domingo, 28 de março de 2010

josé Gil

"Há uma inteligência que só a arte nos dá e que é fundamental"
Entrevista de Vanessa Rato ao filósofo José Gil publicada pelo Jornal Publico 25 de Março de 2010.
Na introdução a esta entrevista, pode-se ler: “Aos 71 anos, o filósofo e ensaísta José Gil aposenta-se como professor da Universidade Nova de Lisboa. Dá a sua última aula hoje, às 16h, aberta a todos. O tema: "Coisas que interessam ou deveriam interessar a comunidade artística e os que se interessam por arte”.
Em 2005 José Gil foi considerado pela revista francesa Nouvel Observateur como um dos 25 maiores pensadores do mundo.

José Gil.
”…É uma coisa confrangedora como é que em Portugal as pessoas pensam sempre sozinhas. Eu próprio, todos nós a fazer as nossas vidas, as nossas "carreiras". É terrível isso.”

“ Temos muito bons artistas, mas o nosso espaço público não lhes dá suficiente importância. Banalidades: [dizemos que] é preciso um artista ser reconhecido lá fora para o ser cá dentro... Não é bem isso, não é só o reconhecimento: é ter sentido do alcance ou não alcance do que se está a fazer. Existe em certas comunidades; aqui não. Não há alcance precisamente porque não há espaço público. Estou em minha casinha, a fazer as minhas coisinhas, depois telefono a uns amigos... É terrível.”

“Na formação da inteligência, múltipla nas suas expressões, há uma inteligência que só a arte nos dá e que é fundamental. Não é por acaso que tantos filósofos aproximam a ontologia, aquilo que é o nosso ser, da produção estética. Não é por acaso. É que isto é fundamental. Ora, numa cidade inteligente, a arte existe e o discurso artístico, a problemática artística atravessa esse espaço independentemente dos interlocutores, ganha autonomia, atinge as pessoas, incluindo os que não pensam nisso. Eu, que não sou artista, tenho uma cultura artística que vem daí. E isso é um espaço público. Um espaço que vibra, que é autónomo, em que não sou eu que falo, ele fala por si e atravessa o espaço real, as conversas habituais. Nós não temos isso.”

"É interrompida, a cada instante. Saímos de um concerto, gostámos, não gostámos, e acabou ali, vamos para casa."

Há uma diatribe do [filósofo alemão Friedrich] Nietzsche de que gosto muito, contra aquilo a que ele chama os pequenos gozadores. Os pequenos gozadores afundam-se neles próprios: é o prazer imediato. Relativamente a esse outro prazer [ligado à arte], é preciso um certo ascetismo, um ascetismo que não é praticado individualmente mas que está no espaço público, que acompanha um prazer superior. Uma das coisas que impedem isso é que nós preferimos o prazer de um bom jantar, cheio de belas coisas... Bom, se são muito belas coisas passa a ser uma obra de arte... Digamos, um jantar normal...”.

“Um bitoque [risos]. Preferimos o bitoque à ideia de podermos fabricar e fruir, à ideia de agir, de ser activos [intelectualmente], que dá um prazer enorme.” Perguntou-me porque não acontece. Eu dizia-lhe: saímos de um concerto e há um buraco negro; vamos para o outro prazer, o do bitoque, do bombom. É uma constante do nosso comportamento, da nossa existência.”

E por ultimo
Vanessa Rato. “Com essa imagem o processo de crescimento na nossa sociedade fica com contornos perversos, de castração...”
José GilMas é! É-o como todo o processo de aculturação. Nós não olhamos bem para os miúdos...”

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