sábado, 15 de janeiro de 2011

Francisca Rebocho

Francisca Rebocho, de 30 anos, psicóloga, especialista em crimes sexuais, doutorada na Universidade do Minho, deu uma entrevista a Teresa Firmino, do Jornal Publico, publicada a 14 de Janeiro de 2011 a propósito do assassinato de Carlos Castro.
A crer nos relatos de tablóides norte-americanos, o corpo do cronista social Carlos Castro foi agredido, durante mais de uma hora, com um saca-rolhas e os órgãos genitais e globos oculares foram mutilados.

Transcrevo partes dessa entrevista, não com o objectivo de compreendemos o comportamento do suspeito no homicídio, Renato Seabra, mas sim com o propósito de registar algumas questões referentes à psicopatologia. Por esta razão, exclui quaisquer alusões directas ao eventual comportamento do suspeito.

Sobre as mutilações dos olhos
A mutilação dos olhos é bastante mais rara do que a dos órgãos genitais. Em qualquer das situações, é um homicídio com motivação sexual.
Na literatura científica, a mutilação dos olhos quase não é abordada. Francisca Rebocho, deparou-se só com um único estudo publicado em 1999, na revista Journal of the American Academy of Psychiatry and Law. E esse artigo baseia-se só em dez casos na Rússia e nos Estados Unidos.
É um fenómeno extremamente raro. Deve haver outros dados, mas não estão tratados. Os dez casos são todo o universo que há, não são uma amostra. Isto diz-nos da raridade deste comportamento e do seu valor interpretativo, realça a psicóloga, especializada em perfis psicológicos e geográficos.

Nos dez casos (cinco dos agressores eram psicopatas, um tinha uma deficiência mental e os restantes quatro eram psicóticos), a equipa do russo Alexander Bukhanovsky, que incluía cientistas americanos, estudou a patologia mental dos agressores, a idade, o género, a motivação para o crime ou o instrumento usado: Os resultados indicam que a mutilação dos globos oculares, extremamente rara, é mais frequente em ofensores psicopatas ou psicóticos, do sexo masculino, com idades entre os 20 e os 30 anos. Este tipo de mutilação surge na quase totalidade dos casos no contexto de um homicídio sexual, com uma motivação associada à raiva, sendo as armas de eleição instrumentos afiados. Em cerca de metade dos casos, ocorreu mutilação de outras áreas corporais.

Sobre a raiva
Numa análise comportamental, este crime sugere uma clara motivação sexual e afectiva, com grande libertação de raiva. A duração sugere a libertação de uma raiva acumulada, dado que a maioria dos crimes motivados pela raiva é caracterizada pela breve duração.
O tipo de mutilação envolvida, associado à duração, a escolha de uma arma de oportunidade e a opção pelo estrangulamento como modo de matar, são indicadores do que o FBI descreve como um ofensor desorganizado - na maioria dos casos, são sujeitos portadores de patologia mental severa do espectro psicótico.

Sobre um possível surto psicótico
Estes doentes vivem num mundo diferente quando deliram, o que pode durar dias ou semanas, e nessa fase podem ser perigosos para si e os outros. É como se tivessem umas lentes especiais para ver o mundo. Nos filmes, por vezes vemos doentes psicóticos com medo que os vizinhos lhes roubem os pensamentos. E aparecem com papel de alumínio na cabeça, conta, explicando que há vários subtipos de psicose, como a esquizofrenia e a paranóide.
Às vezes, uma crise psicótica começa com alterações dos sentidos, que duram horas ou dias. Noutros casos, o surto é fulminante e as pessoas ficam espantadas como aquilo aconteceu.
Estes primeiros surtos tendem a surgir (na juventude) podem levar a crimes violentos, caracterizados pela bizarria e violência exacerbada, com presença relativamente frequente de mutilação dos genitais.
Mas, como há excepções, pode ser um  indivíduo normal que teve um acesso de raiva excessiva por alguma razão. Geralmente, esses crimes são breves e não envolvem mutilação dos genitais. As pessoas acumulam muito stress e raiva, passam-se da cabeça e cometem um crime. Há violência extrema, mas abrange todo o corpo. Não é apontada a zonas específicas.

Sobre a motivação contra-fóbica
Outra hipótese ainda é a mutilação dos genitais ter tido uma motivação contra-fóbica em relação à homossexualidade. Ou seja, o agressor, um homossexual em negação ou em conflito interno quanto à sua sexualidade, fez tudo ao seu alcance para controlar esses impulsos. Sentiu-se mal, acumulou raiva contra si e os outros homossexuais e, face a um acontecimento que induziu stress acrescido, cometeu o crime num acesso de fúria.
Ou, ainda, pode ter tido uma motivação homofóbica. Kim Rossmo, da Universidade Estadual do Texas, contou um exemplo desse comportamento a Francisca Rebocho, descrevendo-lhe uma cena de crime com um cadáver deitado no sofá, estrangulado, com os genitais amputados e inseridos na boca, os braços sobre o peito numa pose ritualista e cortes verticais na face. Este crime resultou do avanço de um homossexual, a vítima, a um heterossexual, o agressor, ao ponto de o ofensor ir a casa da vítima e lhe amputar os genitais, como forma de neutralizar aquilo que percebia como uma ameaça. Introduziu-lhos na boca como forma de expressar repulsa pelas práticas sexuais homossexuais.

Sobre psicopatas
Uma hora a bater num indivíduo não é um comportamento psicopata. Os psicopatas são instrumentais na maneira como cometem o crime: é para matar. Podem pretender torturar, mas é de forma sistemática e organizada. Neste caso, a mutilação foi grosseira.

Entrevista  de Clara de Sousa, na RTP ao Psiquiatra e Psicanalista Carlos Amaral Dias, aqui.

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