com Fernando Pessoa, que deixou um dos mais importantes legados à literatura portuguesa. Com o reverso da medalha de ser aniquilado toda  a sua identidade em prol  disso, de ter aniquilado toda a sua vida em função da própria obra. Isso, aliás é provavelmente o ponto-chave para depois compreender o universo mental do poeta. Mas não se tropeça no Fernando Pessoa por aí.
Acha que é difícil estabelecer a fronteira entre o louco e o génio em figuras como Fernando Pessoa, Antero ou mesmo João Cesar Monteiro?
JAD: Não. Há um preconceito milenar em que as pessoas associam loucura à ideia de genialidade, conforme os casos. Portanto, há ideia de uma graça divina ou de uma possessão demoníaca. Mas ainda hoje, embora de uma maneira mais matizada, mais subtil, ficou esse preconceito que loucura e genialidade andam de mãos dadas. Quando a loucura é de fato, sempre o oposto da criatividade, é o empobrecimento da mente.

Mas quando analisamos estas figuras não é por vezes difícil fazer a distinção?
JAD: Não é nada difícil. Não quer dizer que existirem pessoas que tenham uma doença psiquiátrica e eram ao mesmo tempo geniais, uma coisa implique a outra. A distância entre uma relação de causa efeito é enorme. Aliás, ao contrário do que muitos meios culturais de massas, nomeadamente o cinema, fazem pensar, as pessoas que foram génios e, simultaneamente sofriam de doença psiquiátrica são exceção e não regra. A loucura é sempre o empobrecimento da mente. A pessoa quanto mais doente do ponto de vista mental está, menos opções tem de pensar, de sentir, de agir. Há um afunilamento dessas mesmas possibilidades e não uma abertura. Ora, a criatividade e a genialidade estão associadas à capacidade de rasgar horizontes e de descobrir novas possibilidades, abrir janelas e não à ideias de as fechar.

Posso concluir então, que alguma falta de sanidade mental em algumas figuras que analisou contribuiu para o empobrecimento da sua obra e não o seu contrário?
JAD: Dizer isso é muito especulativo. Os efeitos que um tratamento tem sobre a vida da pessoa são múltiplos. Se é muito difícil fazer a análise psicopatológica de figuras a esta distância, daí ter feito uma pesquiza histórica muito intensa para tentar reduzir a margem de erro, ainda mais complicado se torna supor um tratamento que nunca existiu e, depois, os efeitos que teria. Contudo, posso dizer que a maior parte das pessoas que hoje em dia têm possibilidade de fazer psicoterapia e de se tratarem encontram aí um espaço de liberdade para crescerem emocionalmente, nomeadamente melhorar, caso sejam artistas, a sua criatividade. Mas não posso deixar de dizer que, supúnhamos, Antero Quental, tinha acesso a um tratamento e deixava de escrever, como clínica, entre a obra e a vida, prefiro sempre a vida.

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