quarta-feira, 28 de março de 2012

O sentido da vida #2

Gustavo Fernandes Ampulheta Biológica

ENTREVISTA a António Francisco Mendes Pedro (2ª Parte e última)
Da autoria de Ana Vieira de Castro publicada no Suplemento XIS do Jornal Público a 24.7.06

Dados de 2006: O Prof Dr. António Francisco Mendes Pedro é professor de Psicologia e Psicossomática no ISPA; pertence à Sociedade Portuguesa de Psicossomática e ao Centro Kairos – Psicologia, Psicossomática e Filosofia.

Havendo tanta solidão e tantos problemas mal resolvidos podemos imaginar que falte o sentido da vida a muita gente….Como psicanalista tem eco dessa carência?
AFMP: Por vezes ficamos prisioneiros de momentos do nosso passado, isolando-nos e perdendo-nos, e com isso perdemos o sentido da vida. Julgo que todos tivemos ou teremos dificuldades, depende de cada um. Mas podemos partilhar a solidão, o desamparo, a revolta. A questão está em encontrarmo-nos, em abrirmo-nos à dimensão da relação com os outros, dando determinados passos e tendo a sorte de encontrar pessoas com quem tudo é possível de ser falado, sem tabus. É bom encontrar pessoas com que podemos fazer mudanças, pôr as coisas em causa.

Com a sua profissão a possibilidade de aprender é constante
AFMP: Na verdade aprendo tanto com os meus pacientes como eles aprendem comigo. Tenho esse sentimento profundo. Fui educado numa visão mais paternalista, em que o analista era visto como tendo uma dimensão de autoridade, em que os outros nos olhavam como “aquele que sabe”. Mas na realidade todos sabemos pouco, professores, psicanalistas, terapeutas, cientistas e artistas. O mundo é complexo e nós estamos continuamente a aprender profundamente. Hoje em dia tenho esse sentimento. Gosto muito da minha vida profissional e pessoal porque estou sempre a descobrir coisas com as pessoas. Não digo isto com uma boutade. É verdade.

É bom que assim seja. Revela compreensão.
AFMP: Revela a realidade, sem estarmos a escamotear e a escondermo-nos atrás dela. Porque a nossa tendência, quando nos dizem aquilo de que não gostamos, é defendermo-nos. Mas por aí não vamos a lado nenhum. Devemos perguntarmo-nos: “o que se passa comigo?” “Que será que não estou a perceber?”. E sobretudo:” O que será que não estou a sentir?” E depois reparamos que as pessoas nos dizem coisas que fazem sentido. Que nos exigem ajustamentos.

E as relações exigem-nas constantemente.
AFMP: As relações que correm bem são aquelas em que mesmo em momentos de crise mantêm a possibilidade do encontro com o outro. Isso é o sentido profundo da intimidade. Então em vez de diminuir, o nosso campo de relação aumenta. E isso é o que distingue as relações interessantes das que não o são.
Todas as relações passam por crises pessoais, profissionais e amorosas, mas alguns de nós aproveitamos esses momentos para ir mais ao fundo das coisas, para criar mais intimidade. E isso é fantástico, aí a vida torna-se interessante. A vida é para ser vivida com gosto.

Pensa na morte?
AFMP: Não passo o dia a pensar na morte. Interesso-me pela vida. Ela contém muitos interesses e devemos utilizar a nossa energia para a aproveitar, para usufruir as relações da vida, do amor e do carinho, e para cuidarmos dos outros. Às vezes sinto que as pessoas não mostram nenhuma emoção. Têm sentimentos impessoais, abstratos. Representa uma grande defesa para além de estarem desligadas da vida.

E porque se desligam da vida?
AFMP: As explicações intelectuais e religiosas, que vêm nos grandes tratados, podem tornar-se totalitárias, porque podem afastar-nos da relação com os outros.
Acontece quando temos uma explicação para tudo, e vemos a vida com um sentido intelectual. Mas, na realidade não nos encontramos com os outros.

Isso é muito comum.
AFMP: Mesmo na própria psicanálise tendemos a usar cartilhas. Temos um modelo que aplicamos. Damos sentido às pessoas de acordo com as nossas grelhas. E aquilo toca intelectualmente na pessoa mas não a muda, não opera nela porque não vem de dentro. A razão está no fato de não haver intimidade partilhada. Há apenas construções. E, em vez de melhorarem, as pessoas pioram, porque ficam mais defensivas e têm explicações para tudo. Mas depois na vida do dia a dia, que é onde as dinâmicas se exprimem, no momento presente, as coisas falham. Temos “racionalidades”, mas os outros passam-nos ao lado. Os filhos, os amigos, as pessoas que vivem perto de nós.

Como explica que, embora intelectualizando a vida, alguns vão mantendo esse sentido?
AFMP: Normalmente a razão está em harmonia com o sentimento. Mas há pessoas que dão sentido racionais em vez de irem descobrindo o sentido intimo das coisas. Para mim há dois grandes grupos de pessoas: as que se relacionam com os outros para se servirem deles – são muito narcísicas, utilizam os outros para se auto-engrandecerem e, no fundo, estão sempre a pensar em si próprias-, e depois há as outras, que têm um sentido real e verdadeiro pelos outros, e que agem com espontaneidade e naturalidade.

FIM

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