Entrevista realizada por Laurinda Alves, e publicada na XIS do Jornal Publico em 2006.
Pilar Varela é psicóloga, espanhola, escritora e professora universitária. É autora do livro Ansiosamente. Apresenta-se a 2ª e ultima parte dessa entrevista.
Acha isso importante para a saúde física e psíquica?
P.V: Muito. Não fazer nada pode ser deitar-se num sofá, tomar um duche, pôr roupa no cesto ou fazer alguma coisa que não requer esforço mental nem físico. Esse tempo limpa os restos de incomodidade que estão na nossa mente e na nossa vida, e isso parece-me importante. Muitas pessoas enchem os minutos e os segundos de actividades: enquanto descem de elevador lêem o jornal e falam ao telemóvel, tudo ao mesmo tempo; vão no carro ao telemóvel (agora em Espanha é totalmente proibido!) e é este estranho sentido de aproveitamento do tempo que considero um erro. Uma certa inactividade é fundamental para ter paz e equilíbrio interior.
Muitas pessoas sofrem de crises ou picos de ansiedade insuportáveis. O que se pode fazer para neutralizar a ansiedade?
P.V: A ansiedade é bastante mais grave do que pensamos e, ainda por cima, há muitos níveis de ansiedade. Há a ligeira ansiedade que pode ser positiva ou, pelo menos, proporcionada às circunstâncias e acontecimentos. Depois há um nível médio de uma ansiedade já mais séria, mais destrutiva e mais incómoda e, finalmente, há um terceiro nível que são os transtornos de ansiedade, no qual nos enfrentamos com doenças. Falo dos ataques de pânico, por exemplo.
São cada vez mais frequentes?
P.V: Há pessoas que têm ataques de pânico frequentes, uma ou duas vezes por semana, numa loja, no metro ou quando vão a andar pela rua, entre a multidão. Estas pessoas sentem que não controlam a sua vida nesse momento. Pensam que vão enlouquecer e que têm poucos recursos para enfrentar a situação. O que estas pessoas têm de fazer é pedir ajuda a um profissional especializado nesta matéria.
Há outros níveis de ansiedade menores que são manejáveis pela própria pessoa. Acho que o meu livro dá muitas pistas para saber reconhecer a própria ansiedade e perceber em que nível de ansiedade nos movemos. Ou, talvez, reconhecer os níveis de ansiedade de um filho, de uma irmã ou de um amigo porque este livro não é apenas para a própria pessoa.
Nos picos de ansiedade em que não se chega ao ataque de pânico, a ansiedade também pode ser insuportável.
P.V: Sim. Nas adicções, por exemplo, isso acontece muito. Um fumador que quer deixar de fumar sabe que o primeiro passo lhe vai custar muito e que nos dias a seguir vai sentir uma ansiedade quase insuportável...
Acontece o mesmo com os viciados em drogas, álcool, tudo...
P.V: Sim, quando o tabaco, o álcool, a comida, o sexo, o jogo ou o acto de comprar são compulsões descontroladas (e os compulsivos caem sistematicamente nelas) a ansiedade pode parecer insuportável, mas há maneiras de a controlar. Ao princípio é preciso fazer um esforço racional por cima da vontade e pôr barreiras a si mesmo. Se a compulsão é fazer compras, dizer a si próprio: "Não quero ter mais cartões de crédito e deixo os cheques ou o dinheiro em casa." Ao mesmo tempo é preciso encontrar alternativas positivas para escapar à tentação de comprar, que vai ser permanente e pode ter picos de ansiedade aguda.
É importante a tal consciência de que nada se faz de um dia para o outro?
P.V: Sim, tudo isto requer tempo e persistência. O primeiro dia é sempre muito difícil, o segundo dia já custa menos, o terceiro dia é melhor e por aí adiante. Nos casos de desencontro amoroso, outro exemplo comum nos dias que correm, as pessoas vivem momentos de grande ansiedade, enquanto esperam que o outro telefone ou dê sinais. É importante, nestes casos, apostar em pensamentos positivos.
Tais como?
P.V:_Se a outra pessoa não telefona, em vez de pensar "Não me telefona porque não gosta de mim", pode tentar pensar "Não me telefona porque está ocupado".
Isto, claro, se na realidade não telefona porque está casado(a) com outra(o). Nesse caso, os pensamentos positivos e a única maneira de neutralizar a ansiedade talvez sejam "Tenho de deixar esta relação porque não é saudável para mim, não é oportuna, não está a ser possível nem viável". Também nestes casos o tempo ajuda muito. Seja para que a relação possa acontecer, seja para esquecer. Se não houver pensamentos positivos e realistas as pessoas estão a enganar-se a si próprias. De todas as formas, o amor é um grande inimigo da paz e, muitas vezes, um detonador de grandes ansiedades.
