domingo, 29 de abril de 2012

O tempo


de Nathan Spotts

“Recordemos o mito grego da criação. Gaia, a Terra, e Úrano, o Céu, irmãos e esposos, estavam unidos um ao outro. O marido desenvolvia uma atividade sexual ininterrupta, o seu pénis não chegava sequer a deixar a vagina da sua mulher. Esta, engendrava crianças que, devido à posição desconfortável do pénis, permaneciam fechadas no seu seio. Até ao dia em que Crono, um destes infelizes filhos, decidiu castrar o pai. Foi então que o céu se separou da Terra, cada um deles tomou um movimento independente, o Sol e as estrelas começaram a circular de leste para oeste, as estações sucederam-se e instaurou-se o ciclo anual. O tempo surgiu. Por isso este filho justiceiro foi chamado Crono, o Tempo.
Sem corte e separação a noção de duração não existe. No entanto, no psicopata não se observa diferenciação porque também não há sequer união prévia. É nisto que ele é diferente do psicótico.
Estas observações aplicam-se igualmente aos psicopatas que vivem e agem como comandados por um relógio. Estes delinquentes organizam o seu delito de forma muito precisa e com sangue-frio, como se estivessem debaixo de intensa coação interna. A sua moral é formal e não é marcada pela reflexão, mas apenas por imperativos de obediência e de tranquilização destinados à sua salvaguarda”.
Albert Eiguer Pequeno Tratado das Perversões Morais Climepsi

“Os doentes com perturbação narcísica da personalidade não têm noção da passagem do tempo, da importância de planear o futuro ou do confronto entre experiencia e comportamento reais e ideais; apenas podem melhorar desconfortos presentes e reduzir a tensão se atingirem imediatamente objetivos desejados.  A  sua impossibilidade de aprender através da experiência expressa a mesma incapacidade em conceber a sua vida para além do momento imediato."
Otto Kernberg Agressividade Narcisismo e Auto-destrutividade na Relação Psicoterapêutica Climepsi



quarta-feira, 25 de abril de 2012

O amor ao poder


 Jason Middlebrook Finding Square 2011

Neste dia 25 de abril, o dia da liberdade, não escapei à vontade de pensar no poder político. Estamos todos, ou quase todos, muito zangados com os políticos. Possivelmente as nossas razões são partilhadas, e impulsionaram-me a colecionar uma série de afirmações (de momento deixo-vos só três), que pretendem dar voz aos sentimentos que possamos nutrir por eles.
Começo por um pequeno texto de Joan Riviere que nos permite distinguir as diferenças entre o amor ao poder e o poder do amor, a que se segue um texto de Melanie Klein, que bem pode dizer respeito tanto aos políticos como a todos os que no dia de hoje falam dos grandes valores da liberdade ou da justiça social, que na mente deles não passam de abstrações, mas que na verdade, não estão verdadeiramente comprometidos com as pessoas. São exemplos, os entusiastas pelas causas, mas pouco solidários com os que lhes são próximos.
Não resisto a uma citação Abraham Lincoln, Presidente dos EUA (1809-1865): “Quase todos os homens são capazes de suportar adversidades, mas, se quiser pôr à prova o carácter de um homem, dê-lhe poder.”

“Mas o poder do amor é algo fundamentalmente distinto do amor ao poder, que é essencialmente egoístico e incapaz de fundir-se com o amor em qualquer grau; não poderá senão simulá-lo. O verdadeiro amor revela capacidade de sacrifício, certa capacidade de suportar o sofrimento, alguma dependência – o que para o bem do amor representa um lucro ainda maior; a necessidade de poder brota diretamente da incapacidade de tolerar seja sacrifícios por outros ou dependência dos outros. Devido a esta incapacidade subjacente, qualquer tentativa de levar a cabo um objetivo evidentemente construído mediante excessiva omnipotência é sempre falsa – por apoiar-se sobre um argumento ilusório – e vence, no caso de conseguir impor-se com sucesso, apenas por meio de fraude ou violência. Joan Riviere*

“ Em algumas pessoas, contudo, esse deslocamento para objetos não-humanos tornou-se a sua maneira principal de lidar com os conflitos, ou melhor, de escapar aos mesmos. Todos conhecemos o tipo de amigo de animais, colecionador apaixonado, cientista, artista, e por aí fora, que são capazes de um grande amor, e frequentemente de autossacrifício, pelos objetos da sua dedicação ou de seu trabalho selecionado, mas que pouco interesse ou amor têm a gastar com seus semelhantes”. Melanie Klein*

*Melanie Klein e Joan Riviere Amor, Ódio e Reparação Imago Editora

segunda-feira, 23 de abril de 2012

ENTREVISTA a Helena Marujo #1


Entrevista de Inês Menezes a Helena Marujo, doutorada em Psicologia na área de Psicoterapia e Aconselhamento Educacional e professora na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa e do Mestrado em Psicologia Escolar da Universidade do Minho. Esta entrevista foi publicada no Suplemento X do Publico a 10 de Fevereiro de 2007. De momento, apresenta-se só uma 1ª Parte.









