quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

"...um certo gosto pelo esquecimento.”

Abraham Blemaert Apollo e Diana (detalhe)

“Nem nas formas mais graves de relação depressiva, não se assiste a esta clivagem completa. Em face da total qualidade do objeto, o individuo embora não observe a boa imagem, sabe e não esquece que ela existe; e por isso retoma a relação libidinal com ele, o que mais raramente, como vimos, acontece com o borderline – a tendência é para mudar de objeto.”
António Coimbra de Matos O desespero Climepsi

O texto é a explicação sobre o individuo deprimido, desvalorizado e desvalorizante, que em situações de desacordo, embora lhe pareça que o outro esteja a ter um comportamento indesejável, ainda conserva a capacidade de o aceitar, porque guardou dentro de si a sua memória e do quanto deu de bom à relação. 
Os indivíduos com perturbação borderline de personalidade, em situações semelhantes, ou pelo simples prazer de agredir, não possuem essa memória e reserva amorosa - a capacidade de evocar imagens positivas e reconfortantes dos outros diante de situações ansiogênas (Jordão A., Ramirez V., 2010) O que o outro diz consideram verdadeiro, ou seja, acreditam no que ouvem e como nada é simbolizado e relativizado em função de todo o conhecimento supostamente adquirido sobre ele, geram-se mal entendidos, desencontros, sendo porta aberta para a espiral de violência. Este tipo de relação interpessoal é ilustrado habitualmente pela imagem de ” andar sobre casca de ovos”, a inevitabilidade do atrito. É como se um traço que é humano – o outro em nós - pudesse ser apagado completamente. 
Não confundir com ingratidão.


* O título do post é retirado do diálogo do filme O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde, no momento em que a empregada pergunta a Dr. Jekyll qual a sua doença, ele responde-lhe Uma fatura na alma que me deixou um certo gosto pelo esquecimento.”

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