sexta-feira, 4 de maio de 2012

ENTREVISTA a Helena Marujo #2

Entrevista de Inês Menezes a Helena Marujo, doutorada em Psicologia na área de Psicoterapia e Aconselhamento Educacional e professora na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa e do Mestrado em Psicologia Escolar da Universidade do Minho. Esta entrevista foi publicada no Suplemento X do Publico  a 10 de Fevereiro de 2007. Apresenta-se a 2ª e ultima parte. A 1ª parte já se encontra publicada, na Etiqueta Entrevistas.


Poderá ser uma espécie de herança cultural que passou a fazer parte do nosso código genético?
H. M: Sim, por um lado faz parte da espécie humana e da luta pela sobrevivência, embora com especificidades e diferenças entre culturas. Nalguns países, como por exemplo Portugal, desenvolveu-se uma grande sensibilidade para o que é negativo. Nestes, os níveis de felicidade das pessoas são, do ponto de vista social, baixos. (Ao contrário dos países da América Latina, onde a tendência é para haver níveis de felicidade mais elevados.)

Talvez seja esse o motivo pelo qual se dá cada vez mais atenção à construção da felicidade?
H.M: Sabemos hoje que existem fatores importantes no aumento dos níveis de felicidade, e que esses fatores têm a ver com algumas ações que estão sob o nosso controlo. Ou seja, muitas pessoas com experiências de vida dolorosíssimas são capazes de manter os seus níveis de felicidade elevados e até de utilizar essas experiências (muitas vezes demasiado difíceis) para se transformarem positivamente.

O que podemos então controlar?
H.M: Sabemos hoje o poder que têm, em termos cognitivos, as emoções positivas. Há, neste momento, programas de intervenção em vários países com o intuito de ensinar as pessoas, em várias etapas da sua vida, a serem capazes de fazer uma reestruturação cognitiva dos seus pensamentos, usando-os de forma mais saudável, de forma a atingir um maior equilíbrio emocional. Para além disso, estudiosos do assunto chegaram à conclusão que, quando vivemos emoções positivas, seja através do riso, quando vemos um filme que nos impressiona e agrada ou durante uma conversa muito estimulante, aumentamos a nossa capacidade de resistência ao stress e, consequentemente, a capacidade de resolução de problemas.

Como podemos transformar as emoções negativas em acontecimentos positivos?
H.M: Alguns autores dizem que uma das abordagens importantes para conseguir essa mudança e essa capacidade de resiliência e resistência ao pior da vida, se processa através das nossas cognições e da gestão das nossas próprias emoções.

E todos possuímos essa capacidade?
H.M: Este tipo de competências treina-se. Para além da propensão genética e das experiências de vida, temos sempre capacidade de refletir e descobrir o que é melhor para nós, potenciando o nosso lado mais saudável. As pessoas com tendência para a depressão não são capazes deste tipo de atitude, pois centram-se no negativo da vida. É necessário saber distinguir e ter plena consciência de quais são os pensamentos, as emoções e os comportamentos que nos fazem bem e mal para, depois, escolher.

Algumas pessoas parecem não ser capazes de escolher o lado mais saudável?
H.M: Podem não ter capacidade ou, do ponto de vista relacional, aperceberem-se que esse estado de incapacidade, de vitimização ou doença, tem mais ganhos do que se derem a volta à vida. Para dar um exemplo, pensemos nas famílias pobres. Se estas forem muito resilientes perante os técnicos, têm menos hipóteses de conseguir apoios. Há um jogo, por vezes muito complexo e paradoxal, em que as pessoas escolhem, nalgumas situações e de forma inconsciente, o papel de vitimização ou doença como forma de se relacionarem com o mundo, pois dessa forma têm mais ganhos do que mostrando-se fortes. Muitas vezes tornam-se protegidas pelos outros, ou captam mais a sua atenção.

Temos sempre duas opções: lutar ou desistir?
H. M: É verdade, embora a nossa capacidade de escolha esteja sempre ligada ao meio que nos rodeia. Mas há, de facto, pessoas que escolhem a infelicidade, pois estão constantemente com um discurso dramático de vitimização, e absorvem dos meios de comunicação o negativismo da vida em geral. Mas, insisto, para haver esta escolha, alguma coisa no percurso de vida da pessoa a fez sentir que há menos ganhos com a felicidade.

