segunda-feira, 23 de abril de 2012

ENTREVISTA a Helena Marujo #1


Entrevista de Inês Menezes a Helena Marujo, doutorada em Psicologia na área de Psicoterapia e Aconselhamento Educacional e professora na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa e do Mestrado em Psicologia Escolar da Universidade do Minho. Esta entrevista foi publicada no Suplemento X do Publico a 10 de Fevereiro de 2007. De momento, apresenta-se só uma 1ª Parte.









Ao longo de tantos anos de pesquisa, que definição encontra para a felicidade?
H.M: Este é, antes de mais, um conceito que começa a ser reconhecido pela ciência e que foi, durante muitos anos, e do ponto de vista dos cientistas, chamado bem-estar subjectivo. Considera-se a felicidade uma combinação entre o prazer, a capacidade de apreciar a vida (e tudo o que se possui) e a realização em diversas intervenções sociais, que envolvem desde o trabalho ao voluntariado, a família, os amigos, etc. Estes dois aspectos, um deles mais hedonista - associado ao prazer e à apreciação das emoções positivas imediatas, e a realização e preenchimento pleno da vida, que envolve a descoberta da identidade de cada um (quem sou, o que quero da vida e para onde quero caminhar) -, fazem parte da ideia actual de felicidade.

Existe já uma definição científica de felicidade?
H.M: A definição científica actual de felicidade envolve uma definição de saúde mental positiva (nos anos 30 já se considerava que a saúde não era apenas sinónimo de ausência de doença, mas antes um estado de bem-estar físico, mental e psicológico). Esta descoberta da visão de um sentir positivo faz hoje parte da ideia de felicidade. Mesmo assim, autores como Martin Seligman, um dos pais da psicologia positiva, dividem a definição da felicidade em três tipos.

Existem, portanto, três tipos de felicidade?
H.M: Exactamente. A primeira está ligada ao prazer, ao hedonismo, ao saber apreciar a vida, associada, muitas vezes, às sensações - uma boa sessão de cócegas pode ser um momento de prazer e felicidade para uma criança, enquanto um adulto pode experimentar essa mesma sensação ao comer um petisco. O segundo tipo de felicidade prende-se com o envolvimento e dedicação a projectos de vida que façam sentido (aquilo que as pessoas consideram essencial para a sua realização pessoal e que vai desde a família ao trabalho, hobbies e acções de voluntariado). Existe ainda um terceiro nível de felicidade, ligado à busca do sentido da vida.

O que faz com que uns se sintam mais realizados com aspectos ligados ao prazer hedonista -comer um chocolate, por exemplo - enquanto outros necessitam de buscar o sentido da vida para se aproximarem da ideia de felicidade?
H.M: Não existe, ao que parece, qualquer ligação entre idade, sexo ou níveis de inteligência e indicadores de felicidade. Ou seja, não é preciso ser inteligente para ser feliz. Por outro lado, alguns estudos demonstram que a felicidade tende a aumentar ao longo da vida, pois as pessoas vão-se sentindo progressivamente mais satisfeitas. No entanto, esta é uma área onde ainda se sabe muito pouco e se procuram dados mais concretos.

Por que é que alguns têm mais facilidade em atingir uma espécie de felicidade de nível mais básico do que outros?
H.M: Neste momento, alguns estudos indicam que as pessoas mais felizes são capazes de cruzar estes dois elementos na sua vida - satisfação das emoções mais primárias e preenchimento e realização pessoal (vida plena e com sentido). Os estudos indicam ainda que ter muito dinheiro e viver exclusivamente do prazer imediato (estar, por exemplo, numa ilha paradisíaca ou ter um avião privado para se deslocar, etc.), não corresponde a níveis maiores de felicidade.

O que poderá fazer falta a essas pessoas?
H. M: Falta, obviamente, o sentirem-se envolvidas em projectos que façam sentido e que vão para além do aqui e agora. Não é por acaso que muitas pessoas que atingiram uma enorme qualidade de vida material estão viradas para projectos de voluntariado, que vão desde a cooperação na diminuição da fome à melhoria, em termos de investimento, do planeta, do ambiente, etc. Estas pessoas acabam por perceber que os seus recursos, de que poderiam servir-se apenas para si próprias, podem ser úteis a outros. Considera-se que esta é a plena felicidade.

