sexta-feira, 22 de junho de 2012

A Metamorfose – Franz Kafka


"São numerosos os exemplos que mostram a participação transcendente do sentimento de culpa na produção literária de todos os tempos.
Kafka é um dos autores que mais desenvolveu o problema da culpa na sua obra, devido sobretudo aos seus próprios conflitos pessoais. É bem conhecida a difícil relação que manteve com o pai, que representou para ele uma imagem persecutória, pouco compreensiva e com características superegóicas severas. Todas as personagens kafkianas se encontram impregnadas de uma culpa persecutória muito intensa e de uma forte ambivalência face a figuras autoritárias que aumentam essa culpa. A maldição do pai “destroçar-te-ei como a um peixe” não é somente uma ameaça de castração, mas antes, assim como Rochefort*,  tem para ele a força da praga de um profeta e o sentido de uma maldição divina. O deus em que Kafka acreditava mais  parecia  ser um deus do terror. Um dos mecanismos utilizados por Kafka foi o da dissociação; ele próprio assim o reconheceu, ao afirmar: “tenho um animal curioso, herança do meu pai, metade cordeiro metade gato”. Kafka era simultaneamente gregário e solitário, suave e selvagem, dócil e rebelde, místico e de inteligência fria e calculista. A rejeição do pai, da mesma forma que o protagonista de A Metamorfose, criava nele um sentimento de culpa sem limites e sem perdão.
Rochefort* sublinha que a tentativa de Kafka de ser libertar da culpa era um esforço messiânico de o conseguir pelo vazio no absurdo.
Em A Metamorfose, o problema da culpa aparece predominantemente expresso através da linguagem corporal. Quando Gregório, o protagonista do romance de Kafka acorda uma manhã  e vê-se transformado numa barata, está já a manifestar por meio dessa metamorfose toda uma serie de conflitos psicológicos introjetados e expressos no seu corpo. Incorporou o desprezível inseto que condensa todos os aspetos negativos das imagens que o rodeiam e da sua própria personagem. Ao mesmo tempo, e recorrendo a um mecanismo regressivo, procurou desesperada e infrutuosamente controlar os seus perseguidores no corpo através da escolha de uma identidade negativa: a barata. Este recurso masochista, preço de uma culpa persecutória não elaborada, levá-lo-á inevitavelmente a sucumbir perante as suas pulsões destrutivas, encontrando finalmente a morte.”
León Grinberg Culpa e Depressão Climepsi
*Rochefort, R. 1948 La Culpabilité Chez Kafka




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