Ao longo de tantos anos de pesquisa, que definição encontra para a felicidade?
H.M: Este é, antes de mais, um conceito que começa a ser reconhecido pela ciência e que foi, durante muitos anos, e do ponto de vista dos cientistas, chamado bem-estar subjectivo. Considera-se a felicidade uma combinação entre o prazer, a capacidade de apreciar a vida (e tudo o que se possui) e a realização em diversas intervenções sociais, que envolvem desde o trabalho ao voluntariado, a família, os amigos, etc. Estes dois aspectos, um deles mais hedonista - associado ao prazer e à apreciação das emoções positivas imediatas, e a realização e preenchimento pleno da vida, que envolve a descoberta da identidade de cada um (quem sou, o que quero da vida e para onde quero caminhar) -, fazem parte da ideia actual de felicidade.

Existe já uma definição científica de felicidade?
H.M: A definição científica actual de felicidade envolve uma definição de saúde mental positiva (nos anos 30 já se considerava que a saúde não era apenas sinónimo de ausência de doença, mas antes um estado de bem-estar físico, mental e psicológico). Esta descoberta da visão de um sentir positivo faz hoje parte da ideia de felicidade. Mesmo assim, autores como Martin Seligman, um dos pais da psicologia positiva, dividem a definição da felicidade em três tipos.

Existem, portanto, três tipos de felicidade?
H.M: Exactamente. A primeira está ligada ao prazer, ao hedonismo, ao saber apreciar a vida, associada, muitas vezes, às sensações - uma boa sessão de cócegas pode ser um momento de prazer e felicidade para uma criança, enquanto um adulto pode experimentar essa mesma sensação ao comer um petisco. O segundo tipo de felicidade prende-se com o envolvimento e dedicação a projectos de vida que façam sentido (aquilo que as pessoas consideram essencial para a sua realização pessoal e que vai desde a família ao trabalho, hobbies e acções de voluntariado). Existe ainda um terceiro nível de felicidade, ligado à busca do sentido da vida.

O que faz com que uns se sintam mais realizados com aspectos ligados ao prazer hedonista -comer um chocolate, por exemplo - enquanto outros necessitam de buscar o sentido da vida para se aproximarem da ideia de felicidade?
H.M: Não existe, ao que parece, qualquer ligação entre idade, sexo ou níveis de inteligência e indicadores de felicidade. Ou seja, não é preciso ser inteligente para ser feliz. Por outro lado, alguns estudos demonstram que a felicidade tende a aumentar ao longo da vida, pois as pessoas vão-se sentindo progressivamente mais satisfeitas. No entanto, esta é uma área onde ainda se sabe muito pouco e se procuram dados mais concretos.

Por que é que alguns têm mais facilidade em atingir uma espécie de felicidade de nível mais básico do que outros?
H.M: Neste momento, alguns estudos indicam que as pessoas mais felizes são capazes de cruzar estes dois elementos na sua vida - satisfação das emoções mais primárias e preenchimento e realização pessoal (vida plena e com sentido). Os estudos indicam ainda que ter muito dinheiro e viver exclusivamente do prazer imediato (estar, por exemplo, numa ilha paradisíaca ou ter um avião privado para se deslocar, etc.), não corresponde a níveis maiores de felicidade.

O que poderá fazer falta a essas pessoas?
H. M: Falta, obviamente, o sentirem-se envolvidas em projectos que façam sentido e que vão para além do aqui e agora. Não é por acaso que muitas pessoas que atingiram uma enorme qualidade de vida material estão viradas para projectos de voluntariado, que vão desde a cooperação na diminuição da fome à melhoria, em termos de investimento, do planeta, do ambiente, etc. Estas pessoas acabam por perceber que os seus recursos, de que poderiam servir-se apenas para si próprias, podem ser úteis a outros. Considera-se que esta é a plena felicidade.

O altruísmo é, portanto, um dos caminhos para a felicidade?
H. M: Sim, embora não seja suficiente, pois necessitamos também de momentos egocêntricos, de escolha individual, de fazer apenas o que queremos...

Nesse sentido, diria que alguém como a Madre Teresa de Calcutá era uma mulher feliz?
H. M: Diria que sim, pois penso que ela tinha uma extraordinária capacidade de apreciar as pequenas coisas do dia-a-dia, conferindo prazer imediato a coisas tão simples como o sorriso de uma criança, a melhoria na saúde de alguém... etc. Ou seja, a Madre Teresa era capaz de estar atenta e consciente das pequenas coisas boas (centrava-se, portanto, nas emoções positivas), apreciá-las e dar-lhe uma dimensionalidade grande, minimizando o sofrimento e a dor a que diariamente assistia.

Como explica essa capacidade de escolher permanentemente o positivo?
H. M: O nosso grau de liberdade permite-nos escolher, ou não, entre aquilo que nos provoca, de facto, as tais emoções positivas. Alguns autores falam numa espécie de média de felicidade própria de cada um. Ou seja, uma espécie de ponto base ao qual tendemos sempre a voltar, independentemente das circunstâncias exteriores e dos acontecimentos que possam vir a acontecer.

Por isso se diz que face a um acontecimento como ficar tetraplégico, por exemplo, ou, numa versão mais positiva, ganhar o totoloto, embora se possa verificar um nível de infelicidade, ou felicidade, muito grande, passado o efeito de trauma ou de euforia, se volta basicamente ao mesmo?
H. M: Exactamente. E, segundo demonstra a experiência, tanto perante um acontecimento muito positivo e muito idealizado como perante um acontecimento negativo que não se desejava que acontecesse há, de uma maneira geral, adaptações relativamente rápidas e, mais tarde ou mais cedo regressa-se ao ponto de onde se partiu em termos daquilo que era o nível médio de felicidade de cada um. Dito de outra forma, todos temos um tom emocional ou afectivo ao qual regressamos sempre. Mas o mais interessante para a comunidade científica é perceber, mesmo existindo este nível médio de humor, próprio de cada um, que espaço ou autonomia teremos para modificar a tendência ou predisposição de cada um.

