quinta-feira, 30 de junho de 2011

O lado bom da culpa

"Todo aquele que experimenta sentimentos de culpa tenta livrar-se deles pela expiação, punição, remorso, pode tentar provar que não se justificam, ou pode realizar vários mecanismos de defesa”.
Otto Fenichel Teoria Psicanalítica das Neuroses Livraria Atheneu

Para sentirmos “a consciência pesada”, ou a ideia “Errei, fiz mal”, não é forçoso termos cometido um acto que reprovamos. Para Freud “ a pessoa sente-se culpada quando cometeu algo que considera mau ou quando reconhece em si, a própria intenção de o fazer”, (León Grinberg “Culpa e Depressão”).
Os sentimentos de culpa e os mecanismos para lidar com eles, têm-me interessado vivamente, porque manifestam-se dos modos mais estranhos e inesperados. Mas todas as suas manifestações representam maneiras de lidar com o sofrimento que acarretam, mesmo quando não se tem consciência do mesmo. Nestes casos, como adultos que somos, já ninguém nos precisa dizer que fizemos mal, o perigo vem de dentro de nós.
Esse perigo,  cujo conteúdo psicológico da culpa é "não sou bom, mereço castigo", provoca um“medo não só de que alguma coisa horrível aconteça dentro da personalidade mas também que haja perda de uns tantos sentimentos prazerosos: conforto, protecção, segurança…” (Otto Fenichel).
Esta perda que se teme, é uma perda da auto-estima. Por esta razão, tentamos nos livrar dos sentimentos de culpa, cuja maneira mais saudável é o arrependimento e a reparação pelo mal causado. Recupera-se deste modo, a auto-estima.

Como a verdadeira consciência de culpa, brota da capacidade empática, as personalidades narcísicas apesar de afectadas nesta capacidade, podem sentir culpa, estando contudo dependente da gravidade da patologia.

Leia aqui o artigo de Gretchen Rubin, sobre como o arrependimento nos poderá fazer felizes -  Can a negative emotion like regret actually make you happier

Imagem: escultura nos jardins da Fundação Calouste Gulbenkian

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Mães permissivas


Peter Black, Portrait of David Hockney in a Hollywood Spanish Interior, 1965
“Um pequeno exemplo da relação mãe-filho: um ódio não ligado ao objecto arrastará consigo uma atitude de excessiva tolerância (ele poderia pelas mesmas razões, traduzir-se numa excessiva intolerância) perante todos os caprichos de uma criança; uma paciente contava-me, em psicoterapia, que ela deixa sair o seu filho pequeno à noite, e como “o pobrezinho chega tarde, ela não o acorda de manhã para ir às aulas, porque ele precisa tanto de dormir…” Ela conta-me esses factos convencida de que mostra um grande “amor” através desta grande complacência – de facto ela mostra sobretudo a sua destrutividade: começa por ser cúmplice de um principio de prazer e, em seguida, identificando-se massivamente com este numa avidez pessoal a ser cumulada, e que a coloca na impossibilidade de estabelecer um projecto a longo prazo, não podendo ela própria suportar nem tenções nem frustrações: no fim de contas, é efectivamente o ódio que dará os seus frutos, tal como o veio a demonstrar o fracasso escolar do filho, que trouxe consigo desvalorização e depressão.”

Nicole Jeammet O Ódio Necessário Editorial Estampa

sábado, 25 de junho de 2011

Borderline

Coimbra de Matos sobre um paciente:
“Porém, andei muito tempo enganado. A sua oscilação entre conduta amigável e agressiva baralhou-me o raciocínio e a tomada de decisão. É a perplexidade e passividade que o borderline provoca no seu objecto assim o dominando. (o pensamento orientado para um fim, isto é, o raciocínio, fica perturbado, bem como a capacidade de seleccionar uma resposta, ou seja a tomada de decisão)." Coimbra de Matos  Saúde Mental Climepsi Editores

Para além da caracterização de um sintoma da personalidade borderline, o que me parece interessante é o testemunho.
O borderline é um psicopata e sobre o Transtorno de Personalidade Limítrofe ou Transtorno de Personalidade Borderline, o livro do mesmo autor, com o título O Desespero e aqui ou em http://bpdresourcecenter.org/whatIs.html
Alguns textos em  http://cdpsi.com.br/blog/

- O Texto de Stephanie Sarkis sobre as alterações deste transtorno no DSM- V, em: psychologytoday.com

- Sobre esta perturbação, poderá ser interessante ler uma análise do filme Black Swan, aqui.

