sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A ambivalência (2)

Eric: “Tive para com ela (Sofia) insolências e ternuras alternadas, todas visando um mesmo objectivo, que era o de fazê-la amar e sofrer mais, e a vaidade comprometeu-me para com ela como teria feito o desejo. Mais tarde quando ela contou para mim, suprimi as palavras meigas”
Marguerite Yourcenar, O Golpe de Misericórdia

O meu interesse em comentar este romance entre Eric e Sofia, escrito em 1930, mas vivido na Guerra de 1914, está ligado ao que lhe deu origem: retratar a “desordem moral” que continua “a ser aquela em que estamos ainda e mais do que nunca mergulhados”, e não a época histórica, como escreve a sua autora no Prefácio.

O verdadeiro amor
Será que Eric é capaz de amar, uma outra, com um amor verdadeiro?
O amor verdadeiro é a fase de desenvolvimento que se segue à fase da ambivalência. Mas nem todos lá chegamos. E se Eric tem ambivalência como traço de carácter, é capaz de amar nesse registo, como o próprio nos descreve acima, e não com amor verdadeiro. Amar, situa-se para além da ambivalência. Ama-se, apesar do outro nos “tirar do sério”. Com sentimentos protectores.

O ajudante mágico
Citando Otto Fenichel, em Teoria Psicanalítica das NeurosesMesmo as pessoas ambivalentes… precisam de um objecto (pessoa) que lhes dê afeição, interesse, confirmação, protecção, uma espécie de ajudante mágico…O relacionamento com o ajudante mágico é necessariamente ambivalente: os ajudantes são odiados …pelo facto de que é inadequado o poder protectivo que eles têm.” Porque a origem do sofrimento está em outro “sítio", não no amante.

O narcisismo
Considerei a possibilidade de Eric ter como traço de carácter, a ambivalência, porque ama e odeia a mesma pessoa, e devido ao perfil psicológico apresentado no livro: “o seu horror de ser vitima de logro…” “ o seu receio de se expor encerra-o numa couraça de dureza…” “a sua altivez…”. São características do narcisismo.

O novo amor
É preciso que se diga que este amor, que não foi vivido, não tanto devido às circunstâncias da guerra, mas sobretudo pelo carácter das suas personagens, termina com a execução de Sofia. Sofia tinha encontrado, no final do romance, o “amor verdadeirona pessoa dum jovem camponês russo” , como nos relata Eric, mas estava agora, do lado do inimigo, a que ele próprio pertencia.

A culpa persecutória
No momento da execução, Sofia pede para que seja Eric a disparar o tiro. O primeiro tiro destruiu-lhe o rosto. Nem as razões da Guerra o justificavam. Nem o comportamento de Sofia, reconhecido por ele como uma boa pessoa. É um ódio, fruto de uma dor inominável, sem objecto. A aparente ligeireza com que Eric a mata, pode ser entendido como uma manifestação da culpa persecutória, por a ter feito sofrer. Há quem, por gerir mal a culpa, provoque mais dano do que o causado inicialmente.

A violência inconsciente
A necessidade de vingança de Sofia pode ter sido a razão do pedido. Se Eric lhe provocou violência oculta, esta costuma ser sentida algum tempo depois do episódio que a gerou, como nos refere Coimbra de Matos em “Violência Inconsciente”, publicado na Revista Portuguesa de Pedopsiquiatria, Nº 2, 1991.

A omnipotência
A história termina com Eric a nos dizer “Com mulheres destas, cai-se sempre no laço.”
Há em Eric uma omnipotência, por acreditar que Sofia havia de amá-lo até ao fim da vida só porque ele assim o desejava.











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