O altruísmo é, portanto, um dos caminhos para a felicidade?
H. M: Sim, embora não seja suficiente, pois necessitamos também de momentos egocêntricos, de escolha individual, de fazer apenas o que queremos...

Nesse sentido, diria que alguém como a Madre Teresa de Calcutá era uma mulher feliz?
H. M: Diria que sim, pois penso que ela tinha uma extraordinária capacidade de apreciar as pequenas coisas do dia-a-dia, conferindo prazer imediato a coisas tão simples como o sorriso de uma criança, a melhoria na saúde de alguém... etc. Ou seja, a Madre Teresa era capaz de estar atenta e consciente das pequenas coisas boas (centrava-se, portanto, nas emoções positivas), apreciá-las e dar-lhe uma dimensionalidade grande, minimizando o sofrimento e a dor a que diariamente assistia.

Como explica essa capacidade de escolher permanentemente o positivo?
H. M: O nosso grau de liberdade permite-nos escolher, ou não, entre aquilo que nos provoca, de facto, as tais emoções positivas. Alguns autores falam numa espécie de média de felicidade própria de cada um. Ou seja, uma espécie de ponto base ao qual tendemos sempre a voltar, independentemente das circunstâncias exteriores e dos acontecimentos que possam vir a acontecer.

Por isso se diz que face a um acontecimento como ficar tetraplégico, por exemplo, ou, numa versão mais positiva, ganhar o totoloto, embora se possa verificar um nível de infelicidade, ou felicidade, muito grande, passado o efeito de trauma ou de euforia, se volta basicamente ao mesmo?
H. M: Exactamente. E, segundo demonstra a experiência, tanto perante um acontecimento muito positivo e muito idealizado como perante um acontecimento negativo que não se desejava que acontecesse há, de uma maneira geral, adaptações relativamente rápidas e, mais tarde ou mais cedo regressa-se ao ponto de onde se partiu em termos daquilo que era o nível médio de felicidade de cada um. Dito de outra forma, todos temos um tom emocional ou afectivo ao qual regressamos sempre. Mas o mais interessante para a comunidade científica é perceber, mesmo existindo este nível médio de humor, próprio de cada um, que espaço ou autonomia teremos para modificar a tendência ou predisposição de cada um.

Quais as conclusões desses estudos?
H. M: Para já, os indicadores dos estudos vão todos no sentido de, apesar de existir uma tendência genética, todos termos também um espaço grande de construção e educação nesta área. Alguns autores apontam para o facto de a experiência de vida e a forma como se encaram os acontecimentos e a realidade poderem ser determinantes da conquista da felicidade. Ou seja, apesar de todos termos uma determinada predisposição genética, esta pode ser, ou não, activada. Na pior das hipóteses, existe sempre 50 por cento de intervenção contextual, ambiental, resultado da experiência de vida e da construção pessoal de cada um.

Mas mesmo essa percentagem de espaço de construção individual está associada ao nosso temperamento prévio e às vicissitudes da vida.
H. M: Não exactamente. Mesmo aquilo com que nascemos geneticamente, e que marca parte do nosso temperamento e personalidade, pode, ou não, ser activado. Ou seja, a influência genética não implica o desenvolvimento de determinadas características. Se houver um temperamento, ou personalidade, prévio negativo, este pode, ou não, ser dominante.

O que explica que exista uma tendência crescente para a depressão, o desalento e a infelicidade?
H. M: Esse é um ponto que tem alertado os cientistas no sentido de procurar uma resposta. Se do ponto de vista da evolução da espécie esta atenção permanente ao negativo já fez sentido, permitindo-nos sobreviver e defender dos perigos maiores, a conclusão a que se chega é que existe actualmente uma hipersensibilidade ao negativo que não só deve ser alterada como não se justifica. Existe, de facto, algum desajustamento nesta atenção permanente ao negativo, tendo em consideração uma sociedade que diminuiu os riscos de forma bastante visível (basta ver o aumento dos níveis de longevidade) e onde cada vez mais controlamos a nossa capacidade de sobrevivência.

CONTINUA...

Imagem retirada de Ver portugal  que contém outra entrevista com esta investigadora.

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