Quais as conclusões desses estudos?
H. M: Para já, os indicadores dos estudos vão todos no sentido de, apesar de existir uma tendência genética, todos termos também um espaço grande de construção e educação nesta área. Alguns autores apontam para o facto de a experiência de vida e a forma como se encaram os acontecimentos e a realidade poderem ser determinantes da conquista da felicidade. Ou seja, apesar de todos termos uma determinada predisposição genética, esta pode ser, ou não, activada. Na pior das hipóteses, existe sempre 50 por cento de intervenção contextual, ambiental, resultado da experiência de vida e da construção pessoal de cada um.

Mas mesmo essa percentagem de espaço de construção individual está associada ao nosso temperamento prévio e às vicissitudes da vida.
H. M: Não exactamente. Mesmo aquilo com que nascemos geneticamente, e que marca parte do nosso temperamento e personalidade, pode, ou não, ser activado. Ou seja, a influência genética não implica o desenvolvimento de determinadas características. Se houver um temperamento, ou personalidade, prévio negativo, este pode, ou não, ser dominante.

O que explica que exista uma tendência crescente para a depressão, o desalento e a infelicidade?
H. M: Esse é um ponto que tem alertado os cientistas no sentido de procurar uma resposta. Se do ponto de vista da evolução da espécie esta atenção permanente ao negativo já fez sentido, permitindo-nos sobreviver e defender dos perigos maiores, a conclusão a que se chega é que existe actualmente uma hipersensibilidade ao negativo que não só deve ser alterada como não se justifica. Existe, de facto, algum desajustamento nesta atenção permanente ao negativo, tendo em consideração uma sociedade que diminuiu os riscos de forma bastante visível (basta ver o aumento dos níveis de longevidade) e onde cada vez mais controlamos a nossa capacidade de sobrevivência.

CONTINUA...

Imagem retirada de Ver portugal  que contém outra entrevista com esta investigadora.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Da dependência


“…o traço unitário da doença mental – a dependência”.*
Podíamos acrescentar: o traço unitário da saúde mental – ser-se independente de outro ser, porque nos sentimos inteiros, mas a quem permanecemos ligados por uma indecifrável fragilidade.  No amor, a nossa satisfação não se consegue atingir sem que a pessoa que amamos ,esteja satisfeita.
É preciso sermos fortes para vivermos este ofício desprendido – a nossa liberdade de ação que nos dá um sentido de competência e o vínculo que nos liga ao outro em assuntos específicos . Agora, chegamos para estar com ele, estamos mais ricos e mais fortes.“E o vínculo é de lealdade e não de dependência; de afeto e respeito, e não de necessidade e medo da perda.”
Se há um contínuo que liga a normalidade à patologia, a mesma linha une a independência à dependência. Nesta ultima condição, “Alguém faz-me falta para me sentir completo, inteiro; mas não para formar uma nova unidade, o par” (o par amoroso, o par de colegas, o par de amigos….). Pelo que, não se vive bem connosco e com o outro, neste intrincado de necessidades e expetativas irrealistas. É a prisão das esperanças sem sentido que se chocam, e de todas as insatisfações. O que se quer por vezes, é a fusão, que o outro se cole à imagem e semelhança do que desejamos. E que se apague, porque, a pessoa que ele é, na verdade, pouco importa. O que impera é a nossa necessidade e o medo de ficarmos por nossa conta e sós.

*As citações são de: António Coimbra de Matos O Desespero Climepsi (é sobre a patologia borderline)

Na doença mental, a dependência é acentuada na patologia borderline e na esquizofrenia.

Imagem: Egon Schiele Lovers 1914/15

A perversão narcísica

“Por extensão, o termo perverso pode dizer respeito também a sujeitos que não têm comportamentos sexuais incomuns, mas uma forma de fruição que se baseia no sofrimento, na humilhação, na instrumentalização do outro: registo da perversão moral ou narcísica que procederia de um núcleo comum a todas as perversões. Neste caso o que se procura é a dominação e a desvalorização do Ego do outro”

Gérard Pirlot e Jean –Louis Pedinielli As Perversões Sexuais e Narcísicas Climepsi Editores.


Audio com Nicole Jeammet: http://www.babelio.com/auteur/Nicole-Jeammet/

terça-feira, 10 de abril de 2012

Pontos Cardeais

NGC 5128 - Centaurus

Otto Fenichel em "Teoria Psicanalítica das Neuroses" (1946):
“As relações objetais das pessoas maduras não consistem apenas em amor e ódio, mas também 1) sentimentos objetais de menos intensidade, simpatia e antipatia em graus variados, que são essencialmente diferentes do amor e do ódio” 2) as pessoas normais também têm uns certos graus de ambivalências.”

António Coimbra de Matos em "Relação de Qualidade" (2011):
“… só existem dois tipos de relação humana: (1) a relação de amor (2) a relação de ódio.”