O que é um processo aparentemente doentio...
H.M: Se pensarmos em termos de Curva de Galles temos as pessoas que estão em florescimento (palavra que se usa atualmente para designar saúde mental positiva), que apreciam a vida, que estão envolvidas em projetos que lhes fazem sentido, que sabem por que estão na vida e o que dela querem e, no outro extremo, temos as doenças mentais. Mas, no meio disso, existem vidas vazias, estagnadas e sem qualquer sentido. As pessoas, na sua maioria, encontram-se entre o extremo de sentirem que a vida é uma maravilha, que são muitos felizes, que adoram tudo à sua volta e a vida com pouco sentido. As pessoas que escolhem a infelicidade ou estão perto da doença mental ou caminham para lá. É cada vez mais importante estar atento aos jovens, pois alguns estudos demonstram que muitos sentem a sua vida sem sentido, vazia. E, quando isso acontece, o mais provável é tentarem enchê-la com consumos, comportamentos de risco, etc.

E podemos mudar essa perceção de vida sem sentido?
H. M: Uma das abordagens que parece aumentar os níveis de felicidade das pessoas está ligada à consciência profunda das escolhas de cada um, de tudo o que se passa dentro e fora de si. Algumas das propostas que existem nos programas de aumento de felicidade visam treinar as pessoas a estarem mais atentas tanto ao seu interior como ao que se passa fora de si, aumentando o nível de consciência da vivência do momento presente e introduzindo estratégias pontuais que mostraram aumentar o nível de emocionalidade ou felicidade.

Que estratégias são essas?
H.M: Algumas já foram testadas e aumentam, de facto, os níveis de felicidade. O exercício mais conhecido, conhecido como o das três bênçãos, consiste no seguinte: inventariar diariamente três coisas que me fizeram feliz naquele dia; perceber qual o meu contributo para que essas coisas acontecessem (é muito importante introduzir o elemento de controlo sobre o destino - este é, alias, um elemento presente na vida de muitas das pessoas mais felizes, pois sentem que têm as rédeas da sua vida); e fazer um treino imagético de antecipação do que penso que me poderá acontecer de positivo no dia seguinte.

O que implica mudar o discurso e o olhar sobre a realidade de uma forma quase radical?
H.M: Este exercício, testado por Martin Seligman em milhares de pessoas durante os últimos três ou quatro anos, tem demonstrado um efeito extraordinariamente benéfico, aumentando de forma muito rápida os níveis de felicidade, pois ensina as pessoas a reconhecerem que há coisas boas na sua vida.

As pessoas negativas ou deprimidas são capazes de o fazer?
H.M: Algumas sim, outras precisam de ajuda técnica especializada. O mais importante é que as pessoas percebam que podem, a qualquer momento, escolher o destino da sua vida. Claro que se pode estar numa situação, do ponto de vista emocional, tão deteriorada que nem se consegue sentir que existe escolha e que é possível encarar a realidade de outra forma, e actuar de forma diferente.

Independentemente das circunstâncias em que vivemos, podemos sempre transformar a nossa vida, mesmo que nada à volta favoreça?
H.M: Exatamente. Se formos cada vez mais capazes de pensar sobre aquilo que nos faz sentir bem, teremos mais hipóteses de aumentar a nossa flexibilidade cognitiva intelectual, tornando-nos mais capazes de visualizar a resolução de determinados problemas. É um jogo permanente. Quem está do lado negativo da vida, promove um ciclo vicioso, em que nada de bom acontece.

Urge, então, o recurso à terapia?
H.M: Estas intervenções visam promover ciclos viciosos. Como saio então das situações de vida dolorosa? Reconhecendo, em primeiro lugar, que o sofrimento é democrático e que o grau de sofrimento experimentado individualmente é, muitas vezes, independente das experiências e circunstâncias de vida. Toda a gente vive dor e sofrimento, perda e frustração.

Em termos de felicidade, os acontecimentos continuam a ter menos importância do que a atitude?
H. M: Inevitavelmente. Está provado que o lado material, por exemplo, não é assim tão importante como julgamos, em termos de bem-estar e felicidade. Depois de garantido o acesso mínimo a bens materiais, em termos de alimentação, casa, emprego, educação e saúde, deixa de haver relação direta entre o aumento dos níveis de felicidade e o aumento de bens materiais.

Porque se mantém então a ilusão entre consumo e felicidade?
H. M: Vivemos numa sociedade de consumo, onde somos permanentemente convencidos de que seremos mais felizes se consumirmos mais. Curiosamente, quando lhes perguntamos o que as faz felizes, as pessoas raramente referem o consumo. Estarmos envolvidos numa atividade, exercitando ao máximo as nossas competências, com a máxima motivação, envolvimento e prazer, parece ser um dos ingredientes da felicidade. Infelizmente, existe ainda um enorme paradoxo entre aquilo que faz as pessoas felizes e as suas opções de vida. É necessário mudar este cenário. Precisamos de ajudar as pessoas a perceberem que têm de estar mais atentas e mais capacitadas para a descoberta do que as faz felizes (e esta é uma escolha individual), aumentando depois as hipóteses dessas coisas acontecerem nas suas vidas.

FIM





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