Para clarificar o diagnóstico da Personalidade borderline ou limitrofe, Kernberg propõe outros critérios que caraterizam as estruturas limítrofes e as diferenciam das estruturas neuróticas. Estes são:
- Dificultades graves e crónicas das relações de objeto: os pacientes limítrofes não estabelecem relações verdadeiras com a outra pessoa, caem na manipulação, controle e desvalorização do outro.
- Manifestaciones inespecíficas de debilidade egoica: falta de control dos impulsos, incapacidade para tolerar a angústia, insuficiente desenvolvimento dos canais de sublimação. 
Tendencia problemática do super eu: pode manifestar-se como apego a normas morais  ou condutas antissociais, mentira crónica, roubo, engano, embuste, agressões ou outras explorações parasitárias.
- Sintomas neuróticos crónicos, polimorfos e difusos: presença de angustia, depressão, fobias, sintomas obsessivos, tendências hipocondríacas.
Informe realizado por Carolina Inostroza y Yanet Quijada (Mayo de 2001).






(testemunhos e orientações terapêuticas)






quarta-feira, 22 de junho de 2011

Claude Kaufman

O sociólogo e investigador francês Claude Kaufman do Centre National de la Recherche Scientifique, em Paris, esteve em Lisboa a convite do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Falou de comida e de relações a propósito do seu livro Casseroles, amour et crises (que poderá traduzir-se por Tachos, amor e crises).

É um dos meus sociólogos preferidos. Li o seu livro sobre a construção da identidade, uma escrita de inicio difícil, mas que se entranha e torna-se poética. Chamo-o o sociólogo das relações de casal. Foi entrevistado pelo Jornal Publico a 21 de Junho de 2011, que teve como título “As famílias constrõem-se à mesa” (e separam-se, digo eu). Segundo este jornal, a sua última paixão é estudar as bolsas das mulheres. Deixo-vos algumas partes dessa entrevista:

"Diz-me como comes em casa e digo-te como vai a tua família?" Esta frase é uma boa forma de avaliar a saúde da família?
C. K: As famílias de hoje não são simples, são cheias de contradições. As refeições contam-nos histórias. Há conflitos com os miúdos e, às vezes, liga-se a televisão para aliviar a tensão, para evitar o face-a-face, funciona como um convidado suplementar; ou, quando os filhos já mais velhos, saem de casa, há um regresso ao casal que não é simples, é preciso alimentar a convivência a dois e a televisão pode voltar porque anula a angústia. O silêncio assinala que não temos grande coisa a dizer.

Tem-se medo do silêncio à mesa?
C. K: Dantes, aceitava-se o silêncio. Hoje, quando dura muito tempo, mete muito medo: sinaliza que não há nada a dizer neste momento de vida familiar. Em França, uma em cada duas refeições é passada com a televisão. Mas as pessoas que não vêem televisão são muito rápidas a julgar a televisão como má. Em certas famílias, o difícil é não a ter, e, a um primeiro nível, não é mau haver televisão: ela pode alimentar a conversa, discute-se um concurso, um membro da família apoia um concorrente, outro tem outro, e cada um tem a sua justificação e vão-se conhecendo os valores, uns dos outros, por esta via. Mas é verdade que a televisão tem uma lógica devoradora, ela tenta engolir tudo e há sinais de quando se passou a linha vermelha: quando o volume é mais alto e substitui a conversa ou quando as cadeiras abandonam o face-a-face e se viram para a televisão.

Por que escolheu estudar as refeições?
C. K: À mesa, vemos como a sociedade mudou. Passámos de uma sociedade organizada, com regras, com uma verdade e uma moral únicas, em que cada um tinha o seu lugar - toda a gente vinha para a mesa a mesmo tempo, os pratos eram repetidos a dias fixos, ninguém questionava se estava bom ou não.
A grande mudança da sociedade começa a partir do início dos anos de 1960 e continua nos de 1970, o indivíduo passa a estar no centro da sua vida, já não há uma verdade única, cada um escolhe a sua e tenta fazer as melhores escolhas em todos os domínios. Há cada vez mais informação nos media e em cada momento podemos fazer escolhas diferentes: "Devo comer isto? Porquê?" Há escolhas em cada instante. A pessoa que cozinha tem uma enorme responsabilidade.

