Entrevista de Paula Torres de Carvalho a António Coimbra de Matos, publicada no Jornal Publico a 30 de maio de 2000, com o título Quanto menos se sofrer melhor.
De momento, da extensa entrevista publica-se uma 1ª Parte:
´´E um dos mais distintos psicanalistas portugueses. Hoje, na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, vai dar a sua última aula, subordinada ao tema Identidade, Desenvolvimento e Transformações.
Mas ainda não será desta que António Coimbra de Matos se vai reformar. Por sua vontade continuará a trabalhar como medico psiquiatra e psicanalista, a atividade que mais se tem distinguido ao longo da sua vida.
Professor há 17 anos, antónimo Coimbra de Matos retira-se, agora aos 70, permanecendo como referencia para muitos dos que foram seus alunos. Natural de uma aldeia do Douro, fez formação académica no Porto, onde tirou a especialidade de psiquiatria, iniciando, de seguida, a sua formação analítica. É pai de dois rapazes e de uma rapariga e tem dois netos de sete e quatro anos com quem faz questão de passear e brincar.
Público – Qual é a sua disposição em véspera da última aula?
ACM – não sinto nada de muito especial …é uma transição da minha vida pessoal, profissional. Mas vou continuar a trabalhar, a fazer clínica, a trabalhar em colóquios culturais e científicos…embora sem aquela obrigatoriedade…
Público – Isso dá-lhe alívio ou deixa-lhe alguma pena?
ACM- Deixa-me alguma pena, especialmente pelo contacto com os alunos. Mas como não é uma quebra total, de certo modo dá-me algum descanso.
Público – Foi um bom professor?
ACM- Não sei, os alunos é que poderão dizer.
Público – De que se orgulha?
ACM- Não sou uma pessoa de sentir um orgulho pessoal…mas gosto de ser professor, gosto de dar aulas, gosto do contacto com as pessoas, gosto de ensinar, de discutir as coisas…O único trabalho de que não gosto é de fazer exames.
Público- Porquê, tem dificuldade em avaliar?
ACM – Tenho sempre algum problema de consciência sobre se sei a nota exata, se me enganei, em comparação aos outros alunos…
Público – O que prefere fazer?
ACM- Investigar, compreender as coisas melhor, de outros ângulos, outras perspetivas. Acho que a vida não tem sentido se a pessoa não investigar, se não estiver descontente com aquilo que sabe, se não quiser ir mais longe, para fazer melhor. Manter esta curiosidade pelo novo acho que é essencial. O homem cria uma civilização por isso mesmo. Porque não está totalmente satisfeito com aquilo que sabe e com o que faz.
Publico – De que tem pena?
ACM – De não ter tempo suficiente para me dedicar mais, ter mais tempo livre para pensar.
Público – Será o povo português muito psicanalisado? Há muitas pessoas a procurar a psicanálise?
ACM – De um lado a psicanálise na sua forma mais clássica (no divã, três, quatro vezes por semana) não está indicada para todas as pessoas. Mas os psicanalistas têm utilizado outras técnicas, o psicodrama analítico, a terapia familiar psicanalítica, a psicanálise de grupo, as psicoterapias dinâmicas de orientação psicanalítica, breves e de longo curso; e essas hoje, fazem-se muito mais. Não há mais psicanalistas, mais clientes…
Publico – Quantos psicanalistas há hoje em Portugal?
ACM – Há 16 titulares que é o grau máximo, 24 membros aderentes e 98 candidatos. Estes já fazem análise sob supervisão, ainda não são totalmente autónomos.
Publico – É muito pouco?
ACM- Está mais ou menos ao nível das sociedades europeias e americanas; em relação à nossa população estamos bem. Há países que têm uma proporção maior, por exemplo, a Holanda, que tem muitos psicanalistas, ou a Argentina, onde há uma certa inflação.
Público – Quais são os principais clientes dos psicanalistas, homens ou mulheres?
ACM- Há talvez, maior quantidade de mulheres, fundamentalmente da classe média, mais entre intelectuais, mais de pessoas com profissões ligadas ao contacto humano.
Publico – De que idade?
ACM- Normalmente da terceira, quarta década.
Publico – Porque será?
ACM – É nesta ultima altura que as pessoas já têm experiência de vida suficiente.
Publico – É a altura que as pessoas mais querem mudar?
ACM – Penso que não é bem isso, mas é a altura em que muitas das pessoas perderam o emprego, descasaram, as relações não correm bem com os amigos e começam a refletir nestes insucessos. Procuram compreender melhor porque isso acontece, como poderão viver de uma forma mais eficiente, mais agradável, mais feliz. A partir dos 50, as pessoas já desistem um bocado de se transformar. Sentem que não têm tempo, que já não lhes apetece mudar…
Publico – Por que há mais mulheres a procurar a psicanálise? São mais frágeis?
ACM – Por várias razões, uma delas é porque há mais mulheres nas faculdades. É um fenómeno sociocultural. As mulheres despertaram, têm um largo interesse pela cultura.
Publico – Não percebo que relação pode ter isso com a procura da psicanálise…
ACM – É a procura da cultura…
(CONTINUA)