sábado, 11 de setembro de 2010

Carta a Agustina Bessa-Luís

Agustina Bessa-Luís assina um dos Prefácios, datado de 1977, do livro de Marguerite Yourcenar O Golpe de Misericórdia, apresentando-o como um romance onde “Encontramos todo o roteiro duma paixão ou o que se chamaria um sintoma de neurose em Sofia de Reval.”
Agustina, ao escrever sobre o sentir amoroso de Sofia “Neste caso não haveria propriamente objecto de amor, mas algo mais vasto, uma espécie de revelação insana, tocante ao cosmos e às suas leis mais gerais.”, aproxima-se do pensamento de Freud sobre a paixão. Para Freud, a paixão liga-se ao narcisismo, isto é, a um estado amoroso infantil, idealizado.
Associado a esta sua interpretação, julgo estar uma insuficiência por parte de Sofia, do aparelho normal de controle (Otto Fenichel ), que transborda por toda a personalidade – o denominador comum de todas as neuroses – pelo facto de Agustina dizer que “É possível que o episódio de violação desencadeasse nela um puro estado de cio descontrolado.”
Permita-me que discorde, em absoluto, deste quadro e do seu diagnóstico de neurose.
De facto, a violação de Sofia, e posterior confissão pública do violador, com o objectivo de lhe pedir perdão, foram acontecimentos traumáticos. Embora não tenhamos acesso no romance, do ponto de vista de Sofia, julgo que superou, porque mentalmente não repete o acontecimento em pensamentos e sentimentos, ao ponto de Eric nos relatar:
“ Sofia devia ser boa, pois desperdiçava constantemente ocasiões de me fazer sofrer”.
Havia em Sofia um fundo de saúde suficientemente sólido para permitir todas as convalescenças amorosas…”
A serenidade que emanava dela era a que nunca se pode tirar completamente a um ser que conheceu a felicidade sob as suas formas mais elementares e mais certas.”

Esta é a maneira mais bela de descrever a saúde mental.

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