É tentador considerarmos que Otto Fenichel tem razão. O amor é assim como uma nublosa, por vezes excitante e luminosa como Centauros, sendo que, em outras ocasiões brota violento, com os seus buracos negros que resultam dos nossos impulsos agressivos para aqueles que amamos e pelas pessoas no geral. “Tem dias” é como muita gente exprime a qualidade da suas relações. É tentador. Mas está errado pensar-se que o amor poderia situar-se neste limbo de conflitos não resolvidos com o ódio.
O amor situa-se para além desta ambivalência. Ou seja, – a simpatia ou o afeto discreto até às relações de amor excecional – são o triunfo da capacidade de controlar a intensidade e o rumo das nossas forças vingativas e destruidoras. E na exibição destas, ter sido possível reparar os danos causados.
Este encontro, não faz parte das relações de ódio, que se revelam desde a subtil à declarada agressividade. Gosto de pensar no ódio como se pensa nas bactérias e nos vírus que habitam o nosso corpo. Habitam o nosso quotidiano. Nem sempre podemos proceder à sua total eliminação. A desconfiança sobre o outro e a falta de controlo nos impulsos agressivos, impõe cuidado e a distância de segurança necessária. Não vos parece?
Só existem de fato, dois tipos de relação humana: (1) a relação de amor (2) a relação de ódio.













segunda-feira, 9 de abril de 2012

ENTREVISTA a Pilar Varela #2


Entrevista realizada por Laurinda Alves, e publicada na XIS do Jornal Publico em 2006.
Pilar Varela é psicóloga, espanhola, escritora e professora universitária. É autora do livro Ansiosamente. Apresenta-se a 2ª e ultima parte dessa entrevista.


Acha isso importante para a saúde física e psíquica?
P.V: Muito. Não fazer nada pode ser deitar-se num sofá, tomar um duche, pôr roupa no cesto ou fazer alguma coisa que não requer esforço mental nem físico. Esse tempo limpa os restos de incomodidade que estão na nossa mente e na nossa vida, e isso parece-me importante. Muitas pessoas enchem os minutos e os segundos de actividades: enquanto descem de elevador lêem o jornal e falam ao telemóvel, tudo ao mesmo tempo; vão no carro ao telemóvel (agora em Espanha é totalmente proibido!) e é este estranho sentido de aproveitamento do tempo que considero um erro. Uma certa inactividade é fundamental para ter paz e equilíbrio interior.

Muitas pessoas sofrem de crises ou picos de ansiedade insuportáveis. O que se pode fazer para neutralizar a ansiedade?
P.V: A ansiedade é bastante mais grave do que pensamos e, ainda por cima, há muitos níveis de ansiedade. Há a ligeira ansiedade que pode ser positiva ou, pelo menos, proporcionada às circunstâncias e acontecimentos. Depois há um nível médio de uma ansiedade já mais séria, mais destrutiva e mais incómoda e, finalmente, há um terceiro nível que são os transtornos de ansiedade, no qual nos enfrentamos com doenças. Falo dos ataques de pânico, por exemplo.

São cada vez mais frequentes?
P.V: Há pessoas que têm ataques de pânico frequentes, uma ou duas vezes por semana, numa loja, no metro ou quando vão a andar pela rua, entre a multidão. Estas pessoas sentem que não controlam a sua vida nesse momento. Pensam que vão enlouquecer e que têm poucos recursos para enfrentar a situação. O que estas pessoas têm de fazer é pedir ajuda a um profissional especializado nesta matéria.
Há outros níveis de ansiedade menores que são manejáveis pela própria pessoa. Acho que o meu livro dá muitas pistas para saber reconhecer a própria ansiedade e perceber em que nível de ansiedade nos movemos. Ou, talvez, reconhecer os níveis de ansiedade de um filho, de uma irmã ou de um amigo porque este livro não é apenas para a própria pessoa.

Nos picos de ansiedade em que não se chega ao ataque de pânico, a ansiedade também pode ser insuportável.
P.V: Sim. Nas adicções, por exemplo, isso acontece muito. Um fumador que quer deixar de fumar sabe que o primeiro passo lhe vai custar muito e que nos dias a seguir vai sentir uma ansiedade quase insuportável...

Acontece o mesmo com os viciados em drogas, álcool, tudo...
P.V: Sim, quando o tabaco, o álcool, a comida, o sexo, o jogo ou o acto de comprar são compulsões descontroladas (e os compulsivos caem sistematicamente nelas) a ansiedade pode parecer insuportável, mas há maneiras de a controlar. Ao princípio é preciso fazer um esforço racional por cima da vontade e pôr barreiras a si mesmo. Se a compulsão é fazer compras, dizer a si próprio: "Não quero ter mais cartões de crédito e deixo os cheques ou o dinheiro em casa." Ao mesmo tempo é preciso encontrar alternativas positivas para escapar à tentação de comprar, que vai ser permanente e pode ter picos de ansiedade aguda.

É importante a tal consciência de que nada se faz de um dia para o outro?
P.V: Sim, tudo isto requer tempo e persistência. O primeiro dia é sempre muito difícil, o segundo dia já custa menos, o terceiro dia é melhor e por aí adiante. Nos casos de desencontro amoroso, outro exemplo comum nos dias que correm, as pessoas vivem momentos de grande ansiedade, enquanto esperam que o outro telefone ou dê sinais. É importante, nestes casos, apostar em pensamentos positivos.

Tais como?
P.V:_Se a outra pessoa não telefona, em vez de pensar "Não me telefona porque não gosta de mim", pode tentar pensar "Não me telefona porque está ocupado".
Isto, claro, se na realidade não telefona porque está casado(a) com outra(o). Nesse caso, os pensamentos positivos e a única maneira de neutralizar a ansiedade talvez sejam "Tenho de deixar esta relação porque não é saudável para mim, não é oportuna, não está a ser possível nem viável". Também nestes casos o tempo ajuda muito. Seja para que a relação possa acontecer, seja para esquecer. Se não houver pensamentos positivos e realistas as pessoas estão a enganar-se a si próprias. De todas as formas, o amor é um grande inimigo da paz e, muitas vezes, um detonador de grandes ansiedades.

