quinta-feira, 28 de junho de 2012

A alma gémea

Frederic Leighton O Pescador e a Sereia

“A fantasia universal de ter um gémeo (alma gémea)….
….
Segundo ela (Melanie Klein) esta figura gémea representaria aquelas partes dissociadas que o individuo deseja recuperar com a esperança de conseguir a plenitude. Tive ocasião de verificar que esta fantasia estava implícita nos estados de enamoramento ou dependência extrema de alguns indivíduos para com certas pessoas que possuiriam, por identificação projetiva, as características vivenciadas como correspondentes às qualidades perdidas. Comportavam-se às vezes, como verdadeiros dependentes destes objetos, cuja companhia procuravam desesperada e compulsivamente, com a finalidade de recuperar esses aspetos.”
León Grinberg Culpa e Depressão Climepsi

A alma gémea que muitos secretamente desejam encontrar e que com ela acreditam que irão viver um estado de simbiose, ou julgam já o ter alcançado, não é mais do que a ilusão de ver no outro, partes de nós mesmos que desconhecemos, mas que nos fazem falta para que nos possamos compreender e sentir compreendidos. Revela-se um amor narcísico.
O desejo de se complementar, na expressão do autor, é um sentimento de solidão interior que não conseguimos situar.
Nós somos inteiros e a esperança deveria estar em não vivermos em função da ideia da alma gémea, mas aprendermos a cuidar de nós próprios e a sermos capazes de integrar as características inesperadas do outro.

domingo, 24 de junho de 2012

Psicopatas




Dr Robert Hare e Dr Paul Babiak sobre Psicopatas

A frase de Anne Alvarez* sobre os psicopatas: "Nem devemos imaginar que ele está necessariamente se defendendo contra a dependência de nós ou recusando-se a ver nossa bondade. É possível que ele realmente nos veja como inúteis, porque ele tem um objeto interno inútil. Sua violência pode ter começado como uma defesa contra a dor, mas pode ter se transformado em um estilo de vida."

*Malignidade sem motivo: problemas na psicoterapia de pacientes psicopatas (disponível online).


sexta-feira, 22 de junho de 2012

A Metamorfose – Franz Kafka


"São numerosos os exemplos que mostram a participação transcendente do sentimento de culpa na produção literária de todos os tempos.
Kafka é um dos autores que mais desenvolveu o problema da culpa na sua obra, devido sobretudo aos seus próprios conflitos pessoais. É bem conhecida a difícil relação que manteve com o pai, que representou para ele uma imagem persecutória, pouco compreensiva e com características superegóicas severas. Todas as personagens kafkianas se encontram impregnadas de uma culpa persecutória muito intensa e de uma forte ambivalência face a figuras autoritárias que aumentam essa culpa. A maldição do pai “destroçar-te-ei como a um peixe” não é somente uma ameaça de castração, mas antes, assim como Rochefort*,  tem para ele a força da praga de um profeta e o sentido de uma maldição divina. O deus em que Kafka acreditava mais  parecia  ser um deus do terror. Um dos mecanismos utilizados por Kafka foi o da dissociação; ele próprio assim o reconheceu, ao afirmar: “tenho um animal curioso, herança do meu pai, metade cordeiro metade gato”. Kafka era simultaneamente gregário e solitário, suave e selvagem, dócil e rebelde, místico e de inteligência fria e calculista. A rejeição do pai, da mesma forma que o protagonista de A Metamorfose, criava nele um sentimento de culpa sem limites e sem perdão.
Rochefort* sublinha que a tentativa de Kafka de ser libertar da culpa era um esforço messiânico de o conseguir pelo vazio no absurdo.
Em A Metamorfose, o problema da culpa aparece predominantemente expresso através da linguagem corporal. Quando Gregório, o protagonista do romance de Kafka acorda uma manhã  e vê-se transformado numa barata, está já a manifestar por meio dessa metamorfose toda uma serie de conflitos psicológicos introjetados e expressos no seu corpo. Incorporou o desprezível inseto que condensa todos os aspetos negativos das imagens que o rodeiam e da sua própria personagem. Ao mesmo tempo, e recorrendo a um mecanismo regressivo, procurou desesperada e infrutuosamente controlar os seus perseguidores no corpo através da escolha de uma identidade negativa: a barata. Este recurso masochista, preço de uma culpa persecutória não elaborada, levá-lo-á inevitavelmente a sucumbir perante as suas pulsões destrutivas, encontrando finalmente a morte.”
León Grinberg Culpa e Depressão Climepsi
*Rochefort, R. 1948 La Culpabilité Chez Kafka




quinta-feira, 21 de junho de 2012

sábado, 16 de junho de 2012

Perversão e inveja

Diálogo do filme O Cisne Negro: "A única pessoa no teu caminho és tu própria"