Apenas o amor romântico, ou todas as relações afectivas contêm em si a possibilidade de gerar grandes ansiedades?
P.V: Os dois campos onde a ansiedade frutifica mais fortemente são o trabalho e o amor. Tomemos o amor e pensemos nele desde o primeiro ao último capítulo. Ao longo do tempo há muitos momentos de ansiedade. O primeiro pode ser logo quando a pessoa se começa a apaixonar e ainda não sabe se é correspondida. Aí já há ansiedade e se, na realidade, não é correspondida, é uma pena, porque esta ansiedade é muito incomodativa e dolorosa. Depois, quando uma pessoa ama e é amada, é maravilhoso e há uma situação de ansiedade positiva, muito interessante. A partir do momento em que o casal se estabelece, por assim dizer, a relação fica sempre vulnerável à monotonia, ao aborrecimento, à infidelidade, à falta de comunicação, aos ciúmes...
O nascimento dos filhos também é um potenciador de ansiedade?
P.V: Mesmo quando os filhos são muito desejados e muito queridos existe alguma ansiedade. Por outro lado, eles captam muitas energias e introduzem um triângulo no amor: já não é ele e ela, de repente há outra pessoa naquela relação e isso requer uma adaptação que nem sempre é fácil.
É interessante dizer isso porque crescemos a acreditar que "casamos, temos filhos e somos felizes para sempre!". Ninguém diz que, apesar de muito queridos, os filhos podem ser focos de grandes tensões e julgo que ajudaria muitos casais saber que a realidade é diferente. Pode ser melhor, até, mas não é como dizem as fábulas...
Escrevi outro livro depois deste que se chama Amor Puro e Duro, que ainda não está traduzido para português, onde digo que o amor é muito vulnerável aos mitos. O amor não se entende bem, as pessoas entendem-se, como se diz no cinema, mas isso não é amor, ou melhor, não é o amor todo. No cinema dizem que o amor é só o enamoramento, a fase inicial, quando ambos se encontram, sofrem dificuldades, apaixonam-se, dão um beijo e... "The End". Ora, é neste ponto que começa a verdadeira relação.
Não só não termina como começa realmente a partir dali...
P.V: É exactamente quando começa. Depois, o momento do nascimento dos filhos é muito bonito e pode ser vivido numa grande partilha, cumplicidade e felicidade, mas também pode ser um tempo muito difícil de viver. Pode criar-se uma certa distância física entre o casal, porque o sexo e a intimidade não são iguais durante um certo período de tempo. O bebé acorda o casal durante a noite, a mãe levanta-se para dar de mamar e tudo isto implica outro tipo de rotinas. Quando a criança cresce um pouco, muitas vezes também separa os pais, porque requer muita atenção e energia. Ou seja, os dois amantes têm de recompor a sua relação de amor e comunicação até voltarem a encontrar um equilíbrio.
É mais frequente acontecer de forma positiva e saudável, ou não?
P.V: Felizmente muitas pessoas superam bem esta fase e resolvem os problemas, mas é bom saber que os filhos trazem alguns problemas, porque senão, inconscientemente, culpam-se os filhos quando, na realidade, eles não têm culpa. Um bebé chora, faz xixi, tem fome, tem cólicas, tem desconfortos e tudo isso implica uma consciência grande da situação.
No trabalho, os detonadores de ansiedade são de que tipo? Têm a ver com a competitividade?
P.V: Também. Agora há uma situação que está muito na moda e se chama mobing mas sempre existiu. O mobing, é o assédio moral que alguns companheiros exercem sobre uma vítima.
Em que é que se traduz?
P. V: Escolhem uma vítima, alguém que normalmente é um trabalhador bom, honrado, criativo e popular, que de alguma maneira faz sombra a alguém ou gera inveja nos outros. Os que fazem mobing são sempre outros trabalhadores medíocres, maus. Em Psicologia falamos de evil personality, uma personalidade diabólica. As pessoas que fazem assédio moral sobre os outros são verdadeiramente más ou muito narcisistas. Sentem que alguém lhes faz sombra quando lhe devolve uma visão menos positiva de si mesmo. Isto acontece, por exemplo, quando o outro está mais preparado, é mais esperto, mais bondoso, mais honrado, mais esforçado ou mais reconhecido no trabalho. O narcisista ataca moralmente a vítima, persiste nesta atitude durante muito tempo e, muitas vezes, consegue que a vítima se vá autodestruindo, que perca as redes de comunicação, que já não faça bem as tarefas, que se sinta inútil, que ponha em dúvida as suas capacidades e até a sua auto-estima, e que saia da organização.