Apenas o amor romântico, ou todas as relações afectivas contêm em si a possibilidade de gerar grandes ansiedades?
P.V: Os dois campos onde a ansiedade frutifica mais fortemente são o trabalho e o amor. Tomemos o amor e pensemos nele desde o primeiro ao último capítulo. Ao longo do tempo há muitos momentos de ansiedade. O primeiro pode ser logo quando a pessoa se começa a apaixonar e ainda não sabe se é correspondida. Aí já há ansiedade e se, na realidade, não é correspondida, é uma pena, porque esta ansiedade é muito incomodativa e dolorosa. Depois, quando uma pessoa ama e é amada, é maravilhoso e há uma situação de ansiedade positiva, muito interessante. A partir do momento em que o casal se estabelece, por assim dizer, a relação fica sempre vulnerável à monotonia, ao aborrecimento, à infidelidade, à falta de comunicação, aos ciúmes...

O nascimento dos filhos também é um potenciador de ansiedade?
P.V: Mesmo quando os filhos são muito desejados e muito queridos existe alguma ansiedade. Por outro lado, eles captam muitas energias e introduzem um triângulo no amor: já não é ele e ela, de repente há outra pessoa naquela relação e isso requer uma adaptação que nem sempre é fácil.
É interessante dizer isso porque crescemos a acreditar que "casamos, temos filhos e somos felizes para sempre!". Ninguém diz que, apesar de muito queridos, os filhos podem ser focos de grandes tensões e julgo que ajudaria muitos casais saber que a realidade é diferente. Pode ser melhor, até, mas não é como dizem as fábulas...
Escrevi outro livro depois deste que se chama Amor Puro e Duro, que ainda não está traduzido para português, onde digo que o amor é muito vulnerável aos mitos. O amor não se entende bem, as pessoas entendem-se, como se diz no cinema, mas isso não é amor, ou melhor, não é o amor todo. No cinema dizem que o amor é só o enamoramento, a fase inicial, quando ambos se encontram, sofrem dificuldades, apaixonam-se, dão um beijo e... "The End". Ora, é neste ponto que começa a verdadeira relação.

Não só não termina como começa realmente a partir dali...
P.V: É exactamente quando começa. Depois, o momento do nascimento dos filhos é muito bonito e pode ser vivido numa grande partilha, cumplicidade e felicidade, mas também pode ser um tempo muito difícil de viver. Pode criar-se uma certa distância física entre o casal, porque o sexo e a intimidade não são iguais durante um certo período de tempo. O bebé acorda o casal durante a noite, a mãe levanta-se para dar de mamar e tudo isto implica outro tipo de rotinas. Quando a criança cresce um pouco, muitas vezes também separa os pais, porque requer muita atenção e energia. Ou seja, os dois amantes têm de recompor a sua relação de amor e comunicação até voltarem a encontrar um equilíbrio.

É mais frequente acontecer de forma positiva e saudável, ou não?
P.V: Felizmente muitas pessoas superam bem esta fase e resolvem os problemas, mas é bom saber que os filhos trazem alguns problemas, porque senão, inconscientemente, culpam-se os filhos quando, na realidade, eles não têm culpa. Um bebé chora, faz xixi, tem fome, tem cólicas, tem desconfortos e tudo isso implica uma consciência grande da situação.

No trabalho, os detonadores de ansiedade são de que tipo? Têm a ver com a competitividade?
P.V: Também. Agora há uma situação que está muito na moda e se chama mobing mas sempre existiu. O mobing, é o assédio moral que alguns companheiros exercem sobre uma vítima.

Em que é que se traduz?
P. V: Escolhem uma vítima, alguém que normalmente é um trabalhador bom, honrado, criativo e popular, que de alguma maneira faz sombra a alguém ou gera inveja nos outros. Os que fazem mobing são sempre outros trabalhadores medíocres, maus. Em Psicologia falamos de evil personality, uma personalidade diabólica. As pessoas que fazem assédio moral sobre os outros são verdadeiramente más ou muito narcisistas. Sentem que alguém lhes faz sombra quando lhe devolve uma visão menos positiva de si mesmo. Isto acontece, por exemplo, quando o outro está mais preparado, é mais esperto, mais bondoso, mais honrado, mais esforçado ou mais reconhecido no trabalho. O narcisista ataca moralmente a vítima, persiste nesta atitude durante muito tempo e, muitas vezes, consegue que a vítima se vá autodestruindo, que perca as redes de comunicação, que já não faça bem as tarefas, que se sinta inútil, que ponha em dúvida as suas capacidades e até a sua auto-estima, e que saia da organização.

Isso acontece com muita frequência?
P.V: Em Espanha trabalhamos muito com casos de mobing e já se publicaram vários livros sobre esta realidade.

O mobing é a chamada coligação dos medíocres?
Sim, até porque, de um modo espontâneo, eles se unem para atacar a vítima. Há muitas pessoas envolvidas.

