quarta-feira, 22 de junho de 2011

Claude Kaufman

O sociólogo e investigador francês Claude Kaufman do Centre National de la Recherche Scientifique, em Paris, esteve em Lisboa a convite do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Falou de comida e de relações a propósito do seu livro Casseroles, amour et crises (que poderá traduzir-se por Tachos, amor e crises).

É um dos meus sociólogos preferidos. Li o seu livro sobre a construção da identidade, uma escrita de inicio difícil, mas que se entranha e torna-se poética. Chamo-o o sociólogo das relações de casal. Foi entrevistado pelo Jornal Publico a 21 de Junho de 2011, que teve como título “As famílias constrõem-se à mesa” (e separam-se, digo eu). Segundo este jornal, a sua última paixão é estudar as bolsas das mulheres. Deixo-vos algumas partes dessa entrevista:

"Diz-me como comes em casa e digo-te como vai a tua família?" Esta frase é uma boa forma de avaliar a saúde da família?
C. K: As famílias de hoje não são simples, são cheias de contradições. As refeições contam-nos histórias. Há conflitos com os miúdos e, às vezes, liga-se a televisão para aliviar a tensão, para evitar o face-a-face, funciona como um convidado suplementar; ou, quando os filhos já mais velhos, saem de casa, há um regresso ao casal que não é simples, é preciso alimentar a convivência a dois e a televisão pode voltar porque anula a angústia. O silêncio assinala que não temos grande coisa a dizer.

Tem-se medo do silêncio à mesa?
C. K: Dantes, aceitava-se o silêncio. Hoje, quando dura muito tempo, mete muito medo: sinaliza que não há nada a dizer neste momento de vida familiar. Em França, uma em cada duas refeições é passada com a televisão. Mas as pessoas que não vêem televisão são muito rápidas a julgar a televisão como má. Em certas famílias, o difícil é não a ter, e, a um primeiro nível, não é mau haver televisão: ela pode alimentar a conversa, discute-se um concurso, um membro da família apoia um concorrente, outro tem outro, e cada um tem a sua justificação e vão-se conhecendo os valores, uns dos outros, por esta via. Mas é verdade que a televisão tem uma lógica devoradora, ela tenta engolir tudo e há sinais de quando se passou a linha vermelha: quando o volume é mais alto e substitui a conversa ou quando as cadeiras abandonam o face-a-face e se viram para a televisão.

Por que escolheu estudar as refeições?
C. K: À mesa, vemos como a sociedade mudou. Passámos de uma sociedade organizada, com regras, com uma verdade e uma moral únicas, em que cada um tinha o seu lugar - toda a gente vinha para a mesa a mesmo tempo, os pratos eram repetidos a dias fixos, ninguém questionava se estava bom ou não.
A grande mudança da sociedade começa a partir do início dos anos de 1960 e continua nos de 1970, o indivíduo passa a estar no centro da sua vida, já não há uma verdade única, cada um escolhe a sua e tenta fazer as melhores escolhas em todos os domínios. Há cada vez mais informação nos media e em cada momento podemos fazer escolhas diferentes: "Devo comer isto? Porquê?" Há escolhas em cada instante. A pessoa que cozinha tem uma enorme responsabilidade.

Define a tarefa de cozinhar como penosa por causa dessa infinita possibilidade de escolha?
C.K: As outras tarefas domésticas são um pouco invisíveis. Ninguém comenta que alguém limpou o chão com a esfregona, ninguém nota; a cozinha é diferente porque toda a gente vai discutir e, para certas mulheres, cozinhar é uma actividade sofrida, porque sente que tem muitas implicações, por exemplo, para a saúde. "Que alimentos devo escolher?" Há cada vez mais questões em torno dos alimentos e poucas respostas, porque a ciência é contraditória: um professor que diz que o alimento x é bom e outro diz não. É preciso decidir.
É há outras questões. Cada membro da família tem os seus gostos. Escolher um alimento é agradar a um, em vez de outro. Às vezes, a mulher não tem ideias e pergunta: "O que é querem comer hoje à noite?". É uma questão amorosa. O marido ou os filhos respondem: "Faz o que tu quiseres". É um momento de solidão, respondem aquilo para não a chatear, mas é mentira, depois à mesa dizem "Isto outra vez, já tínhamos comido isto há dois dias". E o mais duro é que a pessoa prepara as refeições sem que os outros percebam que é muito complicado.
A comida - é isso que constrói a família, mesmo que não seja perfeito, mesmo quando há pequenos conflitos. Tudo são momentos essenciais de construção da vida familiar.
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Fala das mudanças na família à mesa mas não de forma moralista. Não é o chavão da crise de valores e da família...
C. K: É toda a estrutura social que mudou. Adquirimos algo de novo, a liberdade individual, e há um preço a pagar. É uma sociedade mentalmente cansativa, porque é preciso escolhas sem cessar em todos os domínios; o segundo preço a pagar é a dificuldade em estabilizar o grupo, desde logo o próprio casal, que se torna muito frágil. Na mesa, às vezes, cada um está com os seus pensamentos, por exemplo, há o jovem que se quer levantar. Noutras alturas, sente-se que são momentos em que se faz família. Quando se está junto, é mais forte do que dantes, as trocas são mais personalizadas, a comunicação é mais íntima, e por isso é mais difícil.

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2 comentários:

Anónimo disse...

A publicação parcial desta entrevista reduz-lhe o valor. Deveria ter sido publicada na integra. Esta publicação é pobre e reduz muito o conteúdo da entrevista original, especialmente ao truncar o seu final.

cristina simões disse...

Compreendo. Adoraria tê-la publicado na íntegra, não no formato em que a publiquei por ser demasiado extensa (e com valor para mim), mas sim num formato da entrevista de Coimbra de Matos à revista do Expresso. Não foi possivel. Fiz o mesmo em relação a Isabel Leal. São entrevistas demasiado extensas e devido a minha admiração por eles, decidi assim.