Picasso, Grand nu au fauteuil rouge (detalhe), 1929
Antes de me situar nas estratégias que determinadas mães usam nas interacções com os seus filhos, que favorecem o surgimento da patologia narcísica conforme prometi no post anterior, acho importante um ponto da situação sobre questões do desenvolvimento.
Na adaptação ao cinema de “A Princesinha” de Frances Hodgson Burnell, Sara responde à crueldade de Miss Minchin, mais ou menos assim: “ (Deveria saber) que todas as crianças são princesas para seus pais.” Sara estava certa.
As pessoas enganam-se quando julgam que, olhar para os seus filhos e vê-los como únicos, especiais e perfeitos, é uma forma de criar crianças arrogantes e egoístas. Possivelmente, até podem estar possuídos pela melhor das intenções, julgando que, ao introduzir desde muito cedo as frustrações e as contrariedades, as preparam para a vida. Mas são justamente as frustrações vividas quando a criança não está preparada para elas, ou não é ajudada a superá-las, que podem criar perturbação narcísica, no desenvolvimento.
Tudo irá depender da situação traumática (traições, decepções….) ser devastadora, ser prolongada no tempo e expressar-se de diversas maneiras.
Quanto à realidade, as suas exigências far-se-ão sentir, até as decepções e traições, com peso e medida, como cometem todos os pais. Mas, a criança que recebe amor, irá interessar-se pelo mundo e perceber que os outros também têm vontades que é preciso ter em conta. Essa empatia, que é a capacidade de imaginarmos o que o outro pensa ou sente, e que está afectada nas perturbações narcísicas, é possível, porque a nossa mãe, ao nos compreender, fez-nos acreditar que há um outro que tem experiências semelhantes às nossas.
Recapitulando o post anterior (As mães dos narcísicos 1), Coimbra de Matos em “O Desespero”, expõe que estas mães têm tendência a investir no filho, de modo a que este deseje o que ela própria deseja. “E assim, esse filho, que ela considera uma continuação de si própria, irá por seu turno considerá-la a ela (e aos objectos/as pessoas que lhe sucedam), um prolongamento de si próprio". Tanto as mães sobreprotectoras como as negligentes, estão aqui incluídas, e são descritas na literatura, como tendo a característica comum, a frieza e a hostilidade, oculta ou não, para com a suas crianças. Em qualquer caso, as necessidades profundas destas não são levadas em consideração.
Podemos depreender que, o controlo omnipotente, a intrusão e a manipulação, são as estratégias privilegiadas destas mães e pais para lidarem com as suas crianças.
O amor, a existir, ainda de acordo com Coimbra de Matos, depende da criança completar a mãe, dar-lhe brilho, porque ela não tem ou julga não ter, sendo bom aluno, bonito, educado e por aí fora. A não corresponder, sujeita-se a ser rejeitado. Outra característica desse amor é ser captativo. Dão com a intenção de receber. Caso o filho a contrarie, podemos imaginar o “arsenal de técnicas de manipulação e controlo”: fazer-se de vítima, acusá-lo de ingratidão e outras queixas mais.
Ainda de acordo com este autor, o resultado na criança pode revelar-se através da depressão, da culpabilização ou da agressividade.