Pode dar-me um caso concreto?
Sim, há muitos casos concretos. Ontem, um jornalista português entrevistou-me e disse-me: "Eu sofri mobing na minha organização, encostaram-me durante dois anos e não me davam nada para fazer, mas eu combati, lutei e consegui não me ir abaixo. Não sucumbi". O mobing pode ser feito por várias pessoas ao mesmo tempo e podem fazê-lo de uma forma tácita, não explícita. Ou seja, não parte de uma decisão do tipo: "Vamos juntar-nos para dar cabo desta ou daquela pessoa." Não é assim que as coisas são feitas, o que acontece é sempre uma atitude tácita, gestos consentidos e não denunciados.

Mais do que uma coligação, é o triunfo dos medíocres.
P.V: O triunfo dos medíocres, sim, à custa da destruição de outro colega de trabalho. Não é o triunfo dos medíocres porque a organização é medíocre e triunfa nuns valores medíocres. Há empresas ou locais de trabalho em que todos estão muito acomodados e triunfam os que não arriscam e encaixam na organização. Isso não é mobing, é apenas um estilo empresarial, uma cultura empresarial antiga de onde não vem mal nenhum para ninguém.

Alguns sistemas de ensino, por exemplo, podem ser pouco elásticos e muito fechados. O filme O Clube dos Poetas Mortos mostra exactamente isso. Pergunto se o que fizeram com aquele professor tem a ver com mobing?
P.V: Naquele caso mandaram-no embora porque não encaixava naquela cultura. No mobing não é necessariamente assim, embora o mobing também envolva sempre um trabalhador bom e preparado sobre quem os outros malvados caem, conseguindo esta espécie de autodestruição moral. É muito importante prestar atenção a esta questão do mobing, sabe? Há outros elementos laborais que não são necessariamente o mobing e geram muita ansiedade.

Tais como?
P.V: Trabalhar, por exemplo, num ambiente insano, insalubre, ou trabalhar com horários nocturnos, ou trabalhar com contratos inseguros ou instáveis, ou trabalhar com um ordenado muito baixo, ou com um índice de responsabilidade e de dificuldade muito superior àquele que a minha cabeça pode tolerar, tudo isso são elementos que geram altas doses de ansiedade. E repare que nestes casos não estamos a falar de alguém a fazer mal a alguém. É simplesmente assim.

O que é que a Pilar faz quando tem picos de ansiedade?
P. V. Bom, eu já tenho muitos anos, já dei a volta à esquina da vida e agora giro a minha vida doutra maneira. Já fui uma pessoa considerada "importante", já fui muito competitiva e tal, mas agora o meu interesse é um trabalho mais tranquilo. Gosto muito de escrever e escrevo sozinha, sossegada. Trabalho muito e gosto do que faço. Por outro lado, as minhas duas filhas já são grandes, têm 26 e 27 anos. Uma é economista e trabalha em Roma, e a outra é médica em Boston. Estão muito longe, mas estão bem. Também já não tenho problemas de competitividade laboral e isso também me ajuda.

Apesar de tudo, a sua vida não está absolutamente desprovida de ansiedade?
P.V: Posso dizer que 90 por cento da minha vida é muito boa e só 10 por cento pode ser desagradável, que é muito pouco. Mas pratico desporto regularmente e com disciplina, coisa que adoro, estou frequentemente com amigos e amigas com quem me rio e divirto (o riso e o humor são muito bons e são grandes diluidores de ansiedade), viajo muito, vejo o mundo e aprendi a tirar partido das pequenas coisas. Desfruto de uma boa conversa com uma pessoa inteligente, desfruto de olhar pela janela, de tomar um bom copo de vinho, de pôr umas flores numa jarra em casa, enfim, desfruto da música no carro, do sol, da luz. Tudo isso me dá muita satisfação. Acho que é por isso que vivo com menos ansiedade.

FIM




sexta-feira, 6 de abril de 2012

Bom feriado!


Os heróis em terapia, neste caso o Homem Aranha (os outros heróis estão em Super Therapy )
Retirado de Channel N.

A provocação

A provocação sob uma forma de sadismo social:

“O Sr. P., por exemplo, excessivamente tendente à vergonha e narcisicamente vulnerável, era mestre numa forma específica de sadismo social. Embora pertencesse a uma família conservadora, tornara-se muito liberal em seus pontos de vista sociais e políticos. Estava sempre ávido por informar-se acerca da origem social e religiosa de seus conhecidos e, declarando-se racional e sem preconceitos, constrangia-os em reuniões socias introduzindo na conversa o assunto da sua situação minoritária. Embora se defendesse contra o reconhecimento da significação de suas perversas manobras através de racionalizações muito bem acabadas, com o tempo se deu conta de que experimentava uma excitação de colorido erótico nessas ocasiões. Conforme sua descrição, havia um rápido momento de silêncio na conversa durante o qual a vítima lutava para recuperar a tranquilidade depois que a atenção pública se havia dirigido para a sua desvantagem social e, embora todos agissem como se nada tivessem percebido o constrangimento da pessoa vitimada, a significação emocional era clara para todo o mundo. À medida que o Sr P. foi compreendendo a verdadeira natureza de seus ataques sádicos através da exposição publica do defeito social dos outros e à medida que foi aprofundando o conhecimento do seu próprio medo de se expor e do ridículo, foi também sendo capaz de lembrar-se de violentas emoções de raiva e vergonha que sofrera na infância. Sua mãe, filha de um pastor fundamentalista, não somente costumava constranger e humilhar o menino em publico, mas também insistia em expor e inspecionar-lhes os órgãos genitais – dizia ela para descobrir se ele se havia masturbado. Quando criança tinha feito fantasias de vingança - os precursores de suas fantasias sádicas atuais – nas quais expunha cruelmente sua mãe aos olhares de espanto dele próprio e de outras pessoas.”