Isso acontece com muita frequência?
P.V: Em Espanha trabalhamos muito com casos de mobing e já se publicaram vários livros sobre esta realidade.
O mobing é a chamada coligação dos medíocres?
Sim, até porque, de um modo espontâneo, eles se unem para atacar a vítima. Há muitas pessoas envolvidas.
Pode dar-me um caso concreto?
Sim, há muitos casos concretos. Ontem, um jornalista português entrevistou-me e disse-me: "Eu sofri mobing na minha organização, encostaram-me durante dois anos e não me davam nada para fazer, mas eu combati, lutei e consegui não me ir abaixo. Não sucumbi". O mobing pode ser feito por várias pessoas ao mesmo tempo e podem fazê-lo de uma forma tácita, não explícita. Ou seja, não parte de uma decisão do tipo: "Vamos juntar-nos para dar cabo desta ou daquela pessoa." Não é assim que as coisas são feitas, o que acontece é sempre uma atitude tácita, gestos consentidos e não denunciados.
Mais do que uma coligação, é o triunfo dos medíocres.
P.V: O triunfo dos medíocres, sim, à custa da destruição de outro colega de trabalho. Não é o triunfo dos medíocres porque a organização é medíocre e triunfa nuns valores medíocres. Há empresas ou locais de trabalho em que todos estão muito acomodados e triunfam os que não arriscam e encaixam na organização. Isso não é mobing, é apenas um estilo empresarial, uma cultura empresarial antiga de onde não vem mal nenhum para ninguém.
Alguns sistemas de ensino, por exemplo, podem ser pouco elásticos e muito fechados. O filme O Clube dos Poetas Mortos mostra exactamente isso. Pergunto se o que fizeram com aquele professor tem a ver com mobing?
P.V: Naquele caso mandaram-no embora porque não encaixava naquela cultura. No mobing não é necessariamente assim, embora o mobing também envolva sempre um trabalhador bom e preparado sobre quem os outros malvados caem, conseguindo esta espécie de autodestruição moral. É muito importante prestar atenção a esta questão do mobing, sabe? Há outros elementos laborais que não são necessariamente o mobing e geram muita ansiedade.
Tais como?
P.V: Trabalhar, por exemplo, num ambiente insano, insalubre, ou trabalhar com horários nocturnos, ou trabalhar com contratos inseguros ou instáveis, ou trabalhar com um ordenado muito baixo, ou com um índice de responsabilidade e de dificuldade muito superior àquele que a minha cabeça pode tolerar, tudo isso são elementos que geram altas doses de ansiedade. E repare que nestes casos não estamos a falar de alguém a fazer mal a alguém. É simplesmente assim.
O que é que a Pilar faz quando tem picos de ansiedade?
P. V. Bom, eu já tenho muitos anos, já dei a volta à esquina da vida e agora giro a minha vida doutra maneira. Já fui uma pessoa considerada "importante", já fui muito competitiva e tal, mas agora o meu interesse é um trabalho mais tranquilo. Gosto muito de escrever e escrevo sozinha, sossegada. Trabalho muito e gosto do que faço. Por outro lado, as minhas duas filhas já são grandes, têm 26 e 27 anos. Uma é economista e trabalha em Roma, e a outra é médica em Boston. Estão muito longe, mas estão bem. Também já não tenho problemas de competitividade laboral e isso também me ajuda.
Apesar de tudo, a sua vida não está absolutamente desprovida de ansiedade?
P.V: Posso dizer que 90 por cento da minha vida é muito boa e só 10 por cento pode ser desagradável, que é muito pouco. Mas pratico desporto regularmente e com disciplina, coisa que adoro, estou frequentemente com amigos e amigas com quem me rio e divirto (o riso e o humor são muito bons e são grandes diluidores de ansiedade), viajo muito, vejo o mundo e aprendi a tirar partido das pequenas coisas. Desfruto de uma boa conversa com uma pessoa inteligente, desfruto de olhar pela janela, de tomar um bom copo de vinho, de pôr umas flores numa jarra em casa, enfim, desfruto da música no carro, do sol, da luz. Tudo isso me dá muita satisfação. Acho que é por isso que vivo com menos ansiedade.
FIM
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