segunda-feira, 26 de março de 2012

O sentido da vida #1

Gustavo Fernandes Elementos Naturais ( aqui )

ENTREVISTA a António Francisco Mendes Pedro (1ª Parte)

Da autoria de Ana Vieira de Castro publicada no Suplemento XIS do Jornal Público a 24.7.06, com o título O Sentido da Vida
Dados de 2006: O Prof Dr. António Francisco Mendes Pedro é professor de Psicologia e Psicossomática no ISPA; pertence à Sociedade Portuguesa de Psicossomática e ao Centro Kairos – Psicologia, Psicossomática e Filosofia.

Para si, o que é o sentido da vida?
AFMP: O sentido da vida talvez se encontre na própria vida, na forma como a vivemos. Podemos descobri-lo, descobrindo a vida. Também lhe podemos dar sentido a partir de explicações e compreensões verbais, intelectuais. Mas o que interessa é descobrir o sentido que as coisas têm para nós. Isso é uma procura que eu sinto estar ligada às coisas pequenas da vida, implícitas a ela própria. Quando, por exemplo, gostamos de uma pessoa, temos a possibilidade de partilhar com ela sentimentos, intimidades. Tudo isso tem um sentido que depois se revela em pequenas coisas como uma troca de olhares ou um gesto que nos leva espontaneamente a oferecer um presente. Quando os nossos filhos vêm ter connosco numa situação difícil, de emergência, estamos ali à disposição deles. Então sinto que a vida tem sentido quando, juntamente com eles, descubro qualquer coisa que os move, que os faz andar. São estes pequenos fait-divers que fazem sentido, não são grandes discursos intelectuais.

São coisas simples?
AFMP: Muito simples. Quando, por exemplo, recebo um paciente que está deprimido ou que tem um problema e eu estou a escutá-lo, há pequenos gestos meus, um olhar, uma palavra, às vezes uma mão no ombro no fim da sessão, gestos espontâneos que ganham sentido numa relação. É qualquer coisa mais do que os grandes discursos, através da qual descobrimos que, afinal o outro se interessa por nós.

Que é uma forma de afeto, uma emoção?
AFMP: Sim, são sentimentos que partilhamos, experiências vividas, coisas que nos tocam. Acho que o sentido da vida passa muitas vezes por isto. São emoções não-verbais do quotidiano, que nos permitem dar sentido às grandes questões. Na realidade, isto é que é importante. Não vejo que a vida possa ter sentido se nós nos posicionamos nela sozinhos. O sentido da vida é construído na relação que temos com os outros através da partilha. O sentido é-nos revelado pela possibilidade de nos interpretarmos pelos afetos, pelos sentimentos.

Isso que não se vê mas que se sente, virá do inconsciente, será uma forma de empatia, de fluxo de energia?
AFMP: É construído no conhecimento implícito. Há material que pode vir das fantasias, dos fantasmas, do inconsciente, mas dou muita importância às pequenas coisas que são implícitas e que a certa altura se tornam objeto da nossa reflexão e que entram no campo da nossa consciência. E que muitas das vezes provêm da maneira como nos fomos construindo, da nossa história, ao longo da vida. Dou importância ao que se passou na nossa vida mais precoce, nomeadamente nos vínculos com a nossa mãe e o nosso pai. Um bebé adora ser tratado, acarinhado, cuidado e, quando isso é feito com harmonia, de uma maneira responsiva e não intrusiva, cresce com criatividade e espontaneidade. O bebé sente-se bem, a vida tem sentido para ele, na medida em que é correspondido. Ser ou não ser correspondido constrói tudo, e faz com que mais tarde tenhamos sentimentos de autoestima e confiança ou de insegurança, o que nos leva, neste ultimo caso, por exemplo a evitar as relações.

A solidão não favorece, portanto, a descoberta de um sentido na via?
AFMP:Por vezes, as relações magoam as pessoas. E elas procuram, uma fuga para a solidão, encontrar um terreno mais neutro que lhes permita sobreviver. É compreensível, mas na solidão ficamos no nosso “buraco”. O que nos permite redescobrir o motivo porque estamos vivos e a razão de estarmos aqui, neste mundo é a relação com os outros. É o amor que nos salva. O reflexo do olhar encantado do outro dá-nos vontade de viver. É evidente que há pessoas que têm mais interioridade que outras. Não temos de andar a esvair-nos em relações superficiais. Estas não nos conduzem a lado nenhum. O que é substancial é a intimidade partilhada. Permite-nos encontrar a alegria, o entusiasmo. É claro que precisamos de momentos de reflexão e fantasia pessoal, e de nos encontrarmos connosco, de não nos deixarmos evadir pelos outros. Mas é nas relações verdadeiras que a vida tem mais possibilidade de fluir. É aí que encontramos qualquer coisa que nos dá gosto de viver, que nos leva a identificarmo-nos connosco próprios.

(Continua)

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