Heinz Kohut Self e Narcisismo Zahar Editores

(O desejo de transformar uma experiência passiva numa experiência ativa - Freud 1920; O mecanismo de identificação com o agressor - Freud 1936)



quinta-feira, 5 de abril de 2012

ENTREVISTA a Pilar Varela #1


Entrevista realizada por Laurinda Alves, e publicada na  XIS do Jornal Publico em 2006.
Pilar Varela é psicóloga, espanhola, escritora e professora universitária. É autora do livro Ansiosamente. Apresenta-se de momento, uma 1ª Parte dessa entrevista.

A ansiedade excessiva rouba a possibilidade de sermos felizes?
P.V: O que nos rouba a possibilidade de sermos felizes é a depressão. Um transtorno emocional tão grande como a depressão rouba claramente a felicidade. Uma pessoa depressiva não pode ser feliz mas um ansioso sim. O ansioso tem de lutar contra a falta de sossego interior, mas se conseguir alguma tranquilidade, quietude e equilíbrio fica próximo da felicidade.

É possível tranquilizar um ansioso crónico?
P.V: É para isso que aqui estamos, esse é o nosso trabalho. Um ansioso crónico sofre muito e está sempre inquieto. A vida é muito mais fácil se for vivida com uma certa paz. As coisas acontecem da mesma forma e os problemas são os mesmos, mas até as coisas mais graves se encaram melhor se houver alguma tranquilidade. O ansioso crónico carece permanentemente de sossego e isso é muito inquietante para viver. Claro que é possível resolver a ansiedade, mas só há 12 anos é que é considerada um transtorno.

Antes não era considerada transtorno nem doença?
P. V: Não. Só desde 1994 é que está incorporada na DSM4, que é a classificação de doenças e transtornos mentais da Associação de Psiquiatria Americana. Antes era considerada um atributo da vida, digamos assim.

E um traço de carácter?
P.V: Sim, um traço de carácter com o qual se tinha de conviver. Felizmente vivemos num tempo em que a sociedade dá nomes e caras às doenças mentais que antes eram invisíveis. Uma das grandes conquistas dos finais do século XX foi conseguir devolver a tranquilidade e a felicidade a muitas pessoas que podiam ter tudo menos paz interior. E isto foi possível graças às psicoterapias e aos psicofármacos.

A ansiedade é uma patologia típica deste século?
P.V: Absolutamente. Digamos que é típica desta época e que as razões são muitas. Não há só uma razão nem só uma explicação. Alguns investigadores pensam que a ansiedade é uma herança genética, que tal como a cor dos olhos ou do cabelo está nos nossos genes.

Acha que sim?
P.V: Acho que há qualquer coisa de provável nisso, mas também é verdade que é apenas uma predisposição. Se depois não existe um disparador, a ansiedade pode ficar passiva durante toda a vida.
O problema desta época é que há muitos disparadores de ansiedade, todos os dias, em todos os momentos, em todas as idades.
Eu acho que confundimos um pouco a nossa forma de viver e agora já é difícil voltar atrás. Existe uma patologia chamada "depressão das notícias" que afecta particularmente as pessoas mais vulneráveis às notícias tristes, demolidoras e trágicas do dia-a-dia. Claro que todos nos perguntamos como é que a humanidade pode ser tão brutal. Mas há quem fique seriamente afectado pelas notícias. Para além desta fragilidade geradora de ansiedade, há também um interesse excessivo pelo dinheiro e pela competitividade, por tudo aquilo a que chamamos "êxito", e é uma metáfora camuflada de um dinheiro que, depois, não sabemos gastar.

É um erro viver assim?
P.V: É um erro e nada disto nos dá paz. Estamos a substituir os valores verdadeiros pelos valores sociais. Dou um exemplo que me parece significativo: alguns passageiros dos aviões do 11 de Setembro tiveram oportunidade de mandar mensagens à família. Essas mensagens, que eram as últimas das suas vidas, porque estavam conscientes da iminência da sua morte, nunca foram mensagens económicas. Nenhum disse coisas do género: vende valores ou compra a casa. O que todos disseram foi: "Adoro-te, mãe", "Adoro-vos", "Digam aos miúdos que os adoro" e por aí adiante. Foram mensagens de amor porque no momento da morte as coisas ordenam-se de uma forma indiscutivelmente verdadeira. Nesse momento só existe verdade. E qual é a verdade? O amor, o carinho, o afecto, a companhia, a solidariedade ou a benevolência, mas não o dinheiro, o êxito ou o triunfo.

Vivemos ao contrário da nossa natureza mas como é que podemos inverter este ciclo?
P.V: A nossa sociedade precisa de bons profissionais, bons médicos, bons cabeleireiros, bons taxistas, bons jornalistas, bons empregados. Enfim, precisamos de bons profissionais, de bons investigadores, bons cantores, bons artistas. Tudo isso é necessário. Se ficar doente quero para mim um bom médico, se vou apanhar um avião quero que o piloto seja um bom piloto e por aí adiante. Um dos valores mais importantes é fazer as coisas bem feitas, até porque há muita satisfação em fazer bem as coisas e aproveitar o talento de cada um. O problema é que o excesso de competitividade deturpa muitas vezes o sentido da vida e o sentido da transcendência. Falo de uma transcendência que não tem necessariamente de ser religiosa.

