quinta-feira, 5 de abril de 2012

ENTREVISTA a Pilar Varela #1


Entrevista realizada por Laurinda Alves, e publicada na  XIS do Jornal Publico em 2006.
Pilar Varela é psicóloga, espanhola, escritora e professora universitária. É autora do livro Ansiosamente. Apresenta-se de momento, uma 1ª Parte dessa entrevista.

A ansiedade excessiva rouba a possibilidade de sermos felizes?
P.V: O que nos rouba a possibilidade de sermos felizes é a depressão. Um transtorno emocional tão grande como a depressão rouba claramente a felicidade. Uma pessoa depressiva não pode ser feliz mas um ansioso sim. O ansioso tem de lutar contra a falta de sossego interior, mas se conseguir alguma tranquilidade, quietude e equilíbrio fica próximo da felicidade.

É possível tranquilizar um ansioso crónico?
P.V: É para isso que aqui estamos, esse é o nosso trabalho. Um ansioso crónico sofre muito e está sempre inquieto. A vida é muito mais fácil se for vivida com uma certa paz. As coisas acontecem da mesma forma e os problemas são os mesmos, mas até as coisas mais graves se encaram melhor se houver alguma tranquilidade. O ansioso crónico carece permanentemente de sossego e isso é muito inquietante para viver. Claro que é possível resolver a ansiedade, mas só há 12 anos é que é considerada um transtorno.

Antes não era considerada transtorno nem doença?
P. V: Não. Só desde 1994 é que está incorporada na DSM4, que é a classificação de doenças e transtornos mentais da Associação de Psiquiatria Americana. Antes era considerada um atributo da vida, digamos assim.

E um traço de carácter?
P.V: Sim, um traço de carácter com o qual se tinha de conviver. Felizmente vivemos num tempo em que a sociedade dá nomes e caras às doenças mentais que antes eram invisíveis. Uma das grandes conquistas dos finais do século XX foi conseguir devolver a tranquilidade e a felicidade a muitas pessoas que podiam ter tudo menos paz interior. E isto foi possível graças às psicoterapias e aos psicofármacos.

A ansiedade é uma patologia típica deste século?
P.V: Absolutamente. Digamos que é típica desta época e que as razões são muitas. Não há só uma razão nem só uma explicação. Alguns investigadores pensam que a ansiedade é uma herança genética, que tal como a cor dos olhos ou do cabelo está nos nossos genes.

Acha que sim?
P.V: Acho que há qualquer coisa de provável nisso, mas também é verdade que é apenas uma predisposição. Se depois não existe um disparador, a ansiedade pode ficar passiva durante toda a vida.
O problema desta época é que há muitos disparadores de ansiedade, todos os dias, em todos os momentos, em todas as idades.
Eu acho que confundimos um pouco a nossa forma de viver e agora já é difícil voltar atrás. Existe uma patologia chamada "depressão das notícias" que afecta particularmente as pessoas mais vulneráveis às notícias tristes, demolidoras e trágicas do dia-a-dia. Claro que todos nos perguntamos como é que a humanidade pode ser tão brutal. Mas há quem fique seriamente afectado pelas notícias. Para além desta fragilidade geradora de ansiedade, há também um interesse excessivo pelo dinheiro e pela competitividade, por tudo aquilo a que chamamos "êxito", e é uma metáfora camuflada de um dinheiro que, depois, não sabemos gastar.

É um erro viver assim?
P.V: É um erro e nada disto nos dá paz. Estamos a substituir os valores verdadeiros pelos valores sociais. Dou um exemplo que me parece significativo: alguns passageiros dos aviões do 11 de Setembro tiveram oportunidade de mandar mensagens à família. Essas mensagens, que eram as últimas das suas vidas, porque estavam conscientes da iminência da sua morte, nunca foram mensagens económicas. Nenhum disse coisas do género: vende valores ou compra a casa. O que todos disseram foi: "Adoro-te, mãe", "Adoro-vos", "Digam aos miúdos que os adoro" e por aí adiante. Foram mensagens de amor porque no momento da morte as coisas ordenam-se de uma forma indiscutivelmente verdadeira. Nesse momento só existe verdade. E qual é a verdade? O amor, o carinho, o afecto, a companhia, a solidariedade ou a benevolência, mas não o dinheiro, o êxito ou o triunfo.

Vivemos ao contrário da nossa natureza mas como é que podemos inverter este ciclo?
P.V: A nossa sociedade precisa de bons profissionais, bons médicos, bons cabeleireiros, bons taxistas, bons jornalistas, bons empregados. Enfim, precisamos de bons profissionais, de bons investigadores, bons cantores, bons artistas. Tudo isso é necessário. Se ficar doente quero para mim um bom médico, se vou apanhar um avião quero que o piloto seja um bom piloto e por aí adiante. Um dos valores mais importantes é fazer as coisas bem feitas, até porque há muita satisfação em fazer bem as coisas e aproveitar o talento de cada um. O problema é que o excesso de competitividade deturpa muitas vezes o sentido da vida e o sentido da transcendência. Falo de uma transcendência que não tem necessariamente de ser religiosa.

