domingo, 21 de abril de 2013

John Horgan: "O terrorismo sempre foi sobre teatro"


Entrevista de joana Gorjão Henriques a John Horgan, que está no Jornal Público de hoje, com o título O terrorismo sempre foi sobre teatro: os terroristas querem muita gente a ver.
"John Horgan Especialista em psicologia do terrorismo estudou os casos de cerca de 200 terroristas para chegar à conclusão de que não há respostas iguais para todos. Há padrões comuns, objectivos idênticos, mas motivações diferentes.
Houve um antes e um depois do 11 de Setembro, e haverá também um antes e um depois dos atentados à maratona de Boston para os americanos. Do seu escritório na Universidade da Pennsylvania, e entre entrevistas para vários media americanos, John Horgan, especialista em psicologia do terrorismo, diz-nos ao telefone: "Este atentado acabou com o tipo de resiliência que se conseguiu construir nos EUA depois do 11 de Setembro."
O director do International Center for the Study of Terrorism, autor de dezenas de publicações sobre terrorismo, entre as quais The Psychology of Terrorism (2005), The Future of Terrorism (1999, com Max Taylor) ou Walking Away from Terrorism: Accounts of Disengagement from Radical and Extremist Movements (2009), confessa que tem aprendido mais nesta última semana sobre a psicologia da resposta ao terrorismo do que propriamente sobre a psicologia dos terroristas. Excerto de uma conversa no dia em que se soube que os autores dos atentados eram irmãos: Tamerlan, 26 anos, e Dzhokhar, 19 anos, de apelido Tsarnaev e de origem tchetchena.

Daquilo sabemos, conseguimos encontrar um padrão por detrás da acção destes dois terroristas?
Não. Não sabemos quais foram as suas motivações, se agiram pela parte de um governo ou de uma unidade local. Há imensa especulação sobre a ligação deles à Tchetchénia - que é muito surpreendente porque nunca houve terroristas da Tchetchénia a agir nos Estados Unidos. Isto é e continua a ser uma história estranha, no sentido em que as expectativas da maioria das pessoas estavam muito longe disto e continuam a ser questionadas.
As interpretações dadas ao longo da semana foram que os terroristas podiam ser da extrema-direita ou da Al-Qaeda e a verdade é que continuamos a não saber. É um dos casos em que devemos esperar pelos factos. Não há uma reivindicação oficial de responsabilidade, portanto não sabemos.

As idades deles, de 19 e 26 anos, dizem-nos alguma coisa?
Nada em particular. Não é de todo uma idade invulgar. Mas os perfis dos terroristas costumam ser pouco úteis, porque tendem a estar ligados a coisas muito gerais como: um terrorista tem entre 18 e 35 anos. Sabemos que não há um perfil de terrorista que nos ajude a perceber a variedade de personalidades e dos grupos.
Dito isto, conseguimos recolher informação ao olhar para determinados perfis e grupos. É predominantemente uma actividade masculina, embora haja cada vez mais mulheres a aderir. Há muita explicação sobre quando, porquê e como é que estes indivíduos se radicalizaram. E o contexto é muito importante: saber se foram radicalizados nos Estados Unidos, no estrangeiro, online, ou online em complemento com uma zona local, se foram influenciados por pessoas daqui ou de fora...

Qual a diferença entre radicalizar-se nos EUA, no estrangeiro ou online?
Há casos de pessoas que tentaram ir fazer o treino fora e se envolveram em actividades terroristas. Alguns vão com intenção de regressar e esses pertencem a dois tipos de categorias: os que foram treinados numa estrutura com um objectivo e os que tiveram treino rápido, que dura seis ou sete dias, e que quando regressam não são bem sucedidos. O treino importa em relação à eficácia das operações. A Al-Qaeda tem divulgado informação sobre como construir bombas, mas isso não explica por que é que estes homens se radicalizam.
Muito do que surgir nos próximos dias poderá esclarecer se estes indivíduos tiveram acesso a uma rede maior, e se pertencerem a uma rede maior; não se trata apenas de saber como se radicalizaram, mas de como sustêm a sua actividade.
Só podemos percebê-los melhor quando soubermos quem são: são actores solitários, são terroristas domésticos, pertencem a um grupo, qual é a agenda desse grupo? É quase impossível separar a psicologia dos indivíduos da psicologia do grupo. Posso dizer alguma coisa sobre a psicologia, mas se tiver factos. Neste momento não temos essa informação. A lição que tirei da última semana não é sobre a psicologia dos terroristas, mas sobre a psicologia da resposta ao terrorismo. Uma grande parte da eficácia do terrorismo é que os terroristas querem muita gente a ver - e a nossa resposta confusa deu-lhes isso, alimentou a psicologia do terrorista.

