Entrevista de joana Gorjão Henriques a John Horgan, que está no
Jornal Público de hoje, com o título O terrorismo sempre foi sobre teatro: os
terroristas querem muita gente a ver.
"John Horgan Especialista em psicologia do terrorismo estudou os
casos de cerca de 200 terroristas para chegar à conclusão de que não há
respostas iguais para todos. Há padrões comuns, objectivos idênticos, mas
motivações diferentes.
Houve um antes e um depois do 11 de Setembro, e haverá também um
antes e um depois dos atentados à maratona de Boston para os americanos. Do seu
escritório na Universidade da Pennsylvania, e entre entrevistas para vários media
americanos, John Horgan, especialista em psicologia do terrorismo, diz-nos
ao telefone: "Este atentado acabou com o tipo de resiliência que se
conseguiu construir nos EUA depois do 11 de Setembro."
O director do International Center for the Study of Terrorism,
autor de dezenas de publicações sobre terrorismo, entre as quais The
Psychology of Terrorism (2005), The Future of Terrorism (1999, com
Max Taylor) ou Walking Away from Terrorism: Accounts of Disengagement from
Radical and Extremist Movements (2009), confessa que tem aprendido mais
nesta última semana sobre a psicologia da resposta ao terrorismo do que
propriamente sobre a psicologia dos terroristas. Excerto de uma conversa no dia
em que se soube que os autores dos atentados eram irmãos: Tamerlan, 26 anos, e
Dzhokhar, 19 anos, de apelido Tsarnaev e de origem tchetchena.
Daquilo sabemos, conseguimos encontrar um
padrão por detrás da acção destes dois terroristas?
Não. Não sabemos quais foram as suas motivações, se agiram pela
parte de um governo ou de uma unidade local. Há imensa especulação sobre a
ligação deles à Tchetchénia - que é muito surpreendente porque nunca houve
terroristas da Tchetchénia a agir nos Estados Unidos. Isto é e continua a ser
uma história estranha, no sentido em que as expectativas da maioria das pessoas
estavam muito longe disto e continuam a ser questionadas.
As interpretações dadas ao longo da semana foram que os
terroristas podiam ser da extrema-direita ou da Al-Qaeda e a verdade é que
continuamos a não saber. É um dos casos em que devemos esperar pelos factos.
Não há uma reivindicação oficial de responsabilidade, portanto não sabemos.
As idades deles, de 19 e 26 anos, dizem-nos
alguma coisa?
Nada em particular. Não é de todo uma idade invulgar. Mas os
perfis dos terroristas costumam ser pouco úteis, porque tendem a estar ligados
a coisas muito gerais como: um terrorista tem entre 18 e 35 anos. Sabemos que
não há um perfil de terrorista que nos ajude a perceber a variedade de
personalidades e dos grupos.
Dito isto, conseguimos recolher informação ao olhar para
determinados perfis e grupos. É predominantemente uma actividade masculina,
embora haja cada vez mais mulheres a aderir. Há muita explicação sobre quando,
porquê e como é que estes indivíduos se radicalizaram. E o contexto é muito
importante: saber se foram radicalizados nos Estados Unidos, no estrangeiro, online,
ou online em complemento com uma zona local, se foram influenciados por
pessoas daqui ou de fora...
Qual a diferença entre radicalizar-se nos
EUA, no estrangeiro ou online?
Há casos de pessoas que tentaram ir fazer o treino fora e se envolveram
em actividades terroristas. Alguns vão com intenção de regressar e esses
pertencem a dois tipos de categorias: os que foram treinados numa estrutura com
um objectivo e os que tiveram treino rápido, que dura seis ou sete dias, e que
quando regressam não são bem sucedidos. O treino importa em relação à eficácia
das operações. A Al-Qaeda tem divulgado informação sobre como construir bombas,
mas isso não explica por que é que estes homens se radicalizam.
Muito do que surgir nos próximos dias poderá esclarecer se estes
indivíduos tiveram acesso a uma rede maior, e se pertencerem a uma rede maior;
não se trata apenas de saber como se radicalizaram, mas de como sustêm a sua
actividade.
Só podemos percebê-los melhor quando soubermos quem são: são
actores solitários, são terroristas domésticos, pertencem a um grupo, qual é a
agenda desse grupo? É quase impossível separar a psicologia dos indivíduos da
psicologia do grupo. Posso dizer alguma coisa sobre a psicologia, mas se tiver
factos. Neste momento não temos essa informação. A lição que tirei da última
semana não é sobre a psicologia dos terroristas, mas sobre a psicologia da
resposta ao terrorismo. Uma grande parte da eficácia do terrorismo é que os
terroristas querem muita gente a ver - e a nossa resposta confusa deu-lhes
isso, alimentou a psicologia do terrorista.
Os terroristas são exibicionistas, é isso?