Espiritual, no sentido mais amplo do termo?
P.V: Sim. De alguma maneira temos de deixar uma pequena marca neste mundo porque as pessoas ditas normais, como nós, movem o mundo. Esta certeza dá muita tranquilidade de espírito.

De onde mais pode vir a ansiedade?
P.V: Infelizmente a ansiedade pode vir de muitas fontes, mas uma destas fontes que não permite que ela se dilua e, em certa medida, até a aumenta, é a nossa forma de viver, difícil e competitiva. É verdade que mais tarde ou mais cedo todos vamos passar por fases difíceis ou, até, dramáticas. Tudo isto é inerente à condição humana. É impossível encontrar uma pessoa mais velha que nunca tenha tido uma pena, que não tenha perdido algum familiar querido, que não tenha tido um problema grave de trabalho. Não podemos negar à vida este lado negativo e de sofrimento porque ele existe.

E, em último caso, pode ser sempre uma oportunidade de crescimento?
P.V: Pode ser uma oportunidade de crescermos ou uma oportunidade de nos irmos abaixo e de fraquejarmos perante o sofrimento. As pessoas que têm um espírito mais combativo, que não se rendem facilmente, podem lidar melhor com essa situação. Mas é importante dizer que também vão reagir com ansiedade e que durante algum tempo não ficam fora do seu equilíbrio, com sintomas de ansiedade.

Quais são os sintomas da ansiedade?
P.V: Há sintomas físicos, como a transpiração, náuseas, insónias ou problemas gastrointestinais, porque o corpo reage muito. A ansiedade é psicofísica.

Nesse sentido também funciona como um alarme biológico?
P.V: Está muito bem dito, sim. A ansiedade é um alarme biológico, mas uma coisa é o alarme biológico responder a um estímulo verdadeiro e outra é responder a um estímulo inventado pela própria pessoa. Às vezes o alarme biológico é correcto e é oportuno.

Mas não devemos dar-lhe muito espaço interior?
P.V: Não se deve deixá-lo estar muito tempo. Por exemplo: é normal que um estudante que tenha de fazer exames demorados e difíceis, passe por um período de semanas ou meses com essa espécie de alarme biológico ligado. É natural que durma pior, que ande mais nervoso, que emagreça ou até que engorde. O problema é que, muitas vezes, o alarme não está fora de nós, está na nossa mente. Somos nós que inventamos o medo, a ameaça, o risco ou o desafio e aí é que a ansiedade já não é tão boa e pode tornar-se crónica e muito negativa. A ansiedade positiva é justamente esse alarme biológico que nos ajuda a enfrentar os problemas.

Ajuda-nos a apurar os critérios e a fazer as coisas melhor, é isso?
P.V: Sim, se quiser faz-nos mais espertos e mais capazes. Quando se torna excessiva sucumbimos perante a nossa própria ansiedade.

O que podemos fazer para não sucumbir?
P.V: A verdade é que não há uma resposta única, nem definitiva, nem podemos pensar que uma pessoa, de um dia para o outro, pode mudar radicalmente a sua atitude. Tudo isto requer tempo e persistência. De um dia para o outro podemos vender o carro, comprar uma casa, podemos aceitar um trabalho, despedirmo-nos de outro. De um dia para o outro podemos tomar decisões transcendentes, mas as que mudam verdadeiramente a nossa forma de ver o mundo precisam de ser trabalhadas. Há excepções, claro, e conheço pessoas que viveram uma tragédia como o 11 de Março em Madrid e que, no dia seguinte, tinham mudado completamente a sua forma de entender a vida. Mas isso foi por causa de um trauma muito intenso.

O tempo é uma vertigem e impede-nos de fazer esse trabalho interior demorado?
P.V: As pessoas não param para pensar. Vivem com pressas físicas e com pressas psicológicas. Pressas emotivas e pressas mentais também. A pressa é uma espécie de estranho sentido de economia do tempo que não é assim tão positivo como isso.

Atrapalha tudo?
P.V: Sim, faz com que muitas coisas não corram bem. Meditar é importante, não no sentido da meditação oriental (que pode ser muito útil também), mas no sentido de contrariar a vertigem do tempo, de parar e pensar. A Ministra da Saúde espanhola, Elena Salgado, é uma executiva muito inteligente e conheço-a porque nadamos na mesma piscina. Ela é uma nadadora disciplinada, como eu, e lembro-me de ter lido uma entrevista que deu em que dizia: "Todos os dias, quando volto a casa, fico uma hora sem fazer absolutamente nada".

(continua)

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