Isabel Leal é psicóloga clínica. É professora no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (Lisboa). Foi entrevistada por Anabela Mota Ribeiro em Maio de 2009. Desta longa entrevista, publicada no Jornal Publico, retirei a ultima parte, que vos deixo aqui.
"...é preciso diminuir o hiato entre o que sentimos e pensamos." é uma das ideias a reter.
"...é preciso diminuir o hiato entre o que sentimos e pensamos." é uma das ideias a reter.
Lemos livros e ouvimos psicólogos que repetem à exaustão que a gratificação tem de vir de dentro. Mas como chegar a sentir isso que tão bem sabemos?
Isabel Leal: Acho que só há duas maneiras. Uma é mesmo a psicoterapia. Porque é o retorno a nós próprios, a uma consciência apurada de quem somos, como somos, porque somos. É como na crise adolescente: quem sou, donde venho e para onde vou. A outra é encontrar uma relação em que tenhamos espaço de existência e de construção de uma identidade, que nos permita essa gratificação. Quer um quer outro não são acessíveis a toda a gente. Há uma arbitrariedade horrível. Não é uma das coisas em que vou para casa e faço o treino...
Quer a psicoterapia quer a relação construída com outro são espaços de intimidade. Vivemos entre esses dois espaços: o íntimo, onde nos auscultamos e sabemos quem somos, e o público, onde cabe a conversa sobre o sexo, sobre o parecer ser, a dissimulação.
É incontornável que sejam espaços de intimidade. Atingimos a singularidade na maneira como combinamos os nossos elementos e construímos essa individualidade, apesar de tudo o que nos aconteceu - e sublinho o "apesar de". Aquilo que nos diferencia é essa construção autónoma. Aquela psicologia barata: "Percebe-se perfeitamente por que é que aquela pessoa é assim. Porque lhe aconteceu isto e isto e isto; só podia dar naquilo!" Não é verdade!
Porquê?
Isabel Leal: Há características pessoais e há circunstâncias felizes que nos possibilitam, apesar de tudo, transformar formas de ser. A história passa a ser: "Sou assim, não por causa do que me aconteceu, mas apesar do que me aconteceu." Há muitas pessoas a quem aconteceu o pior possível e que são muito estruturadas. Não temos só a condenação ao Inferno ou ao Purgatório. Temos uma enorme capacidade de resistência, resiliência, reformulação. É possível criar os espaços de liberdade, de recuo em nós próprios.
Do que é que as pessoas falam no consultório? De sexo, do desencontro, da equivocidade permanente?
Isabel Leal: Não há uma resposta única. Diferentes pessoas preocupam-se com diferentes coisas. Todos temos uma história e todos precisamos de significar a nossa história de uma certa maneira. Precisamos de ter um sentido, um norte; sem ele, desorganizamo-nos. Muitos dos sentidos que atribuímos às coisas não nos servem. Portanto, é preciso diminuir o hiato entre o que sentimos e pensamos.
Diz-se muito: "Se eu conseguisse sentir aquilo que penso, aquilo que eu sei..." Mas também: "Se eu conseguisse saber/entender o que sinto."
Isabel Leal: Não é um jogo de palavras. Isto é dito em discurso directo, tem personagens, tem acontecimentos. Dito de outra maneira: são sempre tentativas de crescimento. Perguntaram um dia à Maria Velho da Costa por que é que ela tinha feito psicoterapia: "Para ser mais, para ser melhor." O que todos nós queremos é ser mais e é ser melhor. Mesmo que tenhamos a ideia de que queremos fogões e frigoríficos e computadores e telemóveis. As pessoas que tiveram a sorte de ter tido relações básicas de extrema confiança, em que o abraço sempre lá esteve, provavelmente são as pessoas para quem isto é mais leve.
E esse vínculo é o que facilita a relação com o mundo e os outros?
Isabel Leal: Sim. Não é ingenuidade. É confiança básica. Infelizmente, a maior parte das pessoas não tem isso. No nosso desenvolvimento vamos sempre tentando esse reforço. E nunca nos chega. E isso já endossa para uma zona de inquietação que é constitutiva do ser humano. Para uns é sofrimento e para outros é zona de crescimento.
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