Os terroristas são exibicionistas, é isso?
O terrorismo para mim sempre foi sobre teatro. É preciso fazer uma distinção entre os alvos imediatos, ou seja, as pessoas que perderam as suas vidas em Boston, e a tentativa de aterrorizar não só Boston mas os Estados Unidos. Uma das razões por que o terrorismo atrai tipos de pessoas e grupos muito diferentes é porque eles sabem que podem matar uma pessoa e aterrorizam milhares. A cobertura mediática, a especulação, aumentou a ansiedade. Quando falamos de psicologia não é apenas sobre o que eles fazem, é muito sobre a nossa resposta ao que eles fazem. Estou muito preocupado com o potencial para incidentes copycat [de imitação]. Tem havido imensa especulação, informação falsa sobre a identidade destes indivíduos. Tem havido uma recusa em esperar pela revelação dos factos. Isto colectivamente reforça a ansiedade que os terroristas querem causar.

A psicologia do terrorista é parecida com a do psicopata?
Os psicopatas não tendem a pertencer a organizações porque são motivados por razões egoístas, incompatíveis com as exigências do estilo de vida do terrorista - que precisa de estar consciente das questões de segurança, de estar calado. Os psicopatas tendem a ser indivíduos de pouca confiança. Ao longo dos anos estudei quase 200 terroristas. Há alguns psicopatas entre os terroristas, mas são uma excepção. Os terroristas têm de trabalhar muito para reduzir a empatia que sentem - é mais fácil fazê-lo quando não se está perto do sítio onde a bomba explode, se não tem experiência directa dos danos que causou. Eles têm de estar continuamente a justificar a si próprios a razão por que fazem o que fazem. E eles justificam-no através de rituais, de ideologia, minimizando as consequências do que fizeram, deslegitimando o inimigo - ou seja, usam muitas maneiras para se sentirem melhor, mas têm de trabalhar nisso.

Os terroristas são mais dotados socialmente do que os psicopatas?
Não. Uma das consequências de entrar num grupo é que as ligações com amigos e família tendem a desaparecer e o grupo passa a ser o mais importante. O mais importante passa a ser a mensagem, o objectivo, proteger o novo mundo que alcançaram - entram num processo de imunização, tentam imunizar-se das consequências do que fazem. Se se estiver envolvido em acções terroristas, não se pode parar para pensar.

Qual é o motor de acção principal do terrorista?
Não há. Normalmente têm sentimentos muito fortes em relação a uma comunidade vitimizada. Há também alguma mágoa envolvida, e também razões altruístas e egoístas que têm a ver com fantasias - podem querer envolver-se no terrorismo para conseguir coisas que não conseguiriam de outra forma. Se alguém é um perdedor, por exemplo, pode sentir que conseguiu alguma coisa ao encontrar uma comunidade. Há também a excitação, a aventura, a camaradagem, as recompensas que surgem de estar num grupo terrorista. É uma combinação. Muitas pessoas quando entram não são necessariamente radicalizadas, algumas começam a envolver-se e só se tornam ideológicos quando se preparam para cometer um acto terrorista.

Há tipos de personalidade mais susceptíveis de se tornarem terroristas?
Em 40 anos de pesquisa tentámos encontrar a personalidade do terrorista, mas não encontrámos. Há alguma plausibilidade na sugestão de que, por exemplo, as pessoas que estão predispostas a assumir riscos podem ser mais vulneráveis à radicalização - mas isso não está provado pela investigação. A razão pela qual as pessoas mais novas tendem a envolver-se mais no terrorismo é porque a sua identidade social, política, religiosa ainda está a formar-se, portanto são mais vulneráveis à radicalização e estão mais dispostas a arriscar porque pensam ser invulneráveis.

Quais são as características do terrorista americano?
Fizemos um estudo grande em que olhámos para 119 terroristas do tipo "lobo solitário" nos EUA. Descobrimos que havia três grupos distintos: os actores solitários da extrema-direita, que tendiam a ser desempregados, com menos probabilidade de serem licenciados, e que tendiam a fazer declarações sobre as suas crenças aos amigos e família; os actores solitários da Al-Qaeda, que tendiam a ser mais novos, estudantes, muitas vezes aprendiam as coisas sobre terrorismo através da Internet, tinham menos probabilidade de ter antecedentes criminais e de executar os seus atentados com sucesso; e finalmente os actores solitários isolados, que tendiam a ser pessoas antiaborto ou ambientalistas, casados, com menos tendência para serem socialmente isolados mas com antecedentes criminais e um passado de doenças mentais.
Quando lemos nos media coisas sobre pessoas que conheciam os terroristas, quase sempre as pessoas dizem: "Conhecia esta pessoa, estou chocado com o que fez." Descobrimos o oposto: que quase todos estes terroristas partilharam as suas frustrações e a sua intenção de fazer alguma coisa com as suas mágoas. Isso foi uma descoberta muito chocante, porque estes actos podem ser prevenidos de formas que não imaginámos - se alguém está a contar aos amigos as suas intenções, isso precisa de ser denunciado."

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