Há autores que eu reconheço competência cujas declarações são para mim como uma obra de arte (científica) que se deve respeitar. A autora deste texto, sobre a inveja, é uma das que  admiro bastante:
"O motor do núcleo perverso é a inveja, o objetivo da apropriação. 
A inveja é um sentimento de cobiça, de irritação odienta à vista da felicidade, das vantagens de outrem. Trata-se de uma mentalidade agressiva que se baseia na perceção do que o outro possui e de que se é desprovido. Esta perceção é subjetiva, pode mesmo ser delirante. A inveja comporta dois pólos: egocentrismo por um lado e a malevolência, com vontade de prejudicar a pessoa invejada, por outro lado. Isso pressupõe um sentimento de inferioridade em relação e essa pessoa, que possui o que é cobiçado. O invejoso lamenta ver o outro possuir bens materiais ou morais, mas ele é mais desejoso de os destruir do que os adquirir. Se os tivesse, não saberia o que fazer com eles. Não dispõe de recursos para tanto. Para preencher a distância que separa o invejoso do objeto da sua cobiça, basta humilhar o outro, aviltá-lo. O outro assume assim os traços de um demónio ou de uma feiticeira.
O que os perversos invejam, antes de tudo, é a vida no outro. Eles invejam o sucesso dos outros, que os põe perante o seu próprio sentimento de fracasso, pois eles não estão mais contentes com os outros do que consigo mesmo;  nunca nada corre bem, tudo é complicado, tudo é uma provação. Eles impõem aos outros a sua visão pejorativa do mundo e a sua insatisfação crónica em relação à vida. Eles quebram todo o entusiasmo à sua volta, procuram antes de mais nada demonstrar que o mundo é mau, que os outros são maus, que o parceiro é mau. Pelo seu pessimismo, eles arrastam o outro para um registo depressivo para, em seguida, lho censurar. O desejo do outro, a sua vitalidade mostram-lhes as próprias carências.”
Marie-France Hirigoyen Assédio, Coação e Violência no Quotidiano Pergaminho

Uma fração de segundos


Fotografei hoje a flor do maracujá do meu quintal. Ficou bem do meu agrado. Tive imenso cuidado em o fazer sem lhe tocar. Poder-se-ia ressentir. Não sei se dará fruto. Mas ela precisa de outros cuidados diários - água – para viver, e não sou eu que lhes dispenso. Sou terrivelmente humana.
Olhar para ela e fotografá-la são as pequenas e importantes coisas da vida que se pretendem eternas. Poderia ter sido um momento solitário, e gratificante na mesma, mas não o foi, o que lhe acrescenta mais significado.
"Eterno é tudo aquilo que dura uma fração de segundos, mas com tamanha intensidade que petrifica e nenhuma força o resgata" Drummond de Andrade

quinta-feira, 14 de junho de 2012

A pequena chama precisa-se




Luther - New Series 2011 Trailer - BBC One


Este vídeo dos tempos modernos que retrata a vontade que às vezes nos devasta de mandar tudo pelos ares – as nossas pequenas e grandes tragédias - mas, de seguida, é importante  repor tudo num "mundo total, completo e unificado" (Hanna Segal), a começar em nós próprios.
O  que importa é nos irmos mantendo e seguirmos o conselho deixado por Hanna Segal, possivelmente, na última entrevista que deu:
"keep a little fire burning; however small, however hidden. I find this extraordinarily helpful: we live in a mad world, but for those of us who believe in some human values, it is terribly important that we just keep this little fire burning. It is about trusting your judgement, and the power of love. A little trust, and a little care". Retirada do guardian.co.uk