Espiritual, no sentido mais amplo do termo?
P.V: Sim. De alguma maneira temos de deixar uma pequena marca neste mundo porque as pessoas ditas normais, como nós, movem o mundo. Esta certeza dá muita tranquilidade de espírito.

De onde mais pode vir a ansiedade?
P.V: Infelizmente a ansiedade pode vir de muitas fontes, mas uma destas fontes que não permite que ela se dilua e, em certa medida, até a aumenta, é a nossa forma de viver, difícil e competitiva. É verdade que mais tarde ou mais cedo todos vamos passar por fases difíceis ou, até, dramáticas. Tudo isto é inerente à condição humana. É impossível encontrar uma pessoa mais velha que nunca tenha tido uma pena, que não tenha perdido algum familiar querido, que não tenha tido um problema grave de trabalho. Não podemos negar à vida este lado negativo e de sofrimento porque ele existe.

E, em último caso, pode ser sempre uma oportunidade de crescimento?
P.V: Pode ser uma oportunidade de crescermos ou uma oportunidade de nos irmos abaixo e de fraquejarmos perante o sofrimento. As pessoas que têm um espírito mais combativo, que não se rendem facilmente, podem lidar melhor com essa situação. Mas é importante dizer que também vão reagir com ansiedade e que durante algum tempo não ficam fora do seu equilíbrio, com sintomas de ansiedade.

Quais são os sintomas da ansiedade?
P.V: Há sintomas físicos, como a transpiração, náuseas, insónias ou problemas gastrointestinais, porque o corpo reage muito. A ansiedade é psicofísica.

Nesse sentido também funciona como um alarme biológico?
P.V: Está muito bem dito, sim. A ansiedade é um alarme biológico, mas uma coisa é o alarme biológico responder a um estímulo verdadeiro e outra é responder a um estímulo inventado pela própria pessoa. Às vezes o alarme biológico é correcto e é oportuno.

Mas não devemos dar-lhe muito espaço interior?
P.V: Não se deve deixá-lo estar muito tempo. Por exemplo: é normal que um estudante que tenha de fazer exames demorados e difíceis, passe por um período de semanas ou meses com essa espécie de alarme biológico ligado. É natural que durma pior, que ande mais nervoso, que emagreça ou até que engorde. O problema é que, muitas vezes, o alarme não está fora de nós, está na nossa mente. Somos nós que inventamos o medo, a ameaça, o risco ou o desafio e aí é que a ansiedade já não é tão boa e pode tornar-se crónica e muito negativa. A ansiedade positiva é justamente esse alarme biológico que nos ajuda a enfrentar os problemas.

Ajuda-nos a apurar os critérios e a fazer as coisas melhor, é isso?
P.V: Sim, se quiser faz-nos mais espertos e mais capazes. Quando se torna excessiva sucumbimos perante a nossa própria ansiedade.

O que podemos fazer para não sucumbir?
P.V: A verdade é que não há uma resposta única, nem definitiva, nem podemos pensar que uma pessoa, de um dia para o outro, pode mudar radicalmente a sua atitude. Tudo isto requer tempo e persistência. De um dia para o outro podemos vender o carro, comprar uma casa, podemos aceitar um trabalho, despedirmo-nos de outro. De um dia para o outro podemos tomar decisões transcendentes, mas as que mudam verdadeiramente a nossa forma de ver o mundo precisam de ser trabalhadas. Há excepções, claro, e conheço pessoas que viveram uma tragédia como o 11 de Março em Madrid e que, no dia seguinte, tinham mudado completamente a sua forma de entender a vida. Mas isso foi por causa de um trauma muito intenso.

O tempo é uma vertigem e impede-nos de fazer esse trabalho interior demorado?
P.V: As pessoas não param para pensar. Vivem com pressas físicas e com pressas psicológicas. Pressas emotivas e pressas mentais também. A pressa é uma espécie de estranho sentido de economia do tempo que não é assim tão positivo como isso.

Atrapalha tudo?
P.V: Sim, faz com que muitas coisas não corram bem. Meditar é importante, não no sentido da meditação oriental (que pode ser muito útil também), mas no sentido de contrariar a vertigem do tempo, de parar e pensar. A Ministra da Saúde espanhola, Elena Salgado, é uma executiva muito inteligente e conheço-a porque nadamos na mesma piscina. Ela é uma nadadora disciplinada, como eu, e lembro-me de ter lido uma entrevista que deu em que dizia: "Todos os dias, quando volto a casa, fico uma hora sem fazer absolutamente nada".

(continua)

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O paradoxo da provocação

Lucie and Simon Humanity Woman ( aqui )

O PARADOXO:  “…a provocação que assinala a rejeição e ao mesmo tempo a necessidade do outro.”
Patrick Charrier e Astrid Hirschelmann-Ambrosi Os Estados-Limite Climepsi

Julgamo-nos senhores do jogo, na provocação. Ditamos os dados, e com gestos impacientes e maléficos, pretendemos que o outro transborde. Ficamos obstinados por esse poder, e não vemos o nosso medo, nem reconhecemos a ilusão que queremos o acesso ao verso e reverso da sua essência, e que a sua verdade seja depurada de sentidos secretos e pessoais.
Não suportaríamos a sua insubmissão, mas precisamos dela para ir aliviando os nossos conflitos internos. 




Filme: Une Femme Mariée
Godard (1964)