terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O crime de Dorian Gray


O belo Dorian Gray, a personagem narcísica do romance de Oscar Wilde – O Retrato de Dorian Gray - é confrontado pelo seu amigo Basil Hallward com as acusações que correm nos salões da sociedade, de que Dorian tornara-se uma pessoa indecente perante a qual, nenhuma mulher casta, jovem ou cavalheiro, poderia partilhar a mesma sala. Nesta discussão, Basil revela não acreditar que Dorian fosse capaz de perder a noção de honra, e insiste que este se defenda das calúnias. 

Mais adiante na discussão, Basil retoma o relato sobre o capital social que Dorian tinha no passado, e as desditosas situações em que o seu nome tem sido envolvido, a que:
Dorian avisa-o : Tenha cuidado, Basil. Está-se adiantando demais.
Ao que Basil responde: “Hei-de falar, e você há-de ouvir-me. Tem de me ouvir.”

Basil volta a questionar-se incrédulo, como podem ter fundamento as acusações, e conclui que para se assegurar da verdadeira natureza de Dorian, teria de lhe ver a alma. A emoção que este comentário despertou em Dorian foi de medo, pelo que responde:

Dorian: Vou mostrar-lhe a minha alma. Verá coisas que mal imagina que o próprio Deus possa ver.
Hallward recuou: - É uma blasfémia, Dorian! – exclamou. – não deve dizer coisas dessas. São horríveis, nada significam.
Dorian:  Acha?
Riu-se de novo.
Hallward: Sei que assim é. Quanto ao que lhe disse há pouco, disse-lho para seu bem. Sabe que sempre foi seu amigo dedicado.
Dorian: Não me toque. Acabe o que tem a dizer.... Tenho um diário onde está a minha vida. Mostrar-lhe-ei, se vier comigo.

Basil acompanhou Dorian. Dai a pouco, Basil era morto por Dorian, com uma faca na grande veia por trás da orelha, e, esmagando-lhe a cabeça contra a mesa, vibrou-lhe facadas à doida.

Que direito tinha Basil Hallward a falar-lhe como lhe falara? Quem, o arvorara em juiz dos outros? Dissera coisas terríveis, pavorosas, insuportáveis…, pensa Dorian.

Neste cenário de discussão, estão patentes as características do sujeito narcísico: a omnipotência e a grandiosidade que se expressam, nomeadamente, no diálogo sobre a alma – ninguém tem acesso à sua intimidade que está ao nível do divino. A dificuldade em lidar com o confronto, é também uma manifestação do seu sentimento de superioridade, ou da sua fragilidade.
Dorian também se manifesta incapaz de reconhecer a verdadeira preocupação do amigo.
Basil pretendia ajudá-lo a redimir-se, mas Dorian recorre a uma demonstração do ódio. Basil não compreende que Dorian possa ter um falso self - ter uma personalidade delicada e gentil em certos contextos e ser outra pessoa em outros.

Percebido este diálogo como uma metáfora, todos nós podemos ser um pouco desta personagem de Dorian, ao fantasiarmos que nos devem aceitar sem crítica, e a não acreditarmos que possam gostar de nós apesar do que somos.

Jeremy Holmes, Narcisismo, Almedina



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