quarta-feira, 13 de junho de 2012

O amor do pai



O amor do pai contribui - e muitas vezes mais – para o desenvolvimento da criança do que o amor de mãe. Esta é uma das conclusões de uma investigação realizada pela equipa de Ronald Rohner da Universidade de Connecticut e publicada recentemente em Personality and Social Psychology Review, que envolveu a análise da literatura científica nesta área.
Considero este estudo importante, porque nos ajuda a compreender que embora podendo ser compassivo o amor da mãe, pode não ser suficiente para compensar o desamor do pai, e que por isso, é esperado deste, a dedicação e a satisfação na relação com os seus filhos.
A importância do amor paterno parece estar relacionada com a tendência que crianças e jovens adultos têm, de prestar mais atenção ao elemento que atribuem mais prestígio – muitas vezes o pai, o qual consideram mais influente na sua vida. Esta investigação também demostra que a necessidade de amor é universal, ou seja, não está dependente da raça ou mesmo da cultura.
Os estudos analisados também assinalam que, na sequência da rejeição, as crianças tendem a ser mais ansiosas e inseguras, assim como hostis e agressivas para os outros. A dor da rejeição, especialmente se ocorre na infância, tende a fazer-se sentir na vida adulta, ao revelar-se nas dificuldades em criar intimidade e confiança nas outras pessoas.
“Contrariamente à dor física, as pessoas na vida adulta, podem reviver a dor emocional da rejeição, vezes sem conta, durante anos,” diz Rohner.
Aceder ao estudo integral aqui e o resumo na Science Daily

Referencia: A. Khaleque, R. P. Rohner. Transnational Relations Between Perceived Parental Acceptance and Personality Dispositions of Children and Adults: A Meta-Analytic Review. Personality and Social Psychology Review, 2011; 16 (2)

segunda-feira, 11 de junho de 2012

ENTREVISTA Coimbra de Matos na RTP2


António Coimbra de Matos psiquiatra e psicanalista, ontem em entrevista na RTP2 - Câmara Clara, aqui.

domingo, 10 de junho de 2012

O ressentimento #1


Diálogo do filme A Importância de Ser Ernesto de Barnaby Thompson: “Quem ventos semeia, colhe tempestades.”
“ No ressentimento trata-se de uma determinada reação emocional face a outra reação que sobrevive e é repetidamente revivida, escavando e penetra cada vez mais no centro da personalidade. É um voltar a viver a própria emoção: um voltar a sentir, um ressentir. Em segundo lugar, a palavra implica que a qualidade desta emoção é negativa, isto é, expressa um movimento de hostilidade. Talvez a palavra rancor fosse mais apropriada para indicar este elemento fundamental da significação. O rancor é, com efeito uma zanga retida, independente da atividade do Eu, que cruza o obscuro da lama e acaba de formar-se quando os sentimentos de ódio ou outras emoções hostis revivem repetidamente; não contém todavia nenhum desígnio hostil determinado, mas nutre com o seu sangue todos os desígnios possíveis deste tipo. O ressentimento é uma autointoxicação psíquica, com causas e consequências bem definidas.”
M. Scheler “El Resentimento en la moral” Buenos Aires México 1944
Mergulha-se nesta forma de ser que transfigura-nos.  Nega-se a realidade da passagem do tempo, num diálogo quotidiano com o sentimento de traição e com a convicção que o que aconteceu, não deveria ter acontecido. Acusa-se o outro, da inconsciência do risco comum. Entregamo-nos ao elogio de um conflito que nos parece, ou queremos que seja, inegociável. O que nos move, continuar, somente continuar. Mas só queremos nos sentir em paz.
Este ressentimento pode ser também por alguém que já faleceu. A zanga está em nos ter deixado, numa falta que julgamos, de momento, inconsolável. Mas também pode manifestar-se sobre nós próprios, por não sermos quem gostaríamos.  À medida que diminui o ressentimento, aumenta a preocupação e a responsabilidade.


Podemos chamar psicopata a uma criança de nove anos?


Fazem birras com uma intensidade que ultrapassa o razoável. Mas também sabem esperar pelo momento certo para retaliar. E parecem imunes às emoções que provocam nos outros. Chamam-lhes crianças duras-indiferentes e podem tornar-se adultos violentos (Elinor Carucci ).
"Normalmente, quando um menino de dois anos empurra a sua maninha mais nova e ela chora, e os pais ralham, essas reacções fazem o miúdo sentir-se desconfortável", "E esse desconforto impede-o de o repetir. A diferença com os miúdos duros-indiferentes é que eles não se sentem desconfortáveis. Por isso não desenvolvem a mesma aversão ao castigo ou à experiência de magoar alguém." “É em parte o que leva as crianças pequenas a portarem-se bem” Dan Waschbusch, - investigador da Universidade Internacional da Florida.
Ou seja, apresentam "três pontos principais - primazia do agir, ausência de conflito, incapacidade de transferência - parecem definir não só um comportamento, mas também uma organização específica que fica inscrita desde muito cedo"  Jean Bergeret. Como refere Robert Hare "A psicopatia na infância é pura realidade."
O artigo de Jennifer Kahn “Can You Call a 9-jears - Old a Psychopath” no The New York Times, aqui.

