Agustina Bessa-Luís assina um dos Prefácios, datado de 1977, do livro de Marguerite Yourcenar O Golpe de Misericórdia, apresentando-o como um romance onde “Encontramos todo o roteiro duma paixão ou o que se chamaria um sintoma de neurose em Sofia de Reval.”
Agustina, ao escrever sobre o sentir amoroso de Sofia “Neste caso não haveria propriamente objecto de amor, mas algo mais vasto, uma espécie de revelação insana, tocante ao cosmos e às suas leis mais gerais.”, aproxima-se do pensamento de Freud sobre a paixão. Para Freud, a paixão liga-se ao narcisismo, isto é, a um estado amoroso infantil, idealizado.
Associado a esta sua interpretação, julgo estar uma insuficiência por parte de Sofia, do aparelho normal de controle (Otto Fenichel ), que transborda por toda a personalidade – o denominador comum de todas as neuroses – pelo facto de Agustina dizer que “É possível que o episódio de violação desencadeasse nela um puro estado de cio descontrolado.”
Permita-me que discorde, em absoluto, deste quadro e do seu diagnóstico de neurose.
De facto, a violação de Sofia, e posterior confissão pública do violador, com o objectivo de lhe pedir perdão, foram acontecimentos traumáticos. Embora não tenhamos acesso no romance, do ponto de vista de Sofia, julgo que superou, porque mentalmente não repete o acontecimento em pensamentos e sentimentos, ao ponto de Eric nos relatar:
“ Sofia devia ser boa, pois desperdiçava constantemente ocasiões de me fazer sofrer”.
“Havia em Sofia um fundo de saúde suficientemente sólido para permitir todas as convalescenças amorosas…”
“A serenidade que emanava dela era a que nunca se pode tirar completamente a um ser que conheceu a felicidade sob as suas formas mais elementares e mais certas.”
Esta é a maneira mais bela de descrever a saúde mental.
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