Define a tarefa de cozinhar como penosa por causa dessa infinita possibilidade de escolha?
C.K: As outras tarefas domésticas são um pouco invisíveis. Ninguém comenta que alguém limpou o chão com a esfregona, ninguém nota; a cozinha é diferente porque toda a gente vai discutir e, para certas mulheres, cozinhar é uma actividade sofrida, porque sente que tem muitas implicações, por exemplo, para a saúde. "Que alimentos devo escolher?" Há cada vez mais questões em torno dos alimentos e poucas respostas, porque a ciência é contraditória: um professor que diz que o alimento x é bom e outro diz não. É preciso decidir.
É há outras questões. Cada membro da família tem os seus gostos. Escolher um alimento é agradar a um, em vez de outro. Às vezes, a mulher não tem ideias e pergunta: "O que é querem comer hoje à noite?". É uma questão amorosa. O marido ou os filhos respondem: "Faz o que tu quiseres". É um momento de solidão, respondem aquilo para não a chatear, mas é mentira, depois à mesa dizem "Isto outra vez, já tínhamos comido isto há dois dias". E o mais duro é que a pessoa prepara as refeições sem que os outros percebam que é muito complicado.
A comida - é isso que constrói a família, mesmo que não seja perfeito, mesmo quando há pequenos conflitos. Tudo são momentos essenciais de construção da vida familiar.
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Fala das mudanças na família à mesa mas não de forma moralista. Não é o chavão da crise de valores e da família...
C. K: É toda a estrutura social que mudou. Adquirimos algo de novo, a liberdade individual, e há um preço a pagar. É uma sociedade mentalmente cansativa, porque é preciso escolhas sem cessar em todos os domínios; o segundo preço a pagar é a dificuldade em estabilizar o grupo, desde logo o próprio casal, que se torna muito frágil. Na mesa, às vezes, cada um está com os seus pensamentos, por exemplo, há o jovem que se quer levantar. Noutras alturas, sente-se que são momentos em que se faz família. Quando se está junto, é mais forte do que dantes, as trocas são mais personalizadas, a comunicação é mais íntima, e por isso é mais difícil.

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terça-feira, 21 de junho de 2011

Nós somos o que fazemos

Mercado do Funchal

Nós somos o que fazemos. O que não se faz não existe. Portanto, só existimos nos dias em que fazemos.” Padre António Vieira, orador e escritor português (1608-1697)

Ao estar feliz, deveria tirar o dia e gozar um ócio desregrado de modo a suprimir qualquer possibilidade de intromissão com este pedacinho de céu.
Mas não é deste repouso obsceno que fala Padre António Vieira. Concordo com ele – nós somos o que fazemos na relação com o outro. Não nos deveríamos esquecer desta perspectiva. Se hesitamos: quanto vale um sentimento que não se expressa em acções? Quanto vale uma relação que se alimenta pelo que pressentimos (só pressentimos) do outro?
O que não se faz não existe é uma premissa do mundo do trabalho (produzir resultados), e no campo do amor: O amor é uma decisão, não um sentimento” (M. Scott Peck em O caminho menos percorrido)

sábado, 18 de junho de 2011

O milagre ou o enigma

Peter Blake The toy shop 1962

”… não é o ambiente objectivo que influencia as pessoas, mas suas construções do mundo. Você tem de tentar “entrar dentro da cabeça das pessoas” e ver o mundo do jeito que elas vêm. Tem que olhar para os tipos de narrativas e histórias de pessoas dizem a si mesmas e os motivos que as levam a fazer o que estão fazendo. O que pode levar as pessoas em dificuldades às vezes em suas vidas pessoais, ou a criar mais problemas sociais, é que essas histórias vão mal. As pessoas acabam com narrativas que são disfuncionais, de alguma forma.”
Timothy D. Wilson, psicólogo social