 Paul Bloom - professor de psicologia na Universidade de Yale:

quinta-feira, 7 de junho de 2012

A última palavra dos Lusíadas

Dsconhecia até há bem pouco tempo que a última palavra dos Lusíadas é inveja.
Confesso que lembrei-me hoje, a propósito das críticas injustas e inoportunas, à nossa seleção de futebol:

“...
Da sorte que Alexandro em vós se veja
Sem à dita de Aquiles ter enveja.” (Canto X )
Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões

domingo, 3 de junho de 2012

O que precisamos

Harry Callahan Eleanor Chicago 1947 Fotografia 

Connosco
“Sabia que essa pequena chama era a minha consciência, a única luz que possuía. O conhecimento de mim mesmo era o único e o maior tesouro que possuía. Apesar de infinitamente pequeno e frágil comparado aos poderes da sombra, era uma luz, a minha única luz.”
C. G. Jung Memórias Sonhos reflexões Editora Nova fronteira

Com os outros
“E se quero algum poder? Sim: o de ser ouvido quando peço a atenção. É só esse em suma, o que toda a gente quer do nascimento à morte.
Tão simples como isso: que tenhamos o direito de existir - cá fora e na mente de quem gostamos. Isso não é mentira, é toda e só a verdade."
António Coimbra de Matos Relação de Qualidade, Penso em Ti Climepsi

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Ideias fixas


Haring Keith, 1982

“…o sujeito por intolerância à frustração tentando evitar a todo o custo a dor mental, arranja uma forma especial de pensamento – extremamente rígido – ao colocar-se sempre numa determinada perspetiva, acomodando tudo o que vem do exterior, todo e qualquer pensamento diferente, àquilo que lhe convém, invertendo sempre habilmente as coisas.”
Maria de Fátima S. Cabral Pensar a Emoção

Julgo que muitos de nós se confrontam no dia-a-dia, em particular em certos ambientes profissionais, em que se lança uma ideia renovada (quando é possível se expor ideias), a qual é rejeitada de imediato, ou com um prazer inconfessado, é recusada com um argumento após outro, que tal já foi posto em prática.
São múltiplas as variantes que poderiam ilustrar o texto apresentado, também na vida pessoal e social, em que, tal como numa atitude perversa, pode-se saber mas recusa-se a abertura ao conhecimento,  à ligação ao outro e ao mundo de um modo diferente e que poderia ser potenciador de crescimento pessoal. Mas contrariamente, esta rigidez de ideias é apresentada por vezes, com vaidade, a vaidade da ignorância, e como sinal de firmeza e rigor.
O novo mete medo. Provoca que nos confrontemos com a possibilidade do nosso insucesso. É um terreno deslizante no qual se podem perder as coordenadas. Não se confia que se seja capaz de enfrentar esta incerteza, porque não se é capaz de lidar com uma dor que não se sabe nomear. Não se está preparado para o amor à vida e ao conhecimento, porque se está psicológicamente doente.

Freud e as mulheres



“Nesta descrição da vida amorosa todo o parti pris de rebaixar a mulher me é estranho....Mais, estou a ponto de admitir que existe uma quantidade de mulheres que amam segundo o tipo masculino e desenvolvem igualmente uma sobrevalorização sexual própria deste tipo.” (Freud, 1914)
"Freud assume uma atitude de fascínio pela mulher, atribuindo-lhe um estatuto de grande desproteção e fragilidade, em que ele responsabiliza a sociedade da época, considerando que o tipo de relação de objeto, narcísico, pelo qual a mulher opta corresponde a uma compensação dessa falta. Considera no entanto que algumas podem optar pela escolha de objeto masculina. Nestas posições, Freud não considera a mulher na sua originalidade e diferença, sendo definida sempre em comparação com o masculino."
Teresa Flores Narcisismo e Feminilidade Climepsi.