O terrorismo para mim sempre foi sobre teatro. É preciso fazer
uma distinção entre os alvos imediatos, ou seja, as pessoas que perderam as
suas vidas em Boston, e a tentativa de aterrorizar não só Boston mas os Estados
Unidos. Uma das razões por que o terrorismo atrai tipos de pessoas e grupos
muito diferentes é porque eles sabem que podem matar uma pessoa e aterrorizam
milhares. A cobertura mediática, a especulação, aumentou a ansiedade. Quando
falamos de psicologia não é apenas sobre o que eles fazem, é muito sobre a
nossa resposta ao que eles fazem. Estou muito preocupado com o potencial para
incidentes copycat [de imitação]. Tem havido imensa especulação,
informação falsa sobre a identidade destes indivíduos. Tem havido uma recusa em
esperar pela revelação dos factos. Isto colectivamente reforça a ansiedade que
os terroristas querem causar.
A psicologia do terrorista é parecida com a
do psicopata?
Os psicopatas não tendem a pertencer a organizações porque são
motivados por razões egoístas, incompatíveis com as exigências do estilo de
vida do terrorista - que precisa de estar consciente das questões de segurança,
de estar calado. Os psicopatas tendem a ser indivíduos de pouca confiança. Ao
longo dos anos estudei quase 200 terroristas. Há alguns psicopatas entre os
terroristas, mas são uma excepção. Os terroristas têm de trabalhar muito para
reduzir a empatia que sentem - é mais fácil fazê-lo quando não se está perto do
sítio onde a bomba explode, se não tem experiência directa dos danos que
causou. Eles têm de estar continuamente a justificar a si próprios a razão por
que fazem o que fazem. E eles justificam-no através de rituais, de ideologia,
minimizando as consequências do que fizeram, deslegitimando o inimigo - ou
seja, usam muitas maneiras para se sentirem melhor, mas têm de trabalhar nisso.
Os terroristas são mais dotados socialmente
do que os psicopatas?
Não. Uma das consequências de entrar num grupo é que as ligações
com amigos e família tendem a desaparecer e o grupo passa a ser o mais
importante. O mais importante passa a ser a mensagem, o objectivo, proteger o
novo mundo que alcançaram - entram num processo de imunização, tentam
imunizar-se das consequências do que fazem. Se se estiver envolvido em acções
terroristas, não se pode parar para pensar.
Qual é o motor de acção principal do
terrorista?
Não há. Normalmente têm sentimentos muito fortes em relação a
uma comunidade vitimizada. Há também alguma mágoa envolvida, e também razões
altruístas e egoístas que têm a ver com fantasias - podem querer envolver-se no
terrorismo para conseguir coisas que não conseguiriam de outra forma. Se alguém
é um perdedor, por exemplo, pode sentir que conseguiu alguma coisa ao encontrar
uma comunidade. Há também a excitação, a aventura, a camaradagem, as
recompensas que surgem de estar num grupo terrorista. É uma combinação. Muitas
pessoas quando entram não são necessariamente radicalizadas, algumas começam a
envolver-se e só se tornam ideológicos quando se preparam para cometer um acto
terrorista.
Há tipos de personalidade mais susceptíveis
de se tornarem terroristas?
Em 40 anos de pesquisa tentámos encontrar a personalidade do
terrorista, mas não encontrámos. Há alguma plausibilidade na sugestão de que,
por exemplo, as pessoas que estão predispostas a assumir riscos podem ser mais
vulneráveis à radicalização - mas isso não está provado pela investigação. A
razão pela qual as pessoas mais novas tendem a envolver-se mais no terrorismo é
porque a sua identidade social, política, religiosa ainda está a formar-se,
portanto são mais vulneráveis à radicalização e estão mais dispostas a arriscar
porque pensam ser invulneráveis.
Quais são as características do terrorista
americano?
Fizemos um estudo grande em que olhámos para 119 terroristas do
tipo "lobo solitário" nos EUA. Descobrimos que havia três grupos
distintos: os actores solitários da extrema-direita, que tendiam a ser
desempregados, com menos probabilidade de serem licenciados, e que tendiam a
fazer declarações sobre as suas crenças aos amigos e família; os actores
solitários da Al-Qaeda, que tendiam a ser mais novos, estudantes, muitas vezes
aprendiam as coisas sobre terrorismo através da Internet, tinham menos probabilidade
de ter antecedentes criminais e de executar os seus atentados com sucesso; e
finalmente os actores solitários isolados, que tendiam a ser pessoas antiaborto
ou ambientalistas, casados, com menos tendência para serem socialmente isolados
mas com antecedentes criminais e um passado de doenças mentais.
Quando lemos nos media coisas sobre pessoas que conheciam
os terroristas, quase sempre as pessoas dizem: "Conhecia esta pessoa,
estou chocado com o que fez." Descobrimos o oposto: que quase todos estes
terroristas partilharam as suas frustrações e a sua intenção de fazer alguma
coisa com as suas mágoas. Isso foi uma descoberta muito chocante, porque estes
actos podem ser prevenidos de formas que não imaginámos - se alguém está a
contar aos amigos as suas intenções, isso precisa de ser denunciado."