O milagre da comunicação: tentar realmente escutar a experiencia que o outro nos relata, mas sobretudo apreender o significado que a mesma teve para ele, e demonstrar essa compreensão. Leva-nos mais longe, à sensação que a nossa experiência tem sentido porque há alguém que pensa e sente como nós.
Esta intenção só pode ser recíproca: querer ser reconhecido, deveria envolver o esforço por dizer o que realmente se pretende, em vez de ocultar essa mensagem ou falsificá-la. Seria tornar a comunicação um enigma. Uma tragédia vivida a dois, para quem quer ser compreendido mas não se quer dar a conhecer, e para um outro que não encontra outra razão para ficar.
E outra tragédia: o diálogo da alma consigo mesma (Paul Ricoeur) num discurso interior infeliz.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Steven Sherman

Steven Sherman, psicólogo social da Universidade do Indiana, EUA, interessa-se pela maneira como os seres humanos constroem estereótipos. Sherman diz que isso acontece porque temos uma irresistível tendência para organizar o mundo em categorias. Numa conferência no Instituto Superior de Psicologia Aplicada, em Lisboa, há algumas semanas, Sherman expôs os resultados das suas pesquisas. É entrevistado por Ana Gerschenfeld do Jornal Publico. Dessa entrevista, apresentada na edição de hoje, aqui fica uma parte:

Por que consideramos que Barack Obama é negro?
Steven Sherman: Com base nas nossas pesquisas, qualquer rosto que possui uma mistura de traços maioritários e minoritários tenderá a ser categorizado como pertencendo à minoria. Claro que as razões são também em parte sociopolíticas, sociológicas, mas acho que o fenómeno faz mesmo parte das nossas percepções. Barack Obama possui as características faciais negras mais salientes. Também tem características brancas, mas nós não reparamos nelas, fazem parte do cenário, estão lá e pronto.

Estamos "programados" para construir estereótipos?
Steven Sherman: É uma maneira bastante justa de enunciar as coisas.

O racismo não surge apenas de preconceitos sociais ou culturais?
Steven Sherman: Não. Existe também uma razão de ordem cognitiva e não se trata apenas de animosidade, discriminação ou do facto de não gostarmos das pessoas negras. Por vezes, efeitos puramente cognitivos podem conduzir ao mesmo tipo de resultados que efeitos motivacionais.
Acontece que qualquer atributo comum a todas as categorias será associado à primeira categoria que aprendemos, ou seja, à categoria maioritária. É por isso que as características relativas à natureza humana, que todos partilhamos, tendem a ser atribuídas à categoria maioritária - e que temos tendência a "desumanizar" os grupos minoritários: porque os atributos que são em geral associados com o grupo minoritário "costumam" ser mais negativos e pouco humanos. Não é uma maneira muito feliz de ver o mundo, mas é provável que a realidade seja essa. Nem todas as teorias psicológicas e biológicas são positivas no que respeita à condição humana.

Ao mesmo tempo, o facto de saber que somos assim pode ajudar-nos a contrariar essa tendência natural?
Steven Sherman: Sim, mas é uma luta. Seria muito mais agradável se não tivéssemos de combater esses instintos. Eu não estou de maneira nenhuma a defender a existência de estereótipos, sobretudo quando são negativos e destruidores, mas também nem sempre é verdade que possamos culpar as pessoas e acusá-las de odiar outrem. Algumas dessas percepções ocorrem de uma forma muito natural - e é preciso educação e esforço para lutar contra elas. Se pedirmos a alguém para escrever o que pensa dos idosos, dos judeus, dos negros, dos muçulmanos, vai dizer que gosta de todos eles. Mas a medição de certas atitudes não-conscientes em relação aos grupos minoritários revela que são muito negativas - em especial perante rostos negros, que são mais fáceis de associar a atributos maus do que a atributos bons. Isso acontece em todo o lado [onde os brancos sejam maioritários] - e acontece sem dúvida nos EUA e na Europa.
Ninguém gosta de ouvir dizer que talvez tenhamos conseguido livrar-nos dos nossos preconceitos explícitos - das nossas leis de segregação, de escravatura - mas que esses sentimentos implícitos que temos e que nem sequer controlamos são muito mais subtis e até mais destruidores.
Por exemplo, face a dois candidatos, um branco e um negro, a um emprego que exija experiência e formação ao mesmo tempo, as pessoas vão ter tendência a optar pelo candidato branco, argumentando que a formação é mais importante que a experiência - se for o caso da pessoa branca. Mas se o candidato branco tiver mais experiência e menos formação, então o argumento será que a experiência conta mais para o emprego. Ora, essas pessoas não fingem, não mentem, acreditam firmemente no que estão a dizer. Construímos um mundo em coerência com os nossos sentimentos e é difícil fugir a isso. Estes tipos subtis de estereótipos e preconceitos podem desenvolver-se a partir de mecanismos cognitivos muito gerais.
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Nestas experiências, as pessoas não se davam conta de que existia uma diferença na frequência com que apareciam determinadas fotografias?
Steven Sherman: Não. Muita dessa aprendizagem de categorias passa-se a um nível não-consciente. Aliás, isso representa uma mudança radical na Psicologia nos últimos 20 a 25 anos. Não há assim tanto tempo, todos se riam de Freud porque falava do inconsciente. Parecia mesmo estúpido pensar que as coisas podem acontecer sem darmos por elas! Hoje, quem não fala no inconsciente é que é considerado muito estúpido, porque quase tudo o que fazemos é não-consciente. Não estamos cientes de processos automáticos, podem ser-nos mostradas coisas a um nível subliminar. Ainda há quem se ria de Freud, mas é um facto que muitas das coisas que ele disse sobre o inconsciente estão perto do que nós cientistas dizemos hoje.

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sábado, 11 de junho de 2011

Viver a dependência amorosa

Serge Hefez

Pergunta: Separado de uma pessoa diagnosticada "narcisista perverso", como é que anos mais tarde, apesar dos confrontos e feridas, ainda tenho uma forte ligação com essa pessoa (eu não posso vê-la), de uma maneira quase obsessiva? A lógica e análise são simples... Como a emoção tem precedência sobre a reconstrução, e como podemos treinar o controle de uma emoção?


Serge Hefez, psiquiatra e psicanalista, chefe da unidade de terapia familiar no departamento de psiquiatria da criança e do adolescente no hospital da Salpêtrière, responde a esta e outras perguntas dos leitores do Jornal Le Monde, aqui.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Inveja das mulheres

Francis Picabia Paroxysm of Pain 1915

“Os homens não tomam facilmente consciência daquilo que invejam, pelo facto de, na realidade não saberem exactamente o que é. A mulher foi sempre tida como um enigma pelo homem”.
Melanie Klein e Joan Riviere Amor, Ódio e Reparação Imago Editora

Uma realidade pouco falada: a inveja que alguns homens têm das mulheres. O contrário também é verdadeiro - “A inveja do homem pela mulher não é menos comum que a da mulher pelo homem, nem menos profunda”, acrescenta Joan Riviere. Contudo, pelas históricas conquistas femininas, alcançadas, e pelos diversos papeis que a mulher pode hoje desempenhar, parece-me que é mais comum na actualidade, os homens invejarem as mulheres do que o contrário. Mas é uma opinião pessoal.

Os homens que experimentam este sentimento, por não terem consciência daquilo que invejam, ainda pioram a situação. Ao não saberem de que se trata, não pensam no assunto, e não conseguem por isso corrigir os comportamentos.
São variadas as manifestações da inveja. Podem ir desde o não reconhecimento das qualidades da mulher, até às pequenas e grandes violências do quotidiano.
Todos estes comportamentos, que surgem sempre pela comparação que o homem faz de si próprio face à mulher, representam um círculo de desejo, frustração e ódio. Neste ultimo caso, quando a inveja se tornar incontrolável.
Desejo, por também possuírem coisas boas (capacidade de cuidar de filhos, de pais, de trabalho, de alegria...), e frustração por uma vida insatisfatória  que não os recompensa.
A inveja torna-se em ódio com a falta de esperança de se obter satisfação, e por não se encontrar outros substitutos na vida que dêem prazer. A este respeito, são ilustrativos aqueles comportamentos em que o homem impede que a mulher tenha autonomia para resolver certos assuntos, mas ele próprio também não é capaz de encontrar solução para eles. Ou então, ele deixa-a resolver muita coisa, mas não reconhece.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Bob Geldof


Bob Geldof num discurso  que me comoveu, apresentado no Hay Festival, no Reino Unido, diz da sua ex - mulher Paula Yates que o deixou trocando-o por Michael Hutchence, cantor de rock australiano:
“A minha mulher deixou-me e destruiu-me”. “Eu não consegui ultrapassar a imensidão da perda e da dor. Foi demais.” “Odiava as mulheres. Não confiava nelas. Não queria estar perto delas.”

Sobre a sua actual mulher Jeanne Marinho, actriz francesa, que é sua companheira há 15 anos:
“ (Jeanne) por alguma razão encontrou o amor no mais insuportável dos homens”. “A condição humana sem a existência do amor é absolutamente inútil”.

Paula Yates morreu em 2000, de overdose, deixando-lhe três filhas para criar.
Fonte: Jornal Publico de 7 de Junho de 2011

terça-feira, 7 de junho de 2011

O significado do Mito de Psique


Maurice Denis Psyche discovers that her mysterious lover is Eros 1908

  “Eros que personifica o amor divino, apaixonou-se por Psique, que representa a alma humana. Levou-a para um palácio encantado, onde a visita todas as noites. Todavia, é-lhes colocado um interdito: ela nunca deve ver o rosto dele (*). As irmãs de Psique murmuram-lhe que, se assim é, dever-se-á certamente ao facto de Eros ser um monstro. E esta dúvida insinua-se em Psique, a qual não aguentando mais, acende uma lâmpada de azeite para poder confirmar, por si mesma, a beleza do seu amante. Mas no instante em que ela o descobre maravilhosamente belo, uma gota de azeite cai da lâmpada e acorda-o imediatamente. Eros e o palácio desaparecem. E Psique fica sujeita ao poder da ciumenta Afrodite, que a leva consigo para os Infernos.
    Apesar de tudo, a história terá um fim feliz: Eros conseguirá recuperar Psique, mas “com o favor do sono”, e Psique permanecerá para sempre unida ao amor divino.
O que surge duas vezes sublinhado nesta história – através do interdito de ver o rosto, e depois pelo sono que permite os reencontros – é a necessária aceitação no outro de uma identidade que lhe é própria, de uma radical alteridade.

    Pelo contrário, os Infernos simbolizam um universo no qual o outro não tem direito de ser outro: qualquer alteridade, qualquer diferença não fazem senão atiçar o fogo da inveja; Afrodite, tal como a serpente, reúnem assim toda a sua energia com o fim de nivelarem e reduzirem no exterior delas tudo aquilo, que, não se lhes assemelhando, ataca a sua identidade.
Nicole Jeammet O Ódio Necessário Editorial Estampa

(*) Não ver o rosto é também não possuir o outro... em que cada um pode ser ele próprio, no segredo do seu próprio coração.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Uma mãe que perdoa fácil.


“Para o bebé é extremamente tranquilizador o facto de ver a mãe regressar ao seu encontro amistosamente, fazendo crer que ele não a destruiu. Essa confirmação da sua sobrevivência ensina-o a ter por fiável a distinção entre as realidades interna e externa, ao mesmo tempo que descobre que não é omnipotente – quer dizer que o seu pensamento e a sua fantasia não são tão mágicos nem tão poderosos como ele acreditara que fossem.”
Ricky Emanuel Ansiedade Almedina

No mundo dos adultos, é uma experiência terrível se o acontecimento que nos nossos pensamentos receamos que aconteça, se concretizar. Na nossa memória, fica uma marca indelével, que é reavivada numa outra situação futura que novamente nos preocupa. Podemos  ficar hiper-vigilantes relativamente ao perigo.
No mundo da infância, após uma birra, uma mãe que não perdoa fácil, é do mesmo modo um acontecimento penoso. Perdoar fácil, evita que não se confirmem os nossos medos que realmente destruímos o outro. É uma experiencia reparadora, porque precisamos de nos julgarmos bons para viver.
Quando isso não acontece, a desenvolver-se uma perturbação narcísica de personalidade, estes indivíduos “acreditam nos seus devaneios, que se podem transformar em delírios, sentem-se reis, presidente, Deus, isso resultando na perda de juízo pela realidade”, (Otto Fenichel, Teoria Psicanalítica das Neuroses), o que justifica a dificuldade em reconhecer os direitos dos outros, até a sua existência